Mundo islâmico vive atualmente numa idade das trevas, afirma investigador e autor de "Maomé - O profeta que transformou o mundo"

por António Mateus - RTP

"Uma sociedade que subvaloriza ou diminui as mulheres será sempre uma sociedade atrasada", afirma o libanês Mohamad Jebara, investigador islâmico e autor de "Maomé - O profeta que transformou o mundo", em entrevista exclusiva à RTP.

Investigador do Islão, com foco nas línguas semíticas (árabe clássico e hebraico bíblico), o libanês Mohamad Jebara assenta a estrutura deste livro, agora lançado em Portugal, no estudo e compreensão da pessoa que foi Maomé, através de textos originais, muitos deles - segundo afirma - "com mais de mil anos".

Jebara afirma que a intolerância, o fundamentalismo e a tentativa de muitos muçulmanos, nos dias de hoje, quererem impor os seus preceitos e hábitos a outras culturas, particularmente quando acolhidos por estas (no caso de migrantes), são uma afronta e uma deturpação dos valores legados por Maomé.

"Há uma distinção importante entre respeitar as crenças das pessoas... queremos ser católicos, judeus muçulmanos, hindus... é nosso direito assumir essa identidade, mas quando a queremos impor a outras pessoas é aí que tudo se torna problemático, porque se entra no domínio da intolerância".

E sublinha: "O principal ensinamento do Profeta Maomé é saber aceitar. Porque aí há tolerância. Temos por tolerância dizer não gosto de ti mas vou tolerar-te, mas ele ensinou-nos outro passo: a aceitação; sabem...talvez o que vocês fazem não seja o que eu faço mas vou amar-vos apesar disso. Vou respeitar-vos apesar disso".

Jebara afirma que esse preceito é o inverso das práticas de comunidades que entram em choque com outras formas de estar, incluindo culturas que as acolheram migrantes e refugiados e a quem querem impor os seus hábitos em vez de aceitarem, particularmente ao nível de liberdades, os de quem os abraçou.
Jornalista: António Mateus | Imagem: Carlos Oliveira e Carlos Matias

"O que arrancou a Europa da idade das trevas foi o conhecimento e isso leva tempo", destaca. "E creio que com o tempo o mundo muçulmano se abrirá porque nesta altura se encontra sem dúvida numa era das trevas. É um facto".

"O mundo islâmico vive hoje numa idade das trevas ainda que haja maior tolerância em países como a Indonésia, etc", sustenta o investigador. "Temos muitos muçulmanos inteligentes, que progridem na medicina, nas matemáticas, na engenharia, etc, mas não estamos a falar de indivíduos e sim de sociedades, de comunidades. Se for hoje à maior parte dos países muçulmanos, uma pessoa não se sente segura para dizer em público o que verdadeiramente pensa. E isso é um mau sinal".

"O que falo é de um nível de civilização, um nível de progresso em que nos tornamos uma inspiração para o mundo. Com todo o respeito pelo mundo muçulmano e eu sou muçulmano, claro, no geral não sinto que o mundo islâmico como identidade cultural esteja num nível em que se torna inspiração para outros"."O Islão não é vestirmo-nos de uma certa forma e comer de uma certa maneira e achar que somos melhores do que os outros. O Islão uma mentalidade em que se respeita o direito de outro ser humano, o direito à dignidade. Esses são os ensinamentos do profeta Maomé".


"Eu não estudei o Islão no Ocidente, não li livros ocidentais sobre o Islão. Tudo o que escrevi no meu livro recebi de fontes islâmicas, do passado, com mais de mil anos. E é espantoso como a perceção do profeta no passado é tão diferente da forma como é visto hoje. E achei que era muito importante para nós recuar no tempo e estudar quem foi este homem, o que ele fez na realidade e como inspirou povos em todo o mundo".

E acrescenta à RTP: "Vou dizer algo que é uma declaração muito radical; as liberdades que vemos no Ocidente de hoje são a verdadeira herança do profeta Maomé. É aqui que vemos o Islão, no Ocidente".

Em sentido oposto, aponta sinais de intolerância e de radicalismo dito islâmico, mas que violam na realidade os valores promovidos e inscritos no legado de Maomé, como seja o respeito e reconhecimento da mulher como igual.

Jebara sublinha que Maomé teve como uma das suas principais mentoras uma mulher. Uma antiga escrava negra, católica, que o acompanhou até ao fim da vida. "E que quando este morreu tornou-se conselheira de dois dos seus seguidores".

"Assim que vemos uma sociedade que dá poder e respeita os direitos das mulheres, essa sociedade irá progredir... Quando uma sociedade desvaloriza ou diminui as mulheres, será sempre uma sociedade atrasada", destaca o antigo imã.
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