Opositores russos apelam ao Parlamento Europeu: "Não reconheçam Putin como presidente legítimo após eleições"

por Andrea Neves, correspondente da Antena 1 em Bruxelas
Patrick Seeger - EPA

Vários representantes da oposição russa estiveram presentes num debate no Parlamento Europeu, em Bruxelas. O objetivo foi o de analisar o momento atual e o papel da oposição política na Rússia, a um mês das eleições. Deixaram um apelo para que Vladimir Putin não seja reconhecido como um presidente legítimo após as eleições de março.

A Antena 1 assistiu ao debate e no fim falou com um opositor que já foi, em 2002, vice-ministro da energia da Rússia e com a presidente da Fundação Free Russia, Natalia Arno, que começou por dizer que as próximas eleições não se podem considerar verdadeiras eleições.

Claro que não. Não são verdadeiras eleições. É apenas uma cerimónia eleitoral. Na verdade, as eleições nunca foram livres e justas. Durante todos estes anos de governo de Putin, os observadores eleitorais independentes e os grupos de observadores internacionais avaliaram e declararam todas estas eleições como não-livres e injustas".

"Mais ainda depois do golpe constitucional em 2020, quando muitas alterações foram aprovadas através, basicamente, um referendo falso. E agora, com as votações que acontecem nos territórios ocupados do país soberano que é a Ucrânia, com a deportação forçada de ucranianos e com a participação forçada de parte dos cidadãos ucranianos, é claro que tudo isto não pode ser chamado de eleições. É completamente ilegítimo".

"E este é um dos nossos pedidos, da pró-democracia russa: que Putin não seja reconhecido como um líder legitimo. É muito importante, simbolicamente, que Putin compreenda esses sinais", afirmou Natalia Arno.

“Só a democracia na Rússia é uma garantia de sustentabilidade da vitória da Ucrânia e um fator-chave para a estabilidade e a segurança na Europa e no mundo”.

“Mas também nos ajudará, aos russos pró-democracia, a mostrar uma alternativa, uma alternativa viável de um país positivo e normal que será um parceiro civilizado e que respeitará o Estado de direito e os Direitos Humanos.  Só a democracia na Rússia é uma garantia de sustentabilidade da vitória da Ucrânia e um fator-chave para a estabilidade e a segurança na Europa e no mundo", prosseguiu a presidente da Free Russia.

"Também pedimos ao Parlamento Europeu, mais uma vez, que não reconheça Putin, mas sim o movimento russo pró-democracia, a sociedade civil russa como uma alternativa para o diálogo e o envolvimento, porque não somos apenas as primeiras vítimas do regime de Putin, mas também somos agentes de mudança".
Qual é papel da oposição política russa nestas eleições?

“Bem, novamente, não se pode dizer que sejam eleições. É provavelmente a eleição mais fraudulenta desde 1984, mesmo desde os tempos comunistas e os tempos da União Soviética. Porque basicamente toda a instituição de monitorização eleitoral está destruída. E depois há outras situações como as de proibir candidatos e eliminar qualquer pessoa que se possa opor a Putin, etc".

"Eleitoralmente não há muito a fazer. Mas é um bom momento, quando os holofotes estão voltados para Putin, para que se diga que nem o presidente mais ideal e perfeito pode estar no poder por tanto tempo. Deveria haver uma mudança de poder, deveria haver uma mudança através da liderança. É normal em qualquer país civilizado. Ele não pode estar no poder até 2036. Não deveria ser assim".

"É provavelmente a eleição mais fraudulenta desde 1984, mesmo desde os tempos comunistas e os tempos da União Soviética. Porque basicamente toda a instituição de monitorização eleitoral está destruída".

Tem algum receio, algum medo de fazer este tipo de sensibilização na europa e noutros países?

"Pessoalmente, eu já passei por muita coisa. Tive que fugir da Rússia com 48 horas de aviso, caso contrário estaria presa por 20 anos por motivos estatais. Foi em dezembro de 2012. Perdi meu país natal. Tive que partir para o exílio, lutar no exílio por uma Rússia livre e democrática. A minha organização foi designada como indesejável. Tive que criar outras organizações e a maioria deles também foram declaradas como indesejáveis".

