John Bolton revela que Trump pediu ajuda à China para eleição

por RTP
Jonathan Drake - Reuters

Num livro com revelações sobre o Presidente dos Estados Unidos, John Bolton acusa Donald Trump de procurar a ajuda da China para conseguir a reeleição. Considerando as várias alegações do antigo conselheiro de segurança nacional da Casa Branca, o Departamento de Justiça norte-americano tentou impedir o adiamento da publicação.

O livro "The Room Where It Happened, A White House Memoir" (em português "A Sala Onde Aconteceu, Uma Memória da Casa Branca"), está a conturbar Washington. Com lançamento agendado para o próximo dia 23 de junho, a publicação de John Bolton acusa Donald Trump de tomar medidas apenas a pensar na sua reeleição.

"Eu tenho dificuldade em identificar quaisquer decisões significativas de Trump durante o meu mandato que não foram motivadas por cálculos de reeleição", escreveu Bolton.

Entre as inéditas revelações de Bolton destaca-se o pedido de Trump a Xi Jinping para que usasse o poder económico para ajudá-lo nas eleições de 2020 e a tentativa de abafar investigações criminais por "favor" a alguns chefes de Estado, considerados ditadores, com quem se relacionava melhor.

O antigo conselheiro de Trump disse que, em junho de 2019, num encontro à margem da Cimeira do G20, o Presidente dos EUA e o Presidente chinês estavam a discutir sobre a hostilidade à China nos EUA, quando Trump "desviou a conversa sobre as próximas eleições presidenciais, aludindo à capacidade económica da China e apelando a Xi para que a fizesse prevalecer", de acordo com excertos publicados simultaneamente pelo Wall Street Journal, o New York Times e o Washington Post.

Durante esta reunião, em Osaka, Donald Trump "salientou a importância dos agricultores e o aumento das compras chinesas de soja e trigo sobre o resultado das eleições", escreveu Bolton.

"As conversas de Trump com Xi refletem não só as inconsistências na sua política comercial, mas também a interligação na mente de Trump entre os seus próprios interesses políticos e o interesse nacional americano".

Segundo o antigo conselheiro da Casa Branca, "esta e inúmeras outras conversas semelhantes com Trump confirmaram um comportamento fundamentalmente inaceitável que corrói a própria legitimidade da Presidência", referindo-se ao processo de destituição promovido no Congresso dos EUA pelos democratas contra Donald Trump, no final de 2019, por causa do caso ucraniano.

"Se os democratas que defenderam a acusação [de Trump] não tivessem estado tão obcecados com a sua guerra-relâmpago sobre a Ucrânia em 2019, se tivessem tido tempo para investigar mais sistematicamente o comportamento de Trump em todo o espetro da sua política externa, o resultado da acusação poderia ter sido muito diferente", acrescentou.
Trump apoiou  campos de concentração na China
Outra das revelações controversas de John Bolton, que envolve também a relação dos EUA com a China, é a de que, quando Trump soube que Xi Jinping estava a construir campos de concentração para poder prender muçulmanos uigures na China, o Presidente norte-americano afirmou ser "exatamente a coisa certa a fazer".

"Segundo o nosso intérprete, Trump disse que Xi devia continuar a construir esses campos, porque Trump pensava que era exatamente a coisa certa a fazer", escreveu Bolton.

Mas na quarta-feira, Donald Trump promulgou uma lei aprovada pelo Congresso para sancionar responsáveis chineses acusados de "internamentos de massa" de muçulmanos uigures.

"Esta lei responsabiliza os autores de violações dos direitos humanos e abusos como o recurso sistemático a campos de doutrinamento, a trabalhos forçados e a uma vigilância intrusiva para erradicar a identidade étnica e as crenças religiosas dos uigures e outras minorias na China", declarou, conforme comunicado distribuído pela Casa Branca.

Esta lei tinha sido aprovada a 27 de maio por uma maioria esmagadora na Câmara dos Representantes e quase por unanimidade no Senado, alguns dias antes. No entanto, em dezembro, aquando da primeira votação desta lei, Pequim prometeu que Washington ia "pagar o preço".

