Los Angeles. Famílias detidas em rusgas confinadas a caves sem comida ou água

por Cristina Sambado - RTP
David Ryder - Reuters

Enquanto os agentes federais se apressavam a prender imigrantes em Los Angeles, confinaram os detidos - incluindo famílias com crianças pequenas - numa cave abafada durante dias sem comida e água suficientes, segundo advogados de imigração.

Uma família com três crianças foi mantida no interior de um edifício administrativo na área de Los Angeles durante 48 horas depois de ter sido detida na quinta-feira, imediatamente após uma audiência no tribunal de imigração, de acordo com advogados do Immigrant Defenders Law Center (ImmDef), que presta serviços jurídicos sem fins lucrativos na região.

As crianças, a mais nova das quais tem três anos de idade, receberam um saco de batatas fritas, uma caixa de bolachas para animais e um pequeno pacote de leite como única ração para um dia. Os agentes disseram à família que não tinham água para fornecer durante o primeiro dia de detenção; no segundo dia, os cinco receberam uma única garrafa para partilhar. A única ventoinha existente na sala estava apontada diretamente para um guarda, e não para as famílias detidas, acrescentaram alguns advogados ao jornal britânico The Guardian.

“Como eram sobretudo homens que estavam detidos nestas instalações, não havia alojamentos separados para as famílias ou para as mulheres”, explicou Yliana Johansen-Méndez, diretora de programas da ImmDef.

Os clientes explicaram que "acabaram por montar uma tenda improvisada numa área exterior para alojar as mulheres e as crianças. Mas, como é óbvio, não havia camas nem duches".Desde então, foram transferidos para um centro de “detenção familiar” em Dilley, Texas, uma instalação de detenção em grande escala adaptada para manter as crianças com os pais, que foi reaberta sob a Administração Trump. 

Os advogados, que tinham sido em grande parte impedidos de comunicar com os imigrantes detidos no âmbito da intensificação das rusgas em Los Angeles, disseram que os clientes só puderam contar a provação depois de terem sido transferidos para fora do Estado.

Os pormenores angustiantes são os primeiros a surgir sobre as condições em que as pessoas estão a ser detidas na sequência das rusgas de imigração que visam empresas e bairros da área de Los Angeles.

Para reprimir os protestos generalizados que se seguiram, Donald Trump enviou tropas militares, apesar da oposição dos líderes da Califórnia. O Departamento de Segurança Interna (DHS) afirmou ter detido 118 imigrantes na sexta-feira e durante o fim de semana. Outros foram detidos em gabinetes de imigração e tribunais nos dias anteriores.

O ImmDef e outros grupos de defesa locais compilaram uma lista separada de mais de 80 pessoas que foram detidas - embora muitas delas ainda não apareçam nas bases de dados online da agência sobre os detidos.

Muitas das pessoas detidas foram presas ad hoc, em tribunais e gabinetes administrativos da área de Los Angeles. Nos últimos dias, os advogados fizeram turnos de espera à porta dos serviços federais de imigração, tentando falar com os imigrantes, no entanto, os agentes federais e as tropas da guarda nacional impediram largamente os advogados e os familiares de visitarem os detidos, alegando preocupações de segurança no meio de protestos generalizados na cidade.

Na terça-feira, o tribunal de imigração no centro de Los Angeles tinha sido encerrado - e bloqueado.

O Departamento de Segurança Interna não respondeu a várias perguntas do Guardian sobre o local onde se encontravam as pessoas detidas em Los Angeles e se os gabinetes locais tinham recebido instruções para preparar os materiais e as instalações para deter os imigrantes antes das rusgas em grande escala na região.Deterioração das condições de detenção
Foi também negado aos grupos de assistência jurídica o acesso aos imigrantes que foram transferidos para o centro de processamento e detenção do Immigration and Customs Enforcement (Ice) em Adelanto, no alto deserto a leste de Los Angeles.

A desculpa do Ice foi que ainda estão a processar todas as pessoas que chegaram”, disse Johansen-Méndez ao jornal. Durante o fim de semana e na segunda-feira, os colegas só foram autorizados a visitar um punhado de clientes no centro de detenção de Adelanto, apesar de terem telefonado para confirmar que pelo menos 40 pessoas encaminhadas para a organização tinham sido enviadas para lá.

