ONG timorenses pedem ponderação na eventual proibição permanente de artes marciais

Organizações Não-Governamentais (ONG) pedem ao Governo de Timor-Leste para que realize uma avaliação profunda antes de tomar uma decisão sobre uma eventual proibição permanente das artes marciais.

Lusa /

"Penso que precisamos de fazer um levantamento para compreendermos verdadeiramente quais são as vantagens e desvantagens de proibir e de permitir. Que vantagens e desvantagens existem em cada cenário?", afirmou à Lusa o diretor executivo do Centro de Estudos para a Paz e Desenvolvimento (Cepada), João Boavida, em Díli.

Na semana passada, o primeiro-ministro, Xanana Gusmão, admitiu a possibilidade de uma proibição permanente das artes marciais no país, na sequência de um incidente violento entre jovens no posto administrativo de Kailaku, município de Bobonaro, que resultou na morte de um jovem.

Segundo João Boavida, se o Governo decidir de facto proibir as artes marciais, terá de apresentar com clareza os fundamentos dessa decisão e explicar o motivo à sociedade, especialmente aos grupos ligados às artes marciais.

"Por vezes, culpamos as artes marciais. Mas elas também representam uma forma de entretenimento para os jovens. Noutras ocasiões, as artes marciais são instrumentalizadas por partidos políticos ou por indivíduos que procuram tirar proveito próprio", lamentou.

Por isso, o diretor executivo do Cepad considera que uma decisão sobre proibir ou permitir as artes marciais deve ser bem ponderada.

"Se for para proibir, que seja de forma permanente, não provisória. E, se for para permitir, que não seja apenas provisoriamente", salientou.

"Penso que os representantes dos grupos de artes marciais, a sociedade civil e o Governo devem juntos realizar um levantamento abrangente, inclusivo e participativo, para que se possa compreender verdadeiramente qual é o cerne do problema", acrescentou Boavida.

Também o diretor executivo da Fundação Mahein, Nelson Belo, criticou a fraca capacidade do Estado em lidar com fenómenos sociais, nomeadamente com os conflitos entre jovens.

"Fazem, mas não fazem bem, porque há pouca capacidade, fraca análise e dificuldades na recolha de informação por parte do Governo. Sempre que algo acontece, aponta-se para as artes marciais. Mas nunca se fornece informação adequada, nem se baseia a resposta em análises ou investigações sérias", criticou.

"As instituições do Estado que deviam realizar análises, investigações e promover formação de caráter [dos jovens], não o fazem adequadamente. É por isso que todos os problemas ligados às artes marciais acabam por pesar tanto", criticou.

Para Belo, o Estado devia aproveitar o potencial das artes marciais para benefício próprio e da sociedade. "Se não trazem benefícios, então o Estado deve procurar formas de as organizar melhor", defendeu.

"É por isso que precisamos de um plano estratégico e abrangente, para que o Estado possa usar esses grupos como recurso útil, e não apenas observá-los com desconfiança. Afinal, também são cidadãos deste país", acrescentou.

O Provedor dos Direitos Humanos e Justiça, Virgílio Guterres, afirmou que tudo depende da avaliação do Governo, mas destacou que, do ponto de vista dos direitos humanos, as artes marciais representam uma forma de expressão.

"Penso que a ideia de proibir as artes marciais já vem de longe, não é recente. No entanto, pessoalmente, não concordo com a proibição, porque as artes marciais fazem parte da realidade social de Timor-Leste. Existem há muito tempo", frisou.

Segundo Virgílio Guterres, o verdadeiro problema está na falta de capacidade do Estado para organizar adequadamente o setor para que as artes marciais deixem de ser fonte de conflito e passem a ser um motor de desenvolvimento.

"Na minha opinião, é preferível reforçar a capacidade do Estado para regular e controlar do que simplesmente proibir, porque a proibição não vai resolver o problema. Mas é o Governo que tem a competência para decidir sobre esta matéria", concluiu.

O Governo de Timor-Leste prolongou até ao final deste ano a suspensão do ensino, aprendizagem e prática de artes marciais em todo o território nacional. A suspensão inicial aconteceu em novembro de 2023.

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