"Pessoalmente, fui envenenada no ano passado e há uma investigação em curso sobre meu envenenamento".

Mas isso não a faz parar…

"Não, claro que não. Porque a Rússia é o meu país. E eu quero voltar. A Rússia não é o país de Putin. Eu acredito na Rússia. Eu acredito no povo russo. E claro, esta é a minha luta, somos os agentes da mudança. Sabemos como melhorar a vida do povo russo. E temos que acreditar nisso todos os dias e a cada segundo da nossa vida".

"Pessoalmente, fui envenenada no ano passado e há uma investigação em curso sobre meu envenenamento".
Um opositor que já foi vice-ministro russo da energia

Vladimir Milov já foi vice-ministro da energia da Rússia em 2002 mas deixou o governo por discordar de certas orientações políticas. Agora é um colaborador próximo de Alexei Navalny, o líder da oposição que está preso na Rússia.

Começamos por lhe perguntar o que é que as pessoas, na Rússia, pensam da oposição política.

“Há um muro significativo de censura entre a oposição e os russos porque, efetivamente, foi há 23 anos quando Putin assumiu o controle do último grande canal de televisão independente em todo o país. Desde então, a oposição foi silenciada e criticada pela televisão como sendo traidora da pátria”, responde.

"É uma luta difícil, mas também já temos um alcance significativo e um número significativo de apoiantes. Apesar de todas as tentativas de nos silenciarem".

"No entanto, durante este seminário de hoje, mencionei uma das recentes sondagens de opinião realizadas por um instituto de sondagens russo chamado Russian field, os investigadores de campo. Eles colocaram uma pergunta aberta às pessoas, sem sugerir uma lista de nomes: quem seria o melhor candidato a presidente em que certamente votaria? E Alexei Navalny ficou em segundo lugar, depois de Putin, significativamente acima do primeiro-ministro russo, do ministro das Relações Exteriores da Rússia, do ministro da Defesa e de outros. É uma luta difícil, mas já temos um alcance significativo e um número significativo de apoiantes. Apesar de todas as tentativas para nos silenciarem”.



Há 20 anos o senhor trabalhou para o governo e depois mudou-se para a oposição. Há uma razão para isso?

“Quando eu estava no governo era um governo muito diferente. A Rússia era um país democrático e eu não trabalhei pessoalmente para ninguém. Trabalhei para o povo russo. Na verdade, eu fui o autor de um conceito para desmembrar a Gazprom e criar um mercado de gás aberto e competitivo. Um conceito que foi vetado por Putin, por isso saí".

"Quando trabalhava no governo, tinha opiniões totalmente diferentes sobre como o país deveria funcionar. E também fui vice-ministro da energia e assinei acordos de milhares de milhões de dólares. Mas, desde que saí, moro em um apartamento de 60 metros quadrados, numa área residencial de Moscovo, não tenho carro e vou aos nossos supermercados, na cidade. Portanto, hoje represento uma espécie de geração diferente que acredita que um dia será capaz de mudar a situação na Rússia”.

"Quando trabalhava no governo, tinha opiniões totalmente diferentes sobre como o país deveria funcionar".

O que espera do Parlamento Europeu após as eleições russas?

“Queremos apresentar uma imagem mais clara aos colegas, aqui na Europa, e também no Parlamento Europeu, porque há muitos mal-entendidos. Muitas pessoas dizem que os russos estão unidos em torno de Putin para apoiarem a guerra. Estamos aqui para dizer que isso não é verdade".

"Há uma luta contínua na Rússia e a parte da população que está contra Putin e contra a guerra é muito significativa. Mas as autoridades tentam silenciá-la através da censura e da repressão”.

Acredita numa Rússia diferente?

"Claro. E vai acontecer um dia e todos vamos ver isso. A nossa geração vai poder ver isso".
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