Itália. Meloni nega ser anti-mulheres após vídeo com melões

por Joana Raposo Santos - RTP
Segundo um porta-voz de Meloni, a narrativa de uma "mulher contra mulheres" é "desagradável" e "não corresponde à realidade". Guglielmo Mangiapane - Reuters

Um porta-voz da recém-eleita primeira-ministra italiana garantiu esta quinta-feira que Giorgia Meloni não é uma "mulher contra mulheres". As declarações surgem depois de, no dia de reflexão em Itália, a então candidata ter contornado as regras e arranjado forma de fazer campanha. Meloni publicou um vídeo na rede social TikTok no qual segurava dois melões ("meloni", em italiano) em frente do peito enquanto dizia: "25 de setembro: está tudo dito".

Alguns consideraram o vídeo de mau gosto e houve mesmo quem visse a imagem sexualizada de Meloni como uma indicação de que a primeira-ministra não estará disposta a lutar pelas causas feministas.

Outros ficaram, inclusivamente, surpreendidos com a súbita mudança de estilo da líder de extrema-direita, apesar de reconhecerem no vídeo com melões uma maneira inteligente de Meloni mostrar aos leitores que tem sentido de humor, mesmo que este possa ser visto por alguns como machista.
@giorgiameloni_ufficiale

25 settembre: ho detto tutto.

♬ suono originale - Giorgia Meloni

Em declarações ao Guardian, um porta-voz da futura primeira-ministra – que vai governar em coligação com o partido Irmãos de Itália, com raízes neofascistas, - garantiu que a brincadeira com os melões não passou de um trocadilho sobre o apelido da então candidata.

Segundo o porta-voz, a narrativa de uma “mulher contra mulheres” é “desagradável” e “não corresponde à realidade”.

Luisa Rizzitelli, ativista dos direitos das mulheres e LGBTQ+ que concorreu ao cargo de senadora pelo Partido Democrático, considerou o vídeo dos melões uma maneira astuta de Meloni apresentar humor ao mesmo tempo que expressava valores masculinos.

“Os Irmãos de Itália entenderam muito bem que as mulheres podem ser boas nesse aspeto. Se Meloni tivesse valores feministas, eles nunca teriam permitido que ela chegasse tão longe”, defendeu.
“Meloni não renega a sua cultura de extrema-direita”
Durante a campanha eleitoral, Giorgia Meloni, de 45 anos, procurou mostrar-se como uma mulher forte e a única que levou um partido italiano ao poder enquanto lutava contra homens poderosos – incluindo os seus depois aliados de extrema-direita, Matteo Salvini e Silvio Berlusconi.

Embora Meloni tenha dito não ter planos para abolir a lei do aborto em Itália, a primeira-ministra pretende limitar a interrupção voluntária da gravidez, apresentando, para isso, medidas como a oferta de apoio financeiro às mulheres para que estas mantenham a gravidez em vez de a interromperem.

Alguns acreditam também que a agenda de Meloni não deverá favorecer o modo como as mulheres são tratadas nos locais de trabalho.

“Iremos com certeza retroceder nos direitos das mulheres, porque Meloni não renega a sua cultura de extrema-direita, que sempre defendeu que as mulheres precisam se comportar de uma certa maneira e que só devem ter uma certa liberdade”, considerou ao Guardian Monica Cirinnà, membro do Partido Democrático e responsável pela legislação que levou à aprovação das uniões civis entre pessoas do mesmo género, em 2016.

Meloni não se descreve como feminista e diz ser contra as “quotas cor-de-rosa”, ou seja, as regras que impõem que determinada percentagem dos cargos em organizações privadas ou públicas seja reservada para mulheres. Para a líder italiana, os cargos devem ser conquistados por mérito e não por género, algo que diz acontecer dentro do seu partido, onde várias mulheres têm cargos de liderança.

“Quanto às quotas rosa, também gostaria que superássemos essa medida, mas até que se torne normal ver mulheres em cargos de poder em Itália, essas quotas são necessárias”, explicou Monica Cirinnà.

Já Lavinia Mennuni, conselheira do partido Irmãos de Itália que foi eleita senadora no seu distrito eleitoral, considera que “não só temos a primeira mulher primeira-ministra, como temos um grande número de mulheres eleitas para o Parlamento”.

“Mas, francamente, não se trata de Meloni ser mulher ou não – ela é simplesmente uma líder muito boa, determinada e coerente. Temos de parar de atribuir rótulos feministas a tudo”, considerou Mennuni, que conquistou o cargo de senadora frente a vários rivais, incluindo Emma Bonino, líder de esquerda que estava entre as feministas que lutaram para legalizar o aborto em Itália na década de 1970.

Para Giorgia Serughetti, socióloga na Universidade de Milão-Bicocca, Meloni “não possui um discurso a nível de batalhas femininas nem um desejo de se tornar um modelo” nesta área.
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