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"Não em nosso nome". Os ativistas judeus que condenam o "genocídio em curso" na Faixa de Gaza

por Carla Quirino - RTP
Manifestantes judeus seguram cartazes com mensagens dirigidas ao governo israelita, perto do Tribunal Internacional de Justiça em Haia, Países Baixos Thilo Schmuelgen - Reuters

Uma percentagem significativa da comunidade judaica, dentro e fora de Israel, está contra as decisões do primeiro-ministro do país, Benjamin Netanyahu. Dizem que não se reveem nos ataques desproporcionais desferidos a Gaza e à nação palestiniana. Têm, por isso, engrossado as manifestações que apelam a um cessar-fogo imediato.

A guerra aberta em Gaza entra no quinto mês com os bombardeamentos israelitas sem sinais de abrandamento. Quem também não abranda nas críticas a esta crise no Médio Oriente são os ativistas e estudantes judeus por todo o mundo. 

A comunidade judaica desencadeou um movimento - “Not in our name” (Não em nosso nome) - que visa deixar claro que não aceitam qualquer justificação dos ataques em nome do judaísmo. Acrescentam ainda que o "Estado de Israel não representa o mundo judaico".
"Sionismo, uma forma perigosa de nacionalismo"
Lela Tolajian descreve-se uma judia progressista. Estuda na Universidade de Georgetown. Fundou a Coligação Internacional Contra a Escravidão Moderna e é ativista dos Direitos Humanos. 

Num artigo publicado na Al Jazeera, Lela insurge-se contra a guerra travada no enclave palestiniano e afirma: “Nós, estudantes judeus, não devemos ficar calados sobre o genocídio em Gaza”.

Argumenta que as vozes judaicas pró-palestinianas não representam uma luta contra o antissemitismo porque "não há nada de antissemita na oposição ao genocídio".

Lela sublinha que “os movimentos judaicos progressistas consideraram o sionismo uma forma perigosa de nacionalismo”.

Lela elabora um raciocínio assente no livro sagrado dos hebreus – a Tora – e nas escrituras, desginadamente o Talmud, onde ensinam que salvar uma única vida é salvar o mundo inteiro, “ordenando aos judeus de todos os lugares que lutem contra a perda de vidas em qualquer lugar”. Por isso, a estudante afirma ainda: “Estes ensinamentos impulsionam o amor que tenho pela minha fé e cultura e (em simultâneo) a tristeza que sinto, sempre que vejo a destruição que o sionismo causou”.

Neste momento, está mais do que claro que esta não é uma luta contra o Hamas, mas sim um genocídio em curso. Israel está a fazer passar fome milhões de civis, privando-os ilegalmente de alimentos, água e medicamentos. Está a destruir sistematicamente o sistema de saúde de Gaza”, remata Lela.

Manifestantes que exigem um cessar-fogo em Gaza e bloqueiam o tráfego matinal na autoestrada 110, em Los Angeles, Califórnia, EUA | David Swanson - Reuters"Não em nosso nome"
Desde a ofensiva desencadeada a 7 de outubro pelo Hamas, que matou mais de 1.200 israelitas civis, o contra-ataque de exército israelita vitimou mais de 27 mil palestinianos, incluindo mais de 11 mil crianças.

Das milhares de bombas lançadas sobre Gaza – uma das áreas mais densamente povoadas do mundo – quase metade foram “não guiadas, matando palestinos indiscriminadamente", alega Lela Tolajian.

Na mesma perspetiva está o grupo Voz Judaica pela Paz. As manifestações pretendem quebrar o ciclo das atrocidades étnicas, revelando-se no "maior protesto judaico em solidariedade com os palestinianos na história dos EUA”.

A organização, formada na década de 1960, afirma ser a maior organização judaica anti-sionista do mundo e apoia a luta pela liberdade palestiniana. 

Desde a escalada do conflito Israel-Hamas, defendem o lema “Não Em Nosso Nome” e acreditam que os “judeus se devem recusar a serem espectadores da injustiça”.

Jay Saper, porta-voz e membro da Voz Judaica pela Paz, foi preso duas vezes durante os protestos em Nova Iorque e Washington DC. À publicação The Wire, vinca que “os políticos estão a alimentar o fogo do ódio. Acreditamos que isso não pode acontecer em nosso nome”.

“Ser judeu para mim significa que não existe espaço para ser espectador em momentos de injustiça histórica”, reiterou o porta-voz.  Impopularidade de Netanyahu: libertação dos reféns israelitas
Um estudo sobre o pulsar da população residente em Israel encontrou níveis decrescentes de otimismo em relação à segurança futura e ao caráter democrático do país.

Faixa com a imagem do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, numa manifestação em Telavive a exigir um cessar-fogo imediato em Gaza | Tyrone Siu - Reuters

O Instituto de Democracia de Israel, que assinou a sondagem realizada em janeiro, acrescenta que “apenas 15 por cento dos israelitas querem que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu permaneça no cargo após o fim da guerra contra o Hamas em Gaza”. O mesmo estudo aponta o ministro do gabinete de guerra, Benny Gantz, como nome principal nas escolhas da população para dirigir o país após a guerra.

Continua a haver 56 por cento dos inquiridos a defenderem a ofensiva militar como melhor forma de recuperar os reféns e melhor estratégia para “esmagar os terroristas no enclave palestiniano”. 

Dos 605 falantes de hebraico e 151, árabe, 24 por cento concordaram que Israel deveria “libertar todos os prisioneiros palestinianos detidos por Israel em troca da libertação de todos os reféns, mesmo que isto signifique concordar com a exigência do Hamas de parar os combates” e acabar totalmente com a guerra.

Para restaurar o apoio interno, a única esperança de Netanyahu é continuar a guerra e tentar alcançar a “vitória total” sobre o Hamas que tem prometido. 

Se não cumprir esta tarefa e não libertar os reféns, o seu partido Likud provavelmente perderá as próximas eleições e o atual primeiro-ministro não permanecerá no cargo.

Laura Capa, especialista em política do The Conversation argumenta que "mesmo que Israel derrote o Hamas, mas não liberte os reféns, isso deixará uma ferida aberta na sociedade israelita e prejudicará, se não romper, a relação entre o Estado israelita e os seus cidadãos".
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