Marte recebe o rover Perserverance

Chega esta quarta-feira ao Planeta Vermelho o "rover" Perseverance, da NASA. Um laboratório robótico móvel que vai continuar a senda dos seus antecessores - Sojourner, Spirit, Opportunity e Curiosity - e que procura saber, principalmente, se houve vida em Marte. Ou se esta ainda existe nas camadas subterrâneas do planeta.

Esta nova aventura da agência espacial norte-americana visa também a futura viagem de uma missão tripulada a Marte. Por agora, as marcas que a humanidade espera deixar num outro planeta do sistema solar são metálicas e robóticas: o rover Perserverance.


Apesar de esta missão ser realizada pela NASA, vários dos instrumentos são uma espécie de reaproveitamento de peças que sobraram de um projeto anterior - Curiosity . Uma solução que Nuno Silva, da empresa Deimos, em Portugal, que colabora em projetos espaciais da Agência Espacial Europeia (ESA), conhece bem. O engenheiro aeroespacial fez parte deste grande programa que vai procurar trazer amostras recolhidas pelo Perseverance de volta à Terra, para serem estudadas.

Esta é uma missão há muito aguardada, depois da chegada das sondas dos Emirados Árabes Unidos e da China, e que esta quinta-feira, cerca das 20h54 (hora de Lisboa), chegará ao solo vermelho de Marte.

Chegada do "rover" Perseverance a Marte

 


“A minha participação aconteceu nos anos 2011/12, quando na missão ExoMars da ESA, que tem o seu próprio robot e que vai ser lançado para o ano [para Marte], trabalhei em parceria com a NASA”, explica Nuno Silva. A missão deveria ter sido esta que agora decorre, mas a agência espacial norte-americana optou por fazer sozinha.

“A minha participação foi inicialmente nessas sessões conjuntas , com a NASA e com a ESA, definir o que seria a missão, quais seriam as partes europeias e as americanas” e, com o aproveitamento das peças que sobraram do Curiosity, “fazer uma missão de baixo custo, em relação aos anteriores. E nós [ESA] queríamos provar tecnologia europeia”.

Missão Marte 2020
Colocar uma sonda em Marte não é assim tão fácil. Muito embora seja semelhante, não é como enviar um foguete até à órbita terrestre, ou mesmo até à Lua.

São várias as condicionantes, como por exemplo o custo das missões destas e, principalmente, a distância. Isto porque o Planeta Vermelho só fica paralelo à Terra de dois em dois anos (período órbital), ou seja, na menor distância possível entre estes dois astros (entre 58 e 75 milhões de quilómetros).

Créditos: Observatório Astronómico de Lisboa/DR
 
Entre regras da física, correções orbitais entre outros fatores, os engenheiros espaciais têm de estudar muito bem todos os movimentos a procurar a melhor forma de rentabilizar as missões.
 
No caso desta missão Mars2020, a NASA lançou de Cabo Canaveral o rover Mars Perseverance no dia 30 de julho de 2020, a bordo de um foguete Atlas V, que foi programado para pousar em Marte a 18 de fevereiro de 2021.
 
A missão exploratória será sucedida, nos próximos dois anos, por outras duas, que vão ajudar a chegar à Terra um pouco de Marte.
 
À semelhança do que os chineses fizeram há pouco tempo na Lua, onde recolheram rególito, a missão do Perseverance é também recolher amostras do solo marciano, fazer uma primeira análise geológica e armazenar essas amostras, que depois serão recolhidas por um segundo rover (missão a realizar entre 2026 e 2028) que as fará chegar à Terra, em 2031.
 
Um trabalho já em curso que terá a participação da ESA.


O que é e como vai funcionar o Perserverance
Batizado como Perseverança, após um concurso entre alunos das escolas primárias dos Estados unidos, o rover que mais parece um SUV, como referiu o comentador para assuntos dos Espaço, Miguel Gonçalves, à RTP, chegará hoje a Marte e terá por missão procurar sinais de ambientes eventualmente habitáveis, enquanto procura por sinais de vida microbiana passada.

