"Os russos estão a divertir-se": O jogo de Vladimir Putin entre ameaças aos europeus e negociações de paz com os americanos

A longa reunião em Moscovo entre os americanos e os russos não resultou em qualquer progresso no conflito entre a Rússia e a Ucrânia. Mas serviu os interesses do autocrata russo.

Um Olhar Europeu com Franceinfo /
Vladimir Putin durante uma reunião com o enviado especial dos EUA, Steve Witkoff, em Moscovo (Rússia), 2 de dezembro de 2025. Alexander Kazarov / AFP

Quase cinco horas de reunião, mas com que resultado? O encontro entre o enviado dos Estados Unidos, Steve Witkoff, e o Presidente russo, Vladimir Putin, no Kremlin, na terça-feira, 2 de dezembro, não produziu qualquer progresso concreto. Segundo a Presidência russa, as discussões, descritas como "construtivas", giraram principalmente em torno das concessões territoriais pedidas a Kiev e da adesão da Ucrânia à NATO. 

Todos estes pontos de discórdia dão aos europeus a impressão de estarem a andar em círculos, mas não impediram o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, de afirmar que Moscovo está disposta a encontrar-se com os responsáveis americanos "tantas vezes quantas as necessárias" para encontrar uma saída para a guerra. Que saída? Entre sorrisos com os diplomatas americanos, Vladimir Putin, que se julga em vantagem no campo de batalha, mantém os seus objetivos em mente.

Com uma vantagem no terreno, o Kremlin acredita que pode ganhar a guerra. As tropas russas estão em vantagem no Leste da Ucrânia. De acordo com os dados analisados pela AFP do Instituto Americano para o Estudo da Guerra, conquistaram uma média de 467 km2 por mês durante 2025, uma aceleração em relação a 2024. Na segunda-feira, Moscovo reivindicou a captura de Pokrovsk, um importante centro logístico para o exército ucraniano.Poupar tempo para ganhar terreno
Por mais pesadas que sejam as perdas da Rússia - cerca de 150 mil soldados foram mortos desde fevereiro de 2022, segundo a BBC e o meio de comunicação russo Mediazona - o autocrata russo acredita que pode atingir os seus objetivos militares na Ucrânia, a começar pela anexação total do Donbass. "Esta questão foi amplamente levantada na terça-feira à noite pelo Kremlin, que exige a evacuação das tropas ucranianas do Donbass, uma exigência que Kiev recusou", sublinha Igor Delanoë, investigador associado do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas (Iris).

"A questão do Donbass é altamente simbólica e Vladimir Putin teria dificuldade em declarar vitória sem obter este território" disse à Franceinfo.

Os russos esperam também que o campo americano apoie o seu pedido de não adesão da Ucrânia à NATO, tal como exigido por Kiev. Esta questão "foi discutida", segundo Yuri Ushakov, conselheiro diplomático da presidência russa, e fazia parte do plano de paz elaborado por Washington. "Esta questão é muito importante para Vladimir Putin, que não quer ver tropas estrangeiras em território ucraniano", observa Igor Delanoë.
Tranquilizar os russos

A reunião foi também uma oportunidade para Vladimir Putin enviar um sinal à opinião pública russa. Uma sondagem realizada em outubro mostrava que 83% dos russos se diziam "cansados" ou "muito cansados" da guerra e que 52% eram a favor de "negociações de paz", como referiu o meio de comunicação social russo Vot-Tak. "Esta reunião é também uma forma de comunicar com o povo russo, que está pronto para a cessação das hostilidades", resume Igor Delanoë."Há um desejo de mostrar que está a ter discussões com os americanos, entre grandes potências, com toda uma encenação antes desta sequência".

Em todo o caso, o impasse das negociações é favorável a Moscovo. "Os russos vão jogar o jogo da diplomacia enquanto sentirem que é do seu interesse, sobretudo porque detêm a iniciativa estratégica no terreno", diz Igor Delanoë."Os russos estão a divertir-se muito", observa Carole Grimaud, especialista em geopolítica russa e professora na Universidade Paul-Valéry de Montpellier."Esta é a sexta reunião deste género com o enviado americano e não discutiram os pormenores, mas concordaram em estar mais de acordo", sublinha.

Enquanto Moscovo acredita que pode esperar, o apoio dos EUA continua a ser crucial para Kiev, apesar da cessação da ajuda militar e humanitária direta desde o início do ano. Os serviços secretos americanos continuam a partilhar muitas informações com o exército ucraniano. Mas Donald Trump ameaçou várias vezes manter os ucranianos na ignorância. O Presidente americano, que se encontrou a sós com o homólogo russo no Alasca, em agosto, também se mostrou aberto ao levantamento das sanções contra a Rússia. Isto é suficiente para assustar os europeus, que têm tentado manter Washington do seu lado desde que foi apresentada a primeira versão de um plano de paz favorável a Moscovo.Manter a Ucrânia e a Europa separadas
Não é por acaso que o Kremlin promete a Donald Trump parcerias financeiras em caso de paz."O encontro de terça-feira também se centrou nas possibilidades de cooperação económica", sublinha Carole Grimaud. Tudo isto deve agradar ao autoproclamado rei americano dos negócios, que aponta frequentemente o dedo ao custo financeiro do conflito. Tudo isto alimenta os receios europeus de que a administração Trump sacrifique a soberania da Ucrânia e ponha em causa a segurança do velho continente.

Ao excluir os europeus das negociações, a Rússia está a tentar desestabilizar a União Europeia e os seus vizinhos, como já está a fazer com a sua guerra híbrida. "Não temos qualquer intenção de travar uma guerra contra a Europa, mas se a Europa quiser fazê-lo e começar, estamos prontos para o fazer agora", declarou Vladimir Putin algumas horas antes da reunião.

"Vladimir Putin considera que a Europa não tem uma palavra a dizer, porque é a parte que está a impor restrições e a impedir que este processo de paz se concretize. Os russos vêem os europeus como co-beligerantes, mas também acreditam que a UE é impotente e que os 27 Estados membros estão divididos", acrescenta Igor Delanoë.

É lógico, portanto, que os europeus, diretamente afetados pela guerra na Ucrânia, sejam os grandes ausentes da reunião de Moscovo. "Os russos querem chegar a um acordo com os americanos, em detrimento dos ucranianos e dos europeus", observa Igor Delanoë. O especialista sublinha que a diplomacia russa considera que Washington, "com razão ou sem ela", "tem a chave das negociações"."Para os russos, os europeus acabarão por ser obrigados a adotar a posição americana".

Um cálculo que é "bastante arriscado, dado o foco das capitais europeias neste momento", acrescenta Delanoë. Diplomatas alemães afirmaram que a Rússia não está "em modo de negociação" para encontrar uma solução diplomática para o conflito. "É mais um disparate do Kremlin, vindo de um presidente que não leva a paz a sério", foi a reação do porta-voz do primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, na quarta-feira. A União Europeia e os seus parceiros têm trabalhado intensamente com os ucranianos nos últimos dias para influenciar as conversações russo-americanas.

Ainda na quarta-feira, o negociador de Kiev, Rustem Ummyerov, explicou que se tinha reunido em Bruxelas (Bélgica) com representantes europeus, nomeadamente de França, Alemanha e Reino Unido, bem como da UE e da NATO. O Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, anunciou por seu lado que, para contrariar a narrativa russa, iria então começar a "preparar" um encontro nos Estados Unidos com os emissários de Donald Trump.

Fabien Jannic-Cherbonnel / 4 dezembro 2025 05:06 GMT

Edição e Tradução / Joana Bénard da Costa - RTP
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