Por coincidência de calendário, ou não, Trump assinou esta lei no mesmo dia em que a comunicação social revelou várias excertos do livro de John Bolton.
Presidente por mais de dois mandatos e com "favores" a ditadores

Segundo alguns excertos revelados pela comunicação social norte-americana, Trump também parece apoiar a ideia de Xi Jinping de eliminar os limites do mandato presidencial.

Quando "Xi disse que queria trabalhar com Trump por mais seis anos", o Presidente norte-americano terá respondido "que as pessoas diziam que o limite constitucional de dois mandatos para presidentes deveria ser revogado para ele", escreveu Bolton, acrescentando que "Xi disse que os EUA tinham muitas eleições" e que "não se queria afastar de Trump, que assentiu com aprovação".

Além de se mostrar adepto de mandatos presidenciais com mais do que dois mandatos, o livro de Bolton revela que Trump tentou abafar investigações criminais para "fazer favores pessoais aos ditadores de quem gosta".

De acordo com um excerto publicado no Washington Post, um desses casos inclui uma discussão, em 2018, com o presidente turco, Recep Erdogan. Bolton afirmou que Erdogan terá dado a Trump um memorando que alegava que uma empresa turca sob investigação nos EUA era inocente.

"Trump, então, disse a Erdogan que trataria das coisas, explicando que os as pessoas do distrito do sul não eram o seu povo, mas sim o pessoal de Obama, um problema que seria resolvido quando esses fossem substituídos pelo seu povo", escreveu.
Invadir a Venezuela é "legal" para Trump

Nas memórias de John Bolton lê-se que, para Donald Trump a Venezuela é "parte dos Estados Unidos", por isso, seria "legal" uma invasão ao país em questão.

Bolton relatou que, num telefonema em maio de 2019, o presidente russo, Vladimir Putin, falou de uma "exibição brilhante de propaganda no estilo soviético", comparando o líder da oposição venezuelana Juan Guaidó à candidata presidencial democrata em 2016, Hillary Clinton, que "convenceu amplamente Trump".

O objetivo de Putin era defender o aliado venezuelano, o presidente Nicolás Maduro - que em 2018, Trump rotulou de ditador e ao qual impôs sanções -, esclareceu o ex-conselheiro.

São várias as reveleções e as situações inéditas que John Bolton denuncia no livro, que já tinha tido impacto na vida política norte-americana quando uma primeira parte foi divulgada à imprensa em janeiro, em pleno processo de destituição.

Nesses primeiros excertos, Bolton relatou uma conversa em agosto passado em que Donald Trump lhe teria explicado que não queria desbloquear ajuda crucial à Ucrânia até que este país investigasse o seu opositor democrata Joe Biden, agora a concorrer contra o presidente americano nas eleições presidenciais de 3 de novembro.

A publicação está agendada para a próxima semana, mas o Departamento de Justiça norte-americano processou na terça-feira o antigo conselheiro de segurança nacional, pedindo o adiamento da publicação de um livro que, segundo a Casa Branca, contém informações secretas.

A ação cível, que deu entrada no tribunal federal de Washington, segue-se a avisos do Presidente norte-americano, Donald Trump, de que Bolton podia enfrentar um "problema criminal" se não suspendesse os planos de publicação do livro, prevista para a próxima semana.

A queixa é o último incidente numa relação conflituosa entre Trump e Bolton, forçado a abandonar a Casa Branca em setembro de 2019, após repetidos diferendos sobre questões de segurança nacional.

A editora Simon & Schuster defendeu, no entanto, que o processo é "o último de uma longa série de esforços do Governo para anular a publicação de um livro que considera pouco lisonjeiro para o Presidente". A editora garantiu ainda que Bolton colaborou com funcionários da Casa Branca para responder às suas preocupações, afirmando que "apoiava plenamente o direito à Primeira Emenda", que garante a liberdade de expressão.

Tmbém o advogado do ex-conselheiro, Chuck Cooper, disse que Bolton trabalhou durante meses com especialistas para evitar a publicação de informações consideradas secretas, acusando a Casa Branca de utilizar a segurança nacional como pretexto para censurar o livro.

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