Este “grande veículo” de seis rodas, equipado com tecnologia laboratorial de ponta e com um peso um pouco superior a mil quilos (1025 kg) é a peça central da missão Marte 2020, que teve um custo de 2,27 mil milhões de euros. Está programado para trabalhar no solo vermelho, árido e seco pelo menos durante um ano marciano, ou seja 687 dias terrestres.

Veja o Rover Perseverance em 3D e conheça os instrumentos cientificos que ele leva até Marte. Créditos: NASA/JPL-Caltech

 
Neste projeto do rover Perseverance, a NASA procurou minimizar custos e riscos e grande parte da estrutura deste equipamento é amplamente baseada no projeto de engenharia do anterior rover Curiosity.

O sistema de mobilidade de longo alcance vai permitir ao rover viajar na superfície de Marte entre os cinco e os 20 quilómetros. Efetuar esta viagem, mesmo que curta, pode fazer toda a diferença na exploração e conhecimento do planeta.

As melhorias no Perseverance – face ao Curiosity - incluem um novo modelo das rodas, com uma novo desenho de tração.
 
No campo dos instrumentos, pela primeira vez, o rover tem ao dispor um conjunto de acessórios (brocas) que facilitam a aquisição de amostras e análise de superfície.

A broca cilíndrica corta amostras do interior da rocha, retirando-a do local. Cada amostra é recolhida diretamente para um tubo, aproximadamente do tamanho de uma lanterna, medindo cada núcleo recolhido cerca de 13 milímetros de diâmetro por 60 milímetros de comprimento, totalizando uma média de 10-15 gramas de material marciano por tubo.

Material que depois armazenará em tubos e que deixará na superfície marciana, que serão mais tarde recolhidos (missão Mars Sample Return).

Ainda dentro do campo da pesquisa geológica, o Perseverance está equipado com um radar de penetração no solo que fornecerá resolução em escala de centímetros da estrutura geológica da subsuperfície.
 
Mas este novo laboratório móvel da NASA não fará só isso. Equipado como uma nova tecnologia de filtragem e decantação (MOXIE), o Perseverance vai captar ar marciano, que é composto por 96 por cento dióxido de carbono, e extrair oxigénio deste composto da rarefeita atmosfera.

Esta técnica vai permitir aos investigadores conceber formas de usar os recursos naturais de Marte para apoiar futuros exploradores humanos, melhorar os projetos de suporte de vida, transporte e outros sistemas importantes para viver e trabalhar em Marte.
 
O rover vai também monitorizar o clima e a poeira na atmosfera marciana. Estudos importantes para compreender as mudanças diárias e sazonais em Marte, que vão ajudar a prever com maior eficácia o clima marciano.

Apesar de ser um novo rover marciano, o Perseverance aproveitou a plataforma do anterior modelo, Curiosity, onde foram instalados novos equipamentos científicos. Um veículo que o engenheiro aeroespacial da empresa Deimos em Portugal Nuno Silva afirma ser ainda mais eficaz.

“Qualquer sonda para Marte terá sempre câmaras. É obrigatório registar imagens. São câmaras de melhor qualidade (…) Este rover da NASA também vai procurar vestígios de vida passada em Marte e tem espectrómetros e um instrumento que vai tentar reproduzir o oxigénio na superfície a partir do CO2 (dióxido de carbono) e que será muito importante para as próximas missões habitadas a Marte e gerar oxigénio localmente”.

23 olhos e dois ouvidos

À semelhança do antecessor, que ainda trabalha na superfície marciana, o Perseverance também vai levar um conjunto de câmaras de alta resolução.
 
E se o homólogo levou 17 câmaras, a NASA juntou outras, prefazendo agora um conjunto de 23 “olhos”. Objetivas que servem não só à navegação do rover, mas também para registar a descida a Marte e estudar nas várias frequências e espectros e mostrar, em alta definição, como é o ambiente onde está a passear.

