Lava Jato. Bolsonaro diz confiar "irrestritamente" em Sergio Moro

por Joana Raposo Santos - RTP
Moro e Dallagnol já tinham sido acusados de colaborarem na “Lava Jato”, mas até agora não existiam provas Adriano Machado - Reuters

Jair Bolsonaro disse confiar “irrestritamente” no ministro da Justiça, Sergio Moro, depois de uma grande reportagem do jornal online norte-americano The Intercept ter colocado em causa a imparcialidade da operação Lava Jato, que resultou na detenção de Lula da Silva. A publicação denunciou conversas privadas entre Moro, então juiz instrutor do processo, e o procurador Deltan Dallagnol, contra quem já se encontra em curso uma investigação disciplinar.

“Nós confiamos irrestritamente no ministro Moro”, declarou o Presidente Bolsonaro por duas ocasiões, de acordo com o secretário de Comunicação da Presidência Brasileira, Fabio Wajngarten.

O secretário disse ter informado o chefe de Estado sobre a divulgação das mensagens no domingo e ter voltado a falar com ele sobre o assunto na segunda-feira, tendo Bolsonaro mantido a sua posição de confiança para com Sergio Moro em ambas as ocasiões.

Até ao momento, porém, o Presidente brasileiro não se pronunciou publicamente acerca desta polémica, ao contrário de outros membros do seu Governo.

O próprio Sergio Moro já se defendeu através da rede social Twitter, referindo-se ao caso como “sensacionalista” e negando que tenha havido qualquer ilegalidade.

“Muito barulho por conta de publicação por site de supostas mensagens obtidas por meios criminosos de celulares de procuradores da Lava Jato”, escreveu. “Leitura atenta revela que não tem nada ali apesar das matérias sensacionalistas”.


Em declarações pertante jornalistas, Sergio Moro frisou que a divulgação de mensagens constitui uma "invasão criminosa".

"O que houve ali é uma invasão criminosa de celulares de procuradores. Para mim esse é um facto bastante grave, ter havido essa invasão e essa divulgação e, quanto ao conteúdo que diz respeito à minha pessoa eu não vi nada de mais", considerou.

Já Deltan Dallagnol deixou uma mensagem aos que se tentarem “aproveitar” da ação do hacker que divulgou as mensagens para “apresentar fatos retirados de contexto e falsificar integral ou parcialmente informações”.

“Os procuradores da Lava Jato não vão se dobrar à invasão imoral e ilegal, à extorsão ou à tentativa de expor e deturpar suas vidas pessoais e profissionais”, assegurou.


Para Dallagnol, a origem das acusações na sequência da operação Lava Jato está associada a um "ataque criminoso organizado", já que foram divulgadas mensagens privadas a que apenas um hacker poderia ter acesso.

"Mesmo não reconhecendo a fidedignidade das mensagens que foram espalhadas, nós reconhecemos que elas podem gerar algum desconforto e a gente lamenta profundamente por isso", acrescentou.

De acordo com o Intercept, as mensagens e conversas privadas entre promotores e juízes brasileiros ocorreram na aplicação Telegram e foram denunciadas por uma fonte anónima.
Procuradores tinham dúvidas
Durante essas conversas, o ex-juiz Sergio Moro terá sugerido ao procurador Dallagnol que alterasse a ordem das fases da operação Lava Jato, terá dado conselhos e pistas, indicado caminhos de investigação aos promotores encarregados do caso, sugerido “recursos ao Ministério Público” e “antecipado pelo menos uma decisão”, ou seja, terá ajudado a acusação, o que viola a legislação brasileira que exige imparcialidade aos juízes.

“Talvez fosse o caso de inverter a ordem da duas planejadas”, chegou a sugerir Moro a Dallagnol, referindo-se a fases da investigação.
Este tipo de comunicação entre o então juiz instrutor do processo e o procurador é proibido pela Constituição e pelo código penal brasileiro.
As mensagens a que o Intercept teve acesso revelariam ainda que os promotores da Lava Jato tinham sérias dúvidas sobre a qualidade das provas contra o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, num processo em que este foi condenado em três instâncias da justiça brasileira de receber um apartamento de luxo como suborno da construtora OAS.

“Falarão que estamos acusando com base em notícia de jornal e indícios frágeis”, escreveu Dallagnol numa das mensagens enviadas ao grupo de procuradores que na altura trabalhavam no caso.

“Até agora tenho receio da ligação entre Petrobras e o enriquecimento, e depois que me falaram to com receio da história do apto… São pontos em que temos que ter as respostas ajustadas e na ponta da língua”, continuou.

Noutras conversas reveladas pela publicação online, um grupo de promotores da Jato Lava discute formas de impedir uma entrevista que Lula da Silva deveria dar ao jornal Folha de São Paulo alegando que a mesma poderia beneficiar o Partido dos Trabalhadores nas eleições.

O porta-voz da Presidência, Otávio Rêgo Barros, informou que Bolsonaro se deverá reunir esta terça-feira com Moro para discutir o conteúdo das mensagens reveladas pelo Intercept.

De acordo com Leandro Demori, editor da edição brasileira do Intercept, a publicação revelou que "o juiz e o procurador atuaram juntos".

"Muitas vezes o juiz sugeriu mudanças de fases de operação" e deu "dicas sobre como os procuradores deveriam oferecer denúncias ou operar", explicou. "Não é o que se espera de procuradores que devem ser isentos e imparciais".
"Desvio na conduta"
O Ministério Público (MP) do Brasil instaurou na segunda-feira um processo disciplinar contra Dallagnol e os restantes procuradores mencionados pelas reportagens do Intercept, alegando “eventual desvio na conduta” dos mesmos. Os procuradores terão agora de prestar informações ao MP no praMoro e Dallagnol já tinham sido acusados de colaborarem na “Lava Jato”, mas até agora não existiam provas explícitas dessa atuação conjunta.zo de dez dias.

Lula da Silva foi preso em abril do ano passado, para cumprir pena desta condenação em regime fechado, sendo posteriormente proibido de concorrer nas eleições presidenciais de 2018, quando era o candidato favorito da população, segundo as sondagens realizadas à época.

Na sequência das reportagens do Intercept, também o vice-presidente do Brasil, Hamilton Mourão, declarou que o atual ministro da Justiça é uma pessoa “da mais ilibada confiança do Presidente”.

“Conversa privada é conversa privada, não é? E descontextualizada ela traz qualquer número de ilações”, afirmou Mourão aos jornalistas, após deixar o Palácio do Planalto, em Brasília.

c/ Lusa
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