Várias pessoas já foram deportadas. Luis Angel Reyes Savalza, um advogado de defesa de deportação que apoia as famílias afetadas em Los Angeles, disse que pelo menos uma pessoa, que foi transportada para o México quase imediatamente após a sua detenção, não recebeu qualquer documentação ou oportunidade de contestar a sua deportação.
Pelo menos outras duas pessoas que foram presas em áreas de lavagens de carros na área de Los Angeles foram deportadas para Tijuana, de acordo com Flor Melendrez, diretora executiva do Clean Carwash Worker Center.

Outra pessoa foi instruída pelos agentes a assinar um papel se quisesse visitar um advogado, disse Johansen-Méndez - mas acredita que foi enganado para assinar algum tipo de papelada de saída voluntária. “Em poucas horas, ele atravessou a fronteira com o México”, exemplificou.

Entretanto, famílias dos trabalhadores detidos numa fábrica de roupa no centro de Los Angeles, no parque de estacionamento de um Home Depot (uma empresa que vende produtos para o lar e construção civil) no subúrbio de Paramount e numa lavagem de carros em Culver City procuravam desesperadamente respostas sobre o paradeiro dos seus familiares.

Landi, cujo marido foi preso na sexta-feira enquanto trabalhava num turno no armazém da Ambiance Apparel, disse que ele se tinha apresentado ao trabalho nesse dia normalmente. “Nunca imaginámos que ele fosse raptado pela imigração”, afirmou numa conferência de imprensa na segunda-feira, à porta da empresa.

“No dia em que foi raptado, a minha família foi pedir informações sobre o seu rapto, mas o Ice disse-nos que não estava no centro”, esclareceu. “No entanto, depois de muito esforço e luta do nosso advogado, o Immigration and Customs Enforcement simplesmente confirmou a sua presença no local”. As famílias não foram autorizadas a levar casacos ou medicamentos para os seus entes queridos, acusaram ainda os advogados.

Aqueles que puderam falar com os causídicos relataram que, à medida que as instalações de detenção na cidade ficaram cheias de imigrantes, as famílias foram levadas às pressas para centros de detenção no alto deserto da Califórnia ou no Texas.

Os agentes confiscaram os pertences e forneceram pouca comida ou água, explicando aos imigrantes que as instalações não estavam preparadas para a grande afluência de detidos.

Segundo os advogados, as condições em Adelanto também se estavam a deteriorar. Um dos clientes da ImmDef relatou que as refeições eram fornecidas tarde, que os cobertores e as roupas eram escassos e que algumas pessoas estavam a dormir no chão de uma sala de recreio de uso diário, uma vez que as camas estavam cheias.

Um detido disse ter testemunhado o declínio dramático da saúde de um homem idoso depois de lhe ter sido negada a medicação durante três dias.

No domingo, os representantes democratas dos EUA Gilbert R Cisneros Jr., Judy Chu e Derek Tran disseram que foram impedidos de entrar em Adelanto.

O Departamento de Segurança Interna não respondeu a uma pergunta sobre o motivo pelo qual foi negado o acesso a advogados e legisladores.
Dar sentido às rusgas
Com acesso limitado aos imigrantes detidos, os advogados estão também a tentar compreender o âmbito das rusgas e até que ponto o Departamento de Segurança Interna violou os direitos dos imigrantes.

Um dos aspetos mais invulgares das rusgas militarizadas em larga escala que começaram na semana passada foi o facto de os agentes da Immigration and Customs Enforcement terem sido acompanhados por agentes das Alfândegas e da Proteção das Fronteiras, que têm poderes para efetuar detenções sem mandado - mas apenas num raio de 160 quilómetros da fronteira norte-americana.


Johansen-Méndez acredita que o governo justificou a sua presença em Los Angeles - que fica a mais de 160 quilómetros da fronteira entre os EUA e o México - porque a cidade toca o Oceano Pacífico, que a administração poderia estar a considerar como uma “fronteira”.

“Estão a considerar toda a linha costeira como um porto de entrada”, sublinhou Johansen-Méndez. "Parecia quase uma lenda urbana que isso poderia ser feito. Mas, nesta altura, eles estão em todo o lado, literalmente".

Os advogados do ImmDef e de outros grupos de assistência jurídica e de defesa também têm tentado reunir testemunhos para compreender melhor como e porque é que os agentes de imigração escolheram fazer rusgas em certas empresas e bairros, e quais as justificações dadas pelos agentes quando pararam e prenderam pessoas.

“Como é que eles decidem a quem vão pedir os documentos e prender, para além da caraterização racial?” questionou Johansen-Méndez. "Pediram os documentos a toda a gente na sala ou só a algumas pessoas? Será que não levaram algumas pessoas que não se enquadravam no perfil? Não podemos obter essa informação porque não podemos falar com toda a gente".
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