Créditos: NASA/JPL-Caltech

Neste conjunto de registo ótico existem três tipos de câmaras:

- Câmaras de imagem descendente - Conjunto de câmaras de entrada, descida e pouso da Mars 2020.
 - Câmaras de Engenharia - Baseadas nos recursos das câmaras do Mars rover. Estas câmaras de engenharia "aprimoradas" fornecem informações muito mais detalhadas, em cores, sobre o terreno em redor do rover, com várias funções: medem o terreno para uma direção segura, verificam o status do hardware do rover e fornecem amostras. Algumas ajudam a determinar a melhor forma de se aproximar de alvos científicos.
- Câmaras científicas - Estes equipamentos vão servir para determinar elementos químicos da superficie marciana, através de raios-x, mas não só. captação de imagens 3D, utilização de um laser que vaporizará parte do material para o qual é sujeito o foco e sua análise, espectrometria e "olho" no braço robótico que servirá de câmara de observação das várias ações efetuadas no Perserverance.

Já os microfones que o Perserverance transporta não são novidade numa missão espacial a Marte. No passado, porém, o micro instalado na sonda Mars Polar Lander falhou. E o da Phoenix Lander, instalado na câmara de descida, nunca chegou a ser ligado com êxito.

Agora os especialistas da NASA instalaram dois microfones no rover e esperam poder ouvir, pela primeira vez, o som ambiente de um outro planeta.

 - Microfone SuperCam - Fornece aos cientistas outro "sentido" para sondar os alvos rochosos em estudo.
 - Microfones EDL - Vai permitir ouvir o som durante a descida do rover a Marte.

É uma espécie de aranha mecânica que vai "tecer" novas redes entre Marte e a Terra.
... e a "ingenuidade" de um mini-helicóptero

Quando Leonardo Da Vinci fez os primeiros esboços do que viriam a ser os veículos a que hoje chamamos helicópteros, não terá pensado que um tal mecanismo pudesse ser o primeiro a voar, de forma autónoma, num planeta extraterrestre.

Agora a NASA quer aproveitar a mais-valia deste tipo de drone para estudar pelo ar a superfície do Planeta Vermelho.

O pequeno helicóptero – Ingenuity - com apenas 1,8 quilos, vai chegar a Marte agarrado ao ventre do rover Perseverance e efetuará voos controlados com ordens vindas da Terra.

Composto por quatro pás de fibra de carbono, dispostas em dois rotores que giram em direções opostas a cerca de 2.400 rpm, este pequeno drone voará muito mais rápido do que um helicóptero de passageiros na Terra. A sua fonte de energia é composta por pequenos painéis solares inovadores, baterias e outros componentes, mas não carrega instrumentos científicos. É uma experiência separada do rover Perseverance Mars 2020.


Apesar da versatilidade, o Ingenuity Mars Helicopter da NASA poderá deparar-se com alguns contratempos, isto porque a atmosfera de Marte é 99 por cento menos densa do que a da Terra e na cratera de Jezero, onde o Perseverance pousará, as noites trazem temperaturas que rondam os 90 graus Celsius negativos.

Embora a equipa técnica e científica deste drone na Terra tenha testado o helicóptero a temperaturas marcianas, o frio vai obrigar o aparelho a ir aos limites de muitos dos seus componentes mecânicos.

Se forem bem-sucedidas, estas tecnologias podem permitir a utilização de outros veículos robóticos voadores em futuras missões a Marte.

Equipamento que pode oferecer um ponto de vista exclusivo, não fornecido pelos satélites em órbita ou pelos rovers e sondas no solo. Com este tipo de veículo, a recolha de informação através de imagens de alta definição e reconhecimento pode ser de extrema utilidade para robots ou humanos e permitir o acesso a terrenos menos propícios a rovers.
Os sete minutos de terror
Antes do começo da longa jornada do Perseverance, este grande SUV autónomo robótico tem de aterrar dentro do local programado pela equipa científica e de engenharia da NASA - a cratera Jezero.

Um feito realizado com sucesso por outras missões norte-americanas. Apesar do aperfeiçoamento gradual, não há garantia de que o rover sobreviva a esta prova de angústia que é a entrada na atmosfera de Marte, travagem e depósito por guindaste do Perseverance à superfície (EDL - Entry; Descent, and Landing).

