Massacre de Srebrenica. Genocídio continua a ser negado 25 anos depois

por Joana Raposo Santos - RTP
Neste 25.º aniversário do massacre, foram enterradas mais nove vítimas mortais. Foto: Dado Ruvic - Reuters

Assinalam-se este sábado os 25 anos do Massacre de Srebrenica, considerado uma das maiores atrocidades cometidas em território europeu desde o fim da II Guerra Mundial. Apesar das restrições impostas pela pandemia de Covid-19, foram muitos os que se juntaram para prestar homenagem aos milhares de vítimas daquele que foi já classificado como genocídio por um tribunal da ONU. Classificação essa que continua a ser desafiada por várias partes envolvidas no conflito.

A 11 de julho de 1995, sob o comando do general Ratko Mladic, militares do Exército Bósnio da Sérvia marcharam até à cidade de Srebrenica, território que estava então sob a proteção das Nações Unidas, e em poucos dias mataram cerca de oito mil homens e rapazes bósnios de origem muçulmana. Apesar de pouparem as mulheres dos crimes fatais, há vários relatos de crimes de violação contra as mesmas.

Ainda hoje continuam a ser encontrados e identificados restos mortais das vítimas. Devido a uma alegada operação para encobrir os crimes, que implicou o desenterramento dos corpos das valas comuns, há casos em que partes do mesmo corpo foram encontradas em até cinco locais diferentes a quilómetros de distância uns dos outros.

Este sábado, no cemitério em que se encontra o memorial onde lápides brancas têm gravados os nomes dos homens assassinados, foram enterradas mais nove vítimas. Até agora, foram identificadas cerca de 6900 vítimas, que estão enterradas em mais de 80 valas comuns. A guerra da Bósnia, que durou de 1992 a 1995, foi motivada por fatores políticos e religiosos que colocavam os sérvios contra os bósnios muçulmanos e os croatas.

O massacre foi o único desde a II Guerra mundial a ser considerado um genocídio, em 2004, pelo Tribunal Penal Internacional para a antiga Jugoslávia, em Haia, decisão mais tarde apoiada também pelo Tribunal Internacional de Justiça. No entanto, até hoje são várias as partes que continuam a negar a ocorrência de um genocídio.

Em Srebrenica, o próprio presidente da Câmara nega essa classificação. “Nenhum sérvio negaria que bósnios muçulmanos foram mortos aqui, em crimes horrendos. Mas um genocídio significa a destruição deliberada de um povo. Aqui não houve uma tentativa deliberada de o fazer”, defendeu numa entrevista ao Guardian Mladen Grujicic, o primeiro presidente da Câmara sérvio de Srebrenica, eleito há quatro anos.

Agora com 38 anos, Grujicic tinha dez anos de idade quando a guerra da Bósnia teve início, em 1992. O seu próprio pai foi morto no conflito, numa vila perto de Srebrenica. O autarca frisou que houve vítimas em todas as partes envolvidas na guerra, pelo que não concorda com a decisão dos tribunais.

“Infelizmente, todos esses tribunais foram tendenciosos contra os sérvios e isso apenas contribuiu para o aprofundar das divisões aqui”, considerou. Segundo o Guardian, desde que tomou posse como presidente da Câmara Grujicic nunca visitou o memorial às vítimas, que fica a apenas cinco minutos de carro do seu gabinete.
Um “mito fabricado”
As visões de Grujicic estão alinhadas com as da maioria dos políticos sérvios e da Republika Srpska, uma das duas entidades políticas em que está dividida a Bósnia e Herzegovina. Milorad Dodik, membro do Governo da Bósnia, considerou mesmo o termo “genocídio” aplicado ao Massacre de Srebrenica um “mito fabricado”.

As autoridades da Republika Srpska estão neste momento a prosseguir com uma investigação aos eventos de 1995 e deverão apresentar resultados no final deste ano, sendo expectável que tentem desvalorizar os crimes levados a cabo pelo Exército Bósnio da Sérvia.

“Esta é a próxima fase, ainda pior do que a negação do genocídio: tentar criar uma nova realidade histórica”, lamentou ao Guardian Serge Brammertz, antigo procurador no Tribunal Penal Internacional para a antiga Jugoslávia. Nas escolas da Bósnia os professores evitam o tema do massacre, e na Sérvia o assunto nem sequer está presente nos manuais escolares dos alunos.

Para além de classificar o episódio de genocídio, esse tribunal condenou também o líder político sérvio Radovan Karadzic e o general sérvio Ratko Mladic por genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade. O recurso submetido pela defesa de Mladic, que foi sentenciado a prisão perpétua, está ainda sob avaliação.

No ano passado, o Supremo Tribunal da Holanda considerou que esse país foi parcialmente responsável pelo massacre, uma vez que mais de três centenas das mortes ocorreram numa área protegida pelos capacetes azuis holandeses ao serviço da ONU, que falharam em proteger os civis. Quando as forças sérvias lideradas por Ratko Mladic invadiram Srebrenica, capturaram 50 militares holandeses e ameaçaram executá-los, pelo que os capacetes azuis acabaram por se render e são agora responsabilizados.
Covid-19 limitou homenagem às vítimas
Este ano, devido às restrições impostas para controlar a propagação do novo coronavírus, estiveram menos pessoas presentes no memorial para prestar homenagem às vítimas. Habitualmente o local é visitado por dezenas de milhares de pessoas nesta data.

“Como este aniversário marca um quarto de século [desde o incidente], estava inicialmente planeado um grande serviço fúnebre em honra das vítimas, mas tudo teve de ser reduzido devido à pandemia”, relatou um correspondente da Al Jazeera no local.

Os líderes europeus consideraram este aniversário “um doloroso relembrar” do facto de a Europa ter falhado na sua promessa de evitar uma tragédia de tal dimensão no continente. “Devemos confrontar o passado com honestidade e olhar para o futuro com determinação para apoiar as próximas gerações”, lê-se num comunicado lançado pela UE.

Na sexta-feira, Sefik Dzaferovic, membro muçulmano do Governo bósnio, garantiu que irá “insistir incansavelmente na verdade, na justiça e na necessidade de levar a julgamento todos os que cometeram este crime”. “Vamos lutar contra aqueles que negam o genocídio e glorificam os seus autores”, acrescentou.
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