Karzai garante mais cinco anos na Presidência do Afeganistão
A Comissão Eleitoral do Afeganistão oficializou esta segunda-feira a vitória de Hamid Karzai nas presidenciais. Mais de dois meses após o início de um processo ensombrado por fraudes e violência, a desistência do rival do Presidente abriu caminho ao cancelamento da segunda volta e à manutenção de um frágil poder central arquitectado pelo Ocidente.
20 de Agosto: realiza-se a primeira volta das eleições presidenciais; a votação decorre sob apertadas medidas de segurança, depois de a guerrilha taliban ter ameaçado desencadear ataques para minar o escrutínio; o número de eleitores é estimado em 17 milhões. A participação fica-se pelos 38,7 por cento.
21 de Agosto: as candidaturas de Hamid Karzai e de Abdullah Abdullah reclamam, em simultâneo, a liderança no escrutínio; o adversário do Presidente começa a denunciar fraudes em massa.
25 de Agosto: são publicados os primeiros resultados parciais; Hamid Karzai surge na liderança com 40,6 por cento dos votos, contra 38,6 por cento atribuídos a Abdullah Abdullah.
6 de Setembro: a Comissão Eleitoral Independente anuncia a anulação dos resultados de 447 assembleias de voto, num total de 200 mil sufrágios; a maior parte dos boletins adulterados é detectada nas zonas de influência de Hamid Karzai.
14 de Setembro: Abdullah Abdullah exige a realização de uma segunda volta.
16 de Setembro: novos resultados preliminares dão 54,6 por cento dos votos a Hamid Karzai. Abdullah Abdullah não vai além dos 27,8 por cento; os observadores da União Europeia enviados ao Afeganistão acreditam que pelo menos um quarto dos votos levanta suspeitas.
11 de Outubro: a missão das Nações Unidas em Cabul admite a existência de "fraudes consideráveis".
20 de Outubro: segundo os resultados finais publicados pela Comissão Eleitoral Independente, Hamid Karzai reúne 49,67 por cento dos votos, ficando aquém da fasquia necessária para evitar uma segunda volta; o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros Abdullah Abdullah conquista 30,59 por cento dos votos.
26 de Outubro: a candidatura de Abdullah Abdullah exige o afastamento do número um da Comissão Eleitoral Independente, Azizullah Lodin, uma figura tida como próxima do Presidente afegão; a exigência é prontamente rejeitada.
1 de Novembro: Abdullah Abdullah deixa cair a sua candidatura; a equipa de Hamid Karzai afirma que a segunda volta, marcada para 7 de Novembro, deve ser realizada.
2 de Novembro: a Comissão Eleitoral Independente declara Hamid Karzai vencedor. Estados Unidos e ONU felicitam o Presidente reeleito
A mesma Comissão Eleitoral Independente que no domingo, após a desistência da candidatura de Abdullah Abdullah, pendia para a realização de uma segunda volta com um candidato único a 7 de Novembro confiou agora a Hamid Karzai um novo mandato de cinco anos na Presidência do Afeganistão. O "anúncio surpresa" da capitulação do médico oftalmologista, explicou Azizullah Lodin, nomeado por Karzai para a chefia do órgão eleitoral, "colocava grandes dificuldades quanto à organização da segunda volta".
"Sua excelência Hamid Karzai, que conquistou a maioria dos votos na primeira volta e é o único candidato para a segunda volta, é declarado o Presidente eleito do Afeganistão pela Comissão Eleitoral Independente", proclamou esta segunda-feira Azizullah Lodin. O gesto precipitou uma catadupa de felicitações do Ocidente, a começar pela Administração de Barack Obama.
"Vitória em eleições históricas"
Os primeiros sinais de alívio nas chancelarias partiram da Embaixada dos Estados Unidos em Cabul, que se apressou a saudar o Presidente reeleito do Afeganistão por uma "vitória em eleições históricas". A nota da representação diplomática sublinha ainda que Washington espera continuar "a trabalhar" com Hamid Karzai na reforma das instituições políticas e na melhoria das condições de segurança num país esventrado por oito anos de guerra.
