Ao cabo de 19 dias sem autorização para aportar em território italiano, os migrantes a bordo do navio Open Arms, da organização não-governamental espanhola com o mesmo nome, puderam desembarcar, durante a última noite, na ilha de Lampedusa. Um desfecho ditado por decisão judicial. A embarcação vai ficar retida pelas autoridades de Itália.
Pouco antes de o procurador se pronunciar, o navio da Marinha espanhola Audaz partira da base naval de Rota, em Cádiz, no sul do país vizinho, para recolher os 83 migrantes que permaneciam no Open Arms.
A notícia da decisão judicial foi recebida com aplausos e gritos no navio da ONG. O diário espanhol El País relata que houve quem cantasse “Bella Ciao”, canção adotada como hino pela resistência antifascista italiana na II Guerra Mundial.
Nos últimos dias, multiplicaram-se as imagens do desespero a bordo do navio humanitário, com discussões entre migrantes e crises de pânico. Na terça-feira, 15 destas pessoas, algumas sem colete de salvação, atiraram-se ao mar, tentando nadar até Lampedusa. Foram recolhidas por guardas costeiros e transportados até à pequena ilha.
O fundador da organização Open Arms anunciou no Twitter a decisão do procurador Luigi Patronaggio.
Tras 19 días, desembarcaremos hoy en Lampedusa. Se incautará el barco temporalmente, pero es un costo que @openarms_fund asume para asegurar que las personas a bordo puedan ser atendidas. Consideramos indispensable priorizar su salud y seguridad en esta emergencia humanitaria. pic.twitter.com/mXePPemObz
— Oscar Camps (@campsoscar) August 20, 2019
“Após 19 dias, desembarcaremos hoje em Lampedusa. O navio será temporariamente imobilizado, mas esse é um custo que a Open Arms assume para garantir que as pessoas a bordo possam ser atendidas. Consideramos indispensável dar prioridade à saúde e segurança nesta emergência humanitária”, escreveu Oscar Camps na rede social.
De 147 para 83
Os migrantes foram socorridos pela Open Arms ao largo da Líbia. A maior parte passou 19 dias a bordo, tal como aconteceu com as pessoas resgatadas no final de dezembro do ano passado pelo navio SeaWatch3 - neste caso, o desembarque só pôde ocorrer a 9 de janeiro em Malta.A decisão do procurador italiano é conhecida num contexto de crise política no país.
Quando se aproximou de Lampedusa, há quase uma semana, o navio da ONG espanhola transportava 147 migrantes. Na terça-feira o número passou para 83, depois de alguns dos ocupantes terem saltado para a água e de terem sido retirados menores e pessoas doentes.
Perante a insistente negativa ao desembarque por parte do ministro italiano do Interior, Matteo Salvini, sob o argumento da “defesa das fronteiras”, o Governo espanhol decidiu destacar um navio da Armada para recolher os migrantes e transportá-los até Maiorca, a cerca de um milhar de quilómetros da Sicília. O Audaz partiu ao fim da tarde de terça-feira para uma viagem de três dias; Madrid não esclareceu ainda se a missão será abortada.
A intransigência do número um da Liga, partido da extrema-direita transalpina que integrava o Governo populista caído na terça-feira, levou a ministra espanhola da Defesa a acusá-lo de não se importar com “as vidas humanas”. María Margarita Robles Fernández considerou mesmo a posição de Salvini uma “vergonha para humanidade”.
O ministro cessante italiano voltaria à carga no Twitter.
La linea della fermezza è l'unico modo per evitare che l'Italia torni ad essere il campo profughi d'Europa, come dimostrato anche in queste ore con la nava Ong spagnola dei finti malati e dei finti minori. pic.twitter.com/bK9Bpv71f3
— Matteo Salvini (@matteosalvinimi) August 20, 2019
“A firmeza é a única forma de evitar que a Itália se torne o campo de refugiados da Europa, como o demonstra a esta hora o navio da ONG espanhola com falsos doentes e falsos menores”, escreveu.
c/ agências