Iraque e Coligação iniciam reconquista de Mossul

por Graça Andrade Ramos - RTP
Um soldado preparado na ofensiva para reconquistar Mossul ao grupo Estado Islâmico. Azad Lashkari - Reuters

Mais de 30.000 tropas preparam-se para cercar Mossul por pelo menos três lados, na ofensiva militar para reconquistar a cidade ao Estado Islâmico. A segunda maior cidade iraquiana está nas mãos dos extremistas desde o verão de 2014 e calcula-se que cerca de 8.000 militantes estão ali entrincheirados.

Durante a manhã os arredores de Mossul ficaram sob o fumo espesso de milhares de pneus, incendiados pelos extremistas para dificultar o avanço das tropas, de acordo com informações transmitidas ao The Telegraph.

As forças de libertação de Mossul incluem o exército regular iraquiano, as unidades curdas peshmerga e voluntários de forças paramilitares xiitas.

O exército iraquiano e os peshmerga estão a aproximar-se de Mossul pelo sul e pelo leste. Às primeiras horas da manhã, viam-se colunas de forças iraquianas, curdas e americanas em movimentações na região a leste da cidade.

A linha da frente estava marcada pelos sons e pelo fumo causados por bombardeamentos aéreos e artilharia pesada.



Em poucas horas, as forças curdas libertaram sete vilas e aldeias cristãs e shabak de um objetivo de 10, destruindo ainda dois carros armadilhados. A desproporção de forças ficou patente quando 500 curdos enfrentaram cinco militantes numa aldeia.

Os peshmerga estão ainda em contactos com forças especiais americanas que lhes dão orientações sobre alvos a atingir com granadas de morteiro katiusha. Controlam ainda a principal estrada de ligação de Mossul a Irbil, a capital do Curdistão iraquiano.
Cidade armadilhada
Algumas fontes referem que os curdos esperam chegar ao perímetro de Mossul dentro de três dias.



Advertem entretanto para o risco dos militantes do Estado Islâmico usarem armas químicas.

A sul da cidade, milhares de tropas iraquianas concentraram-se no aeroporto de Qaiyara. Foi acordado que a primeira parte da ofensiva, a leste, seria liderada pelos curdos para garantir o controlo das rotas para Irbil.

As forças peshmerga não deverão contudo ser incluidas na ofensiva para reconquistar a cidade, disse o seu comandante, o tenente coronel Amozhgar Taher citado pela Fox, para evitar questões sectárias. 

As forças iraquianas, que têm vindo a concentrar-se nos arredores de Mossul nas últimas semanas, deverão começar a mover-se dentro de um ou dois dias, afirmou o tenente-coronel Ali Hussein à Associated Press.

O objetivo da ofensiva é cercar totalmente a cidade, cortando linhas de abastecimento e isolando a área, apertando depois lentamente o cerco.

Toda a operação deverá ser demorada, já que os militantes do Estado Islâmico criaram uma imensa rede de túneis sob a cidade e armadilharam todas as ruas. Também cavaram trincheiras e encheram-nas de petróleo que será incendiado.
Colaboração americana
O grupo Estado Islâmico, cujo comando militar inclui antigos oficiais do exército do Presidente iraquiano deposto, Saddam Hussein, conquistou Mossul e grande parte do território do norte iraquiano durante o verão de 2014, numa operação relâmpago que pôs em debandada as forças iraquianas. Proclamou entretanto o Califado nas zonas que controlava no Iraque e na Síria.

O início da ofensiva para reconquistar a cidade capital do norte do Iraque foi anunciado pelo primeiro-ministro iraquiano nos primeiros minutos de segunda-feira em Portugal, tendo-se iniciado quarenta minutos antes.

Desenrola-se com o apoio americano alargado mas as forças de combate no terreno são "todas iraquianas" garantiu o tenente-general Stephen Townsend, comandante da Força Conjunta Operação Resolução Inerente.

"Para ser claro, as milhares de forças para o combate no solo que irão libertar Mossul são todas iraquianas", afirmou. A coligação irá continuar a "usar precisão para atacar certeiramente o inimigo de forma a minimizar o impacto entre os civis", garantiu Townsend.

O comandante reconheceu que toda a ofensiva poderá "demorar meses" mas acredita que será bem-sucedida. "Os iraquianos prepararam-se para isto durante muito tempo e têm o nosso apoio", referiu. 