Seguiram-se o Governo britânico e o próprio secretário-geral das Nações Unidas. Em visita a Cabul, Ban Ki-moon fez a apologia da anulação da segunda volta e felicitou Karzai, a quem pediu que "forme rapidamente um Governo que seja apoiado, a um tempo, pelo povo afegão e pela comunidade internacional", uma vez que "o processo eleitoral foi difícil para o Afeganistão e há lições a retirar".
Para a história do Afeganistão pós-regime taliban prevalecem, assim, os resultados oficiais da votação de 20 de Agosto - 49,67 por cento dos votos para Hamid Karzai, contra 30,59 por cento para Abdullah Abdullah. Para a História fica um processo eleitoral em que apenas 38,7 por cento dos eleitores ousaram desafiar, votando, as lideranças regionais e a promessa de represálias por parte dos extremistas, assim como a detecção de práticas fraudulentas que rechearam as urnas de boletins falsificados em prol do Presidente e obrigaram a descartar um terço dos seus votos, recolocando a candidatura abaixo da fasquia dos 50 por cento.
Nas últimas semanas, as preocupações com os índices de legitimidade na imagem do Presidente afegão levaram um cortejo de personalidades de expressão internacional a pressionarem Hamid Karzai a anuir a uma segunda volta, nomeadamente a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, o antigo candidato democrata à Presidência dos Estados Unidos John Kerry e o primeiro-ministro britânico. Afastada a candidatura de Abdullah Abdullah, logo no domingo, o próprio Gordon Brown tratou de contactar Karzai para começar a influenciar a agenda política afegã, instando-o a atacar a corrupção generalizada nos corredores do poder e a "levar as pessoas certas para o Governo". Na véspera do anúncio da Comissão Eleitoral Independente, o Presidente reeleito não tardou a responder aos apelos de Londres, prometendo levar por diante a elaboração de um "manifesto de unidade nacional".
Revisão da estratégia militar dos Estados Unidos
O Presidente norte-americano tem vindo a condicionar uma decisão sobre o eventual reforço das tropas norte-americanas em território afegão à clarificação do quadro político de Cabul. Em cima da secretária de Barack Obama está um pedido dos comandantes no terreno para o envio de mais 40 mil soldados.
O desfecho do processo eleitoral pode afastar, em teoria, um recrudescimento da violência islamista no contexto de uma segunda volta. Mas apenas em teoria, pois os militantes taliban já fizeram saber que o afastamento de Abdullah Abdullah é-lhes indiferente. Ademais, a fragilidade patente das instituições criadas após o derrube do regime taliban, em 2001, traduz-se em dificuldades acrescidas na tarefa de explicar o prolongamento do esforço de guerra a uma opinião pública norte-americana cada vez mais céptica. Da mesma forma, Obama terá muito trabalho para apresentar Karzai como um parceiro credível a um Congresso cada vez mais fracturado.
"A credibilidade do Governo de Karzai não vai ser simplesmente decidida por esta eleição. Vai ser decidida pelas acções que o Presidente adoptar nos próximos dias e semanas. O primeiro teste vai ser a formação do seu gabinete. Precisamos de perceber se ele é sério quanto às reformas", resumiu em Cabul um responsável diplomático ocidental, citado pela agência Reuters.
Um dos cenários em discussão passaria pela constituição de um Executivo de unidade nacional, apesar do fracasso, na semana passada, de uma primeira tentativa nesse sentido. Uma tal solução abriria as portas do Governo de Hamid Karzai, apoiado pela maioria pachtune no Sul e no Leste do país, ao campo político de Abdullah Abdullah, que tem a sua base de sustentação na etnia tajique, a Norte. Em suma, explicou a fonte da Reuters, o Ocidente quer "ver um Executivo com diversidade étnica, que inclua pessoas do Norte e do Sul". Ao abdicar da sua candidatura, o rival do Presidente não fechou a porta a essa possibilidade.