Moçambique. Missionária encarou terroristas e violência fez mais dois mortos

por Lusa

Uma missionária que sobreviveu ao ataque de terça-feira a Chipene, norte de Moçambique, disse que os terroristas ordenaram que a missão deixe a região, onde foram encontrados mais dois mortos além de uma freira italiana.

"Sentaram-me no rodapé [de um edifício] e disseram-me que eles querem que nos vamos embora. Não querem esta religião [e querem] que toda a gente seja fundamentalista", relatou a missionária espanhola Ángeles López em entrevista à Televisão de Moçambique (TVM).

Além da missão católica, a comunidade islâmica também estava na mira: horas antes, durante a tarde de terça-feira, uma mesquita da zona foi atacada, referiu hoje o bispo de Nacala, Alberto Vera.

Segundo o bispo, uma equipa de militares descobriu durante a tarde de hoje dois corpos no mato com sinais de morte violenta, ao realizar operações de patrulhamento no rescaldo do ataque de terça-feira.

Ángeles López esteve cara a cara com os agressores que se suspeita estarem a descer de Cabo Delgado, atravessando o rio Lúrio para a província de Nampula, a que Chipene já pertence.

Segundo descreveu a missionária à TVM, os agressores estavam uniformizados, armados e carregavam correntes de munições à tiracolo, "uma fila [de balas] para quando acabar, poderem aumentar" o poder de fogo.

"Quando me deixaram livre, deixei a minha irmã [Maria de Coppi] morta no chão e fui para o mato", descreveu.

"O meu pensamento foi que acabei", mas o grupo armado continuou a saquear e a destruir as instalações, poupando-a com a mensagem de que querem impor uma nova ordem.

"Se não quer passar pior, deve sair amanhã cedo, disseram-me", relatou a freira espanhola.

No meio de um cenário de destruição, missionárias combonianas recolheram hoje de Chipene para a missão de Carapira o corpo da irmã italiana Maria de Coppi, morta a tiro durante o ataque.

O funeral está marcado para sexta-feira, em Carapira, num cemitério da congregação, mais de 150 quilómetros a sul, junto a um dos principais eixos viários da província (Nampula - Nacala), segundo anunciaram em comunicado.

O ambiente na região atacada é "desolador" e "de muito medo", com a população em fuga em direção a Nacala, sede da diocese, mais de 100 quilómetros a sul, descreve Inácio Saure, arcebispo de Nampula e presidente da conferência episcopal de Moçambique.

O `site` italiano das missionárias combonianas divulgou hoje uma mensagem enviada pela irmã a uma sobrinha cerca de uma hora antes do ataque à missão.

Nela dizia que a população estava em fuga, dormia no mato e os serviços públicos (enfermeiros, professores) bem como a administração já tinham partido de Chipene por causa de ataques nas imediações.

"A situação aqui em Chipene não é boa", descrevia Maria de Coppi, a única que não conseguiria sair com vida da missão.

"Não temos provas para afirmar categoricamente que é uma perseguição à igreja católica", referiu hoje Inácio Saure aos jornalistas, em Nampula, sublinhando que o grupo também atacou uma mesquita.

A igreja católica "está lá", no terreno, com uma missão onde "havia um internato, havia comida, bens que interessam a quem está com fome".

"Roubaram os bens e depois queimaram as casas das irmãs" e o resto das infraestruturas, levando o arcebispo a questionar: "Ódio à igreja católica ou a quem tem um pouco mais de alguma coisa" num meio rural pobre?

Inácio Saure assinalou a contradição de a tragédia em Chipene acontecer três anos após o apelo feito pelo Papa Francisco em Maputo para que haja paz em Cabo Delgado.

"A posição da igreja sempre foi de condenação, repúdio veemente a esta guerra desumana que tira a vida a toda a gente, sobretudo gente pobre e inocente, que nem sabe porque há esta guerra", referiu.

O arcebispo pediu uma "conjugação de esforços, de toda a sociedade e em primeiro lugar dos dirigentes do país para protegerem com seriedade este povo já muito sofrido", acrescentou, rematando: "São sobretudo os pobres que sofrem e que morrem com isto".

A província de Cabo Delgado é rica em gás natural, mas aterrorizada desde 2017 por violência armada, sendo alguns ataques reclamados pelo grupo extremista Estado Islâmico.

A insurgência levou a uma resposta militar desde há um ano por forças do Ruanda e da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), libertando distritos junto aos projetos de gás, mas levando a uma nova onda de ataques noutras áreas, mais perto de Pemba, capital provincial, e na província de Nampula.

Há cerca de 800 mil deslocados internos devido ao conflito, de acordo com a Organização Internacional das Migrações (OIM), e cerca de 4.000 mortes, segundo o projeto de registo de conflitos ACLED.

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