Créditos: NASA/JPL-Caltech

Ao longo dos anos, apenas 40 por cento das missões na superfície de Marte pousaram com sucesso.


Local previsto em Marte onde o Perseverance vai aterrar. Créditos: NASA/JPL-Caltech

São os momentos como o lançamento e a aterragem que Nuno Silva reconhece serem os que mais preocupam

“É um atrás do outro. Parece que não, mas até no lançamento fico nervoso. São cada vez mais raros os lançamentos correrem mal, mas ainda correm mal (…) e a aterragem é claramente o mais difícil. A atmosfera de Marte é muito pouco densa, é muito difícil travar e temos de reduzir de uma velocidade enorme para zero em poucos minutos”.
O engenheiro da Deimos explica à RTP que, se nos primeiros rovers enviados a Marte o sistema para os colocar no solo passava por airbags gigantes, agora "essa massa (material não útil e que ocupa espaço e peso) foi transferida para os novos equipamentos", permitindo assim levar mais equipamento científico útil à missão.

Para que a NASA entenda o que se passa durante a entrada do Perseverance na atmosfera do planeta, os cientistas instalaram um sistema de sensores - MEDLI2 – no escudo térmico que protege o rover, que vai recolher ao longo do processo EDL os dados críticos sobre o ambiente “hostil” durante a descida. Embora estes dados não sejam usados como parte do controlo da cápsula para esta aterragem em Marte, os mesmos vão se recolhidos e enviados para a Terra para ajudar e servir a melhorar os projetos de sistemas de entrada para futuras missões robóticas e tripuladas a Marte.

Créditos: NASA/JPL-Caltech

O MEDLI2 inclui três tipos de sensores - termopares, sensores de fluxo de calor e transdutores de pressão - que medem calor e pressão extremos durante a entrada. Contém também componentes electrónicos e hardware para registrar as cargas térmicas e de pressão que o escudo vai ser sujeito durante a entrada e lançamento do paraquedas de travagem supersónica. No total, são 28 sensores dispostos em um padrão único ao longo do escudo térmico e da carcaça do veículo que dará entrada do Mars 2020 na atmosfera marciana.

Um sistema que será útil no futuro, mas que o rover Perserverance ainda não vai poder utilizar na descida silênciosa e vertiginosa.
A epopeia espacial para trazer Marte à Terra
A missão Mars2020 da NASA, da qual faz parte o rover Perseverance, é apenas a primeira parte de uma longa e complexa missão internacional que pretende trazer até à Terra as primeiras amostras ao vivo do solo marciano.

De nome Mars Sample Return Campaign, este esforço cientifico e cooperativo entre a NASA e a ESA visa trazer amostras de rochas e solo de Marte para poderem ser analisadas ao mínimo detalhe, usando os recursos laboratoriais terrestres.

Créditos: NASA / JPL-Caltech

A arquitetura da missão das amostras foi projetada para continuar o trabalho iniciado pelo rover da NASA, que fará o trabalho de recolha, empacotamento e as depositará na superfície do planeta, para posterior retorno à Terra.

Créditos: NASA / JPL-Caltech

A forma como a NASA e a ESA estão a estudar esta recolha inclui uma pequena sonda, que levará um mini e rápido rover-estafeta (NASA) que recolherá amostras e depois as colocará na sonda fixa equipada com um foguete, que as lançará para a órbita de Marte, onde outro veículo orbital (ESA) as recolherá e trará de volta à Terra.

Créditos: NASA / JPL-Caltech

De acordo com as previsões atuais, este sistema poderia ser lançado em 2026, chegando a Marte em 2028. Pousaria perto do rover Perserverance, na cratera de Jezero.

Os cientistas esperam, com este projeto, estudar através de análises químicas e físicas a composição do solo marciano e procurar sinais de vida passada em Marte, entre muitos outros estudos, além da capacidade dos instrumentos aplicados nestas missões.

"Sempre que o homem sonha, o mundo pula e avança". E Marte é apenas o princípio de uma grande epopeia da humanidade no universo.