As forças americanas têm estado a dar sobretudo apoio aéreo e logístico à ofensiva.
Fuga dos militantes
A zona ocidental da cidade liga à Síria e poderá vir a ser usada pelos militantes numa fuga para as áreas que ainda controlam no país vizinho.

Quarta-feira passada, a agência russa RIA Novosti citou fontes militares-diplomáticas em Moscovo para revelar que os serviços de informação americanos e sauditas terão chegado a acordo para dar aos militantes do Estado Islâmico em Mossul livre passagem para a Síria antes do assalto iraquiano.

De acordo com as fontes citadas, o acordo americano-saudita prevê a deslocação de vários milhares de militantes para o leste da Síria para combaterem as tropas do Presidente sírio Bashar al-Assad em Palmira e Deir Ezzor.

Moscovo apoia o Governo de Bashar al-Assad e há mais de um ano que dá apoio ao exército sírio sobretudo através de bombardeamentos aéreos das áreas controladas por grupos sírios, muitos deles apoiados pelos Estados Unidos. 
"Decisão impossível"
Mais de um milhão e meio de civis, incluindo dezenas de milhares de crianças, permanece em Mossul, a maioria como reféns. Não há rotas de fuga e muitas pessoas que têm tentado fugir são detidas pelos militantes e forçadas a recuar.

"Mataram um primo meu mesmo à minha frente" referiu uma mulher que conseguiu fugir à terceira tentativa e se refugiou em Irbil. As execuções são diárias e os cadáveres são pendurados ao longo das ruas para intimidar a população.

Nas últimas horas surgiram relatos de revolta dentro da cidade.


Em Mossul, a última chamada à oração transformou-se numa chamada às armas, revelaram residentes.

Numa tentativa de minimizar os ataques a alvos civis, as famílias têm sido aconselhadas por forças locais a colocar bandeiras brancas nas suas casas, revelou o porta-voz da ONG Save The Children.

A partir de Irbil, Ruairidh Villar afirmou à Press Association que, "para já, ficar ou fugir é uma decisão impossível para as famílias e crianças".

A ONG apelou ao Governo britânico para que pressione os responsáveis da ofensiva de forma a garantir rotas de fuga seguras à população e sobretudo às crianças.

No caso dos combates se prolongarem, o ACNUR - a agência da ONU para os refugiados - prevê que um milhão de pessoas venha a necessitar de auxílio.
Outras forças
Na ofensiva participam ainda forças especiais iraquianas treinadas pelos norte-americanos, que se espera venham a liderar o avanço final. Membros de tribos sunitas iraquianas, que nos últimos meses têm combatido o estado Islâmico noutras províncias, também estão incluídos no esforço militar.

Cerca de 1.500 soldados iraquianos - xiitas, yazidis, cristãos - e do Turquemenistão, treinados pela Turquia no campo de Bashiqa no norte do Iraque, vão igualmente tomar parte na ofensiva, referiram fontes militares turcas à agência Reuters.

Outro tanto, o resto da força, ficará de reserva, acrescentou. Para já não está prevista a participação de forças da Turquia, embora o desenrolar da operação esteja a ser seguido com extrema atenção pelo comando turco. O campo de Bashiqa tem criado tensões entre a Turquia e o Governo iraquiano, que considera a existência do campo uma ingerência no seu território. Esta segunda-feira o Presidente turco Reccep Tayyip Erdogan garantiu que o país irá participar da reconquista de Mossul. "Está for a de questão ficarmos de fora" anunciou Erdogan num discurso na televisão.

Milícias xiitas das Forças de Mobilização Popular foram entretanto desviadas para reconquistar uma outra cidade, Hawija, a cerca de 100 quilómetros de Mossul, para evitar eventuais represálias sobre a população sunita da capital do norte iraquiano.

As FMP, recentemente reconhecidas por Bagdade, têm sido acusadas de raptos e de tortura de rapazes e homens sunitas em zonas recém-libertadas do Estado Islâmico.

A solução de as afastar da batalha por Mossul foi duramente negociada, tendo sido decidido entregar-lhes Hawija, apesar dos receios de ataques a populações sunitas, como já sucedeu no passado.

O comando da FMP afasta a preocupação. "O nosso papel será libertá-los da tirania do Daesh", garantiu, usando um acrónimo em árabe para o grupo Estado Islâmico.    
pub