Mísseis, Crimeia e serviços secretos voltam a minar relações entre EUA e Rússia

por Graça Andrade Ramos - RTP
O Presidente russo Vladimir Putin em 27 de dezembro de 2016 Sputnik - Reuters

As relações entre Washington e Moscovo estão debaixo de fogo esta semana. Os casos sucedem-se em catadupa. Depois da demissão do conselheiro para a Segurança Nacional, na terça-feira, ressurgiu a questão da Crimeia, entre denúncias de colaboração estreita de próximos de Trump com os serviços secretos russos e acusações de que Moscovo violou um tratado militar com os EUA.

Tanto a denúncia como a acusação foram já desmentidas pelo Kremlin. Mas a reaproximação entre a Rússia e os EUA de Trump, depois de anos de crispação clara sob Barack Obama, está a ter uma semana atribulada.

O caso da Crimeia foi o segundo golpe direto às relações russo-americanas em 24 horas, depois da demissão do conselheiro para a Segurança Nacional, Michael Flynn.

Flynn afastou-se depois de reconhecer que, "inadvertidamente", não informou o vice-presidente de todas as conversas que tinha tido com o embaixador russo durante o período de transição.

O caso foi olhado ontem em Moscovo como um sinal de que a "russofobia" tinha atingido a nova Administração.

Ao comentar a demissão de Flynn, por alegadamente ter vulnerabilizado os EUA face à Rússia, Sean Spicer, o porta-voz da Casa Branca, denunciou a "ironia" do caso.

"A ironia de toda esta situação é que o Presidente tem sido incrivelmente duro com a Rússia", revelou Spicer terça-feira à noite, na conferência de imprensa diária, lembrando que, logo no seu primeiro dia a 2 de fevereiro, a nova embaixadora dos EUA na ONU tinha denunciado firmemente a "ocupação" da Crimeia, referindo que a Península é "território da Ucrânia".

"Ele" - Trump - "continua a levantar a questão da Crimeia que a Administração anterior deixou que fosse anexada pela Rússia", afirmou Spicer.

"O Presidente Trump tornou muito claro que espera que o governo russo diminua a violência na Ucrânia e devolva a Crimeia", garantiu.

"Ao mesmo tempo, ele espera e pretende dar-se bem com a Rússia, ao contrário de anteriores Administrações, para resolvermos muitos problemas do mundo de hoje, como o grupo Estado Islâmico e o terrorismo", acrescentou.
O fio da navalha na Crimeia
A reação russa, igualmente clara, não se fez esperar e desfez as certezas de Trump.

"Não devolvemos o nosso território. A Crimeia é território da Federação Russa", afirmou esta manhã a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, Maria Zakharova, em conferência de imprensa.

Também o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, se referiu à questão, afirmando sucintamente que o Kremlin não tenciona debater a sua integridade territorial com parceiros externos.

A referida dureza de Trump na questão da Crimeia parece um volte-face face à campanha presidencial. Nessa altura, Trump disse que "tanto quanto sei, o povo da Crimeia prefere estar com a Rússia do que estar onde estava".

Foram frases como esta que alimentaram a tese das boas relações entre Trump e o Kremlin, tantas vezes denunciada pelo Partido Democrata.

Em agosto de 2016 a Península serviu mesmo de arma de arremesso, usada por Donald Trump contra a presidência de Obama. Trump afirmou, bem ao seu estilo, que o então Presidente, apesar de fazer voz grossa, tinha sido incapaz de evitar a anexação da Península, em 2014.

Quando ele chegasse à presidência, dizia então Trump, a Rússia "não entraria na Ucrânia". "Podem escrevê-lo!", afirmou perentório numa entrevista, dando contudo a sensação de ignorar os contornos exatos da anexação.

Dias depois e face às críticas à sua proximidade com o Presidente russo Vladimir Putin, Trump comentava: "não seria ótimo se nos dessemos bem com a Rússia!"
Calma russa
Correndo o risco de desapontar novamente Trump, a temperatura entre Washington e Moscovo parece estar a descer a pique, empurrada pela imprensa americana.

O New York Times e a CNN publicaram terça-feira à noite uma investigação que acusa assessores da equipa de Trump de ter estado em contacto contínuo com os serviços de informação russos.De acordo com The New York Times, baseado em afirmações de quatro responsáveis americanos no ativo e já retirados, foram gravados telefonemas e intercetadas chamadas que provam que membros da campanha de Trump e outros próximos do Presidente tiveram contactos reiterados com membros dos serviços secretos russos um ano antes da eleição.

Moscovo já reagiu. O Kremlin refutou as revelações por não se basearem em factos.

"Não acreditemos em informação anónima", disse o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, na conferência de imprensa diária, sublinhando que as fontes do jornal não são identificadas.

"É um artigo jornalístico que não se baseia em factos alguns", acrescentou.

Também a outra denúncia publicada na imprensa norte-americana, de que a Rússia posicionou novos mísseis terra-ar violando um tratado com os Estados Unidos, foi refutada por Peskov.

"A Rússia esteve sempre e continua a estar comprometida com os seus compromissos internacionais, incluindo o tratado em questão", afirmou Peskov. "Ninguém acusou formalmente a Rússia de ter violado o tratado", lembrou.

O tratado em questão proíbe mísseis de médio alcance, tanto norte-americanos como russos.
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