NYT desvenda esquema de "lobbying" em troca de indultos que envolve aliados de Trump

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Jason Szenes - EPA

Num relatório publicado este domingo, o jornal New York Times revela que os aliados do presidente cessante receberam dezenas de milhares de dólares – e potencialmente muito mais – de pessoas que procuram receber indultos do presidente. O advogado de Trump, Rudy Giuliani, terá oferecido ajuda com um indulto a um ex-agente da CIA em troca de dois milhões de dólares. Este fim-de-semana surgem ainda notícias de que muitos dos manifestantes que assaltaram, há onze dias, o Capitólio estão a pedir para que sejam indultados pelo presidente cessante.

À medida que Donald Trump se prepara para abandonar a Casa Branca, o mercado de indultos atingiu o auge lucrativo. Segundo avança o NYT, que teve acesso a documentos e entrevistas com vários advogados e lobistas, um ex-conselheiro da campanha de Trump recebeu 50 mil dólares para tentar obter um indulto para John Kiriakou, um antigo agente da CIA condenado por divulgar ilegalmente informações confidenciais. Uma cópia do acordo revela ainda que o ex-conselheiro concordou com um bónus de 50 mil dólares caso o presidente concedesse realmente o perdão.

Kiriakou foi ainda informado, no ano passado, que o advogado pessoal de Donald Trump, Rudy Giuliani, estaria disposto a ajudá-lo com o indulto, mas isso custaria dois milhões de dólares. “Eu ri-me. Dois milhões de dólares? Está maluco?”, respondeu o ex-agente da CIA ao sócio de Giuliani que lhe terá apresentado o acordo. “Mesmo que eu tivesse dois milhões de dólares, não os ia gastar para recuperar uma reforma de 700 mil dólares”, acrescentou.

O jornal norte-americano afirma que o advogado de Trump negou a versão dos acontecimentos de Kiriakou, afirmando que nenhum dos seus sócios ofereceria os seus serviços como mediador de indultos porque na altura já representava Trump. “É como um conflito de interesses”, disse Giuliani ao NYT. O advogado de Trump disse, no entanto, que ouviu falar que estavam a ser oferecidas grandes quantias, ao que respondeu: “Mas eu tenho dinheiro suficiente. Não estou a morrer de fome”.

O NYT identifica vários lobistas, como Brett Tolman, ex-procurador federal, que arrecadaram dezenas de milhares de dólares nas últimas semanas ao atuar como lobistas junto de responsáveis da Casa Branca para garantir indultos. O ex-advogado pessoal de Trump, John M. Dowd, também se apresentou a vários criminosos condenados como alguém que poderia garantir indultos dada a sua relação próxima com o presidente dos Estados Unidos, aceitando dezenas de milhares de dólares em troca. Os indultos presidenciais ou a suspensão de penas têm o objetivo de mostrar misericórdia a quem é merecedor de tal, mas Donald Trump, ao longo do seu mandato, usou este poder para recompensar aliados pessoais ou políticos.

O New York Times detalha aquilo que chama de um sistema ad hoc, criado por Donald Trump e dirigido pelo seu genro, Jared Kushner, que contorna “o processo de avaliação intensiva do departamento de Justiça que visa identificar e examinar os destinatários mais merecedores entre milhares de pedidos de indultos” ao, por sua vez, favorecer os requerentes que tenham conexões com Trump ou com os seus aliados, ou quem esteja disposto a pagar a alguém que tenha esses conhecimentos privilegiados.

“Este tipo de tráfico de influência fora da lei, sistema de privilégios especiais, nega consideração às centenas de cidadãos comuns que obedientemente se colocaram na fila conforme é exigido pelas regras do departamento de Justiça”, disse ao jornal Margaret Love, que foi advogada de indultos nos Estados Unidos no Departamento de Justiça durante sete anos. “Isto é uma violação básica do esforço de longa data para fazer este processo pelo menos parecer justo”, acrescentou.

A três dias de abandonar oficialmente da Casa Branca, Donald Trump terá discutido a atribuição de indultos a si próprio, ao seu genro Kushner, ao seu advogado Giuliani e a outros membros da família e assessores próximos. Existem, no entanto, dúvidas sobre se a Constituição norte-americana permite um indulto pessoal.
Assaltantes do Capitólio pedem para ser indultados
Este fim-de-semana surgem ainda notícias de que muitos dos manifestantes que assaltaram, há onze dias, o Capitólio estão a pedir para que sejam indultados pelo presidente cessante.

Segundo o jornal The Guardian, Jenna Ryan, uma agente imobiliária que estava entre os milhares de manifestantes pró-Trump que atacaram o Capitólio, apelou a Donald Trump para que lhe atribua um indulto depois de ter sido detida pelas autoridades.

“Estou a enfrentar uma sentença de prisão. Acho que não mereço isso”, disse Ryan ao canal televisivo CBS11.

Eu peço ao presidente dos Estados Unidos para que me perdoe”, apelou a agente imobiliária. “Todos nós merecemos um perdão”, acrescentou.

Ryan, que viajou do Texas para Washington para participar na manifestação de 6 de janeiro que provocou cinco mortos, defende que estava a “exibir” o seu “patriotismo”. “Eu ouvi o meu presidente que me disse para ir até ao Capitólio”, acrescentou.

Donald Trump, que liderou um comício que antecedeu o ataque ao Capitólio no dia em que os congressistas ratificavam a vitória de Joe Biden nas eleições presidenciais, foi alvo de um de um segundo impeachment por “incitar à insurreição”.

Albert Watkins, advogado de Jacob Chansley, o homem visto a invadir o Capitólio com um chapéu de pelo, um adereço com chifres e a bandeira americana pintada no rosto e erguida na mão, também defendeu que Trump deveria fazer “a coisa honrosa e perdoar aqueles entre os seus pacíficos seguidores que aceitaram o convite do presidente” e marcharam até ao edifício.

Watkins afirma que o seu cliente não tinha antecedentes criminais e tenta justificar a sua posição ao afirmar que Chansley era “um praticante ativo de ioga”.

Chansley, um dos principais rostos da manifestação, enfrenta seis acusações federais, nomeadamente de entrada violenta e conduta desordeira.
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