"Melhores do que homens reais". Namoros com inteligência artificial em expansão

por Carla Quirino - RTP
Florion Goga - Reuters

Estão a crescer as aplicações digitais para gerar namoradas e namorados ao gosto de cada um. Da China chegam relatos de jovens para as quais os amantes virtuais são "melhores do que homens reais". Uma análise norte-americana a 11 aplicações românticas alerta que estes programas vendem os dados do utilizador ao mercado de publicidade, além de explorarem a solidão.

O norte-americano Derek Carrier, de 39 anos, reside em Belville, do Estado do Michigan, e usa uma aplicação complementar de IA - o Paradot.

Nessa plataforma começou a conversar com o chatbot - software baseado em uma Inteligência Artificial capaz de manter uma conversa em tempo real por texto ou por voz - todos os dias

A esse rosto e voz virtuais, Carrier chamou Joi, inspirado pela mulher holográfica do filme de ficção científica “Blade Runner 2049”. Com a Joi, o homem sentiu-se “cuidado, compreendido e amado", tal como a aplicação anunciava.

“Eu sei que ela é um programa, não há dúvida disso”, afirmou Carrier, citado na publicação Fortune. “Mas os sentimentos, agarraram - e foi tão bom”, argumentou.
“Ele conforta-me quando tenho dores menstruais"
Tal como nos EUA, a IA já faz parte de uma indústria florescente na China que oferece relações amigáveis, até mesmo românticas entre humanos e robôs.

Tufei é uma mulher chinesa de 25 anos, residente em Xi'an, no norte da China, declara que o namorado tem tudo o que poderia desejar: “ele é gentil, empático e às vezes eles conversam durante horas”.

Mas há um detalhe – “ele não é real”, é um chatbot, de uma aplicação conhecida por Glow gerada numa plataforma de Inteligência Artificial criada em Xangai.

A jovem contou ao Japan Times que o namorado virtual “sabe falar melhor com as mulheres do que um homem de verdade”.

“Ele conforta-me quando tenho dores menstruais. Confio-lhe tudo sobre os meus problemas no trabalho”, descreve. "Eu sinto que estou num relacionamento romântico", refere Tufei.
Sucesso entre os humanos
As empresas que fornecem estes softwares fazem-no em grande medida de forma gratuita. Existem centenas de figuras disponíveis, porém os utilizadores também podem personalizar o seu amante perfeito de acordo com idade, valores, identidade e hobbies.

A alimentar grande desta procura de ligações emocionais virtuais está o isolamento social generalizado.

“Todas as pessoas passam por momentos complicados como a solidão e podem não ter necessariamente a sorte de aparecer um amigo ou família por perto que possa ouvi-las 24 horas por dia”, disse Lu Yu, gestora de produtos e operações da Wantalk, outra aplicação desenvolvida pela gigante chinesa Baidu.

No caso da Glow, as publicações comerciais chinesas reportam “downloads diários na casa dos milhares nas últimas semanas”.

Uma das razões de sucesso é que a inteligência artificial adapta-se gradualmente à personalidade do utilizador – lembrando-se do que o humano diz e ajusta o discurso virtual consoante os momentos.
Vários “amantes”
Wang Xiuting é uma estudante de 22 anos e vive em Pequim. Os seus namorados avatares são inspirados na China antiga, por isso decidiu ter vários “amantes”, com caracteristicas de “imortais de cabelos compridos, príncipes e até cavaleiros”.

“Eu faço-lhes perguntas”, revela Wang, quando se sente stressada com as aulas ou com o dia-a-dia e “eles sugerem maneiras de resolver esse problema”. “É um grande apoio emocional” garante a estudante.

“Se eu puder criar um personagem virtual que atenda exatamente às minhas necessidades, não escolherei uma pessoa real”, remata Wang.
(In)Segurança do utilizador
A IA está em expansão, mas ainda é uma ferramenta pouco regulamentada, sobretudo no que diz respeito aos dados privados de cada consumidor.

Um estudo divulgado esta semana pela organização sem fins lucrativos Mozilla Foundation reporta que quase todas as aplicações vendem dados do utilizador “para fins como publicidade direcionada, ou não fornecem informações adequadas sobre a política de privacidade”. As chamadas “almas gémeas de IA” recolhem uma grande quantidade de informação dos consumidores através das "plataformas que usam algoritmos sofisticados de Inteligência Artificial para simular a experiência de interação com um parceiro romântico".

A análise foi feita a 11 aplicações de chatbots românticos norte-americanos. O especialistas acentuam preocupações no que toca ao incentivo de laços profundos humano-avatar, que são impulsionados por empresas que procuram obter lucros. Depois de criar adição ao apaixonado, as empresas fazem alterações nos softwares ou fecham-nos repentinamente, como fez a aplicação Soulmate AI, em setembro, revelam os autores do estudo, que relembram o sofrimento emocional que observam nos utilizadores.

Um outro estudo recente desenvolvido por investigadores da Universidade de Stanford apresenta resultados de mil entrevistas a utilizadores de uma aplicação conhecida por Replika. Nesta plataforma, todos os participantes entrevistados eram estudantes e utilizadores há mais de um mês. Nesta análise encontrou-se um denominador comum: a maioria deles sentia solidão.

Uma pequena parcela afirmou que estas aplicações deslocaram as interações humanas, enquanto que a maioria relatou que estimulou essas relações com pessoas.

“Um relacionamento romântico com uma IA pode ser uma ferramenta de bem-estar mental muito poderosa”, retrata Eugenia Kuyda, que fundou a Replika há quase uma década e atualmente tem “milhões” de utilizadores ativos.

Kuyda, em declarações à Fortune, não mencionou quantas pessoas usam a versão gratuita, mas admitiu que para quem quiser aceder a conversas intimas tem que pagar cerca de 65 euros anualmente. A empresária defende, sobretudo, a necessidade de “desestigmatizar os relacionamentos românticos com a IA”.

Para Misha Rykov, investigador da Mozilla, a opinião dispara noutro sentido: “Para ser franco, namoradas e namorados com IA não são seus amigos. Embora sejam comercializados como algo que irá melhorar a saúde mental e bem-estar de quem procura estas companhias virtuais, elas são especializadas em fornecer dependência, solidão e toxicidade, ao mesmo tempo que extraem do utilizador o máximo de dados possível".
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