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Papa fala em "calúnias" e abre novas feridas entre vítimas de abusos no Chile

por Graça Andrade Ramos - RTP
O Papa Francisco antes da Missa na base aérea de Maquehue Temuco, no Chile, dia 17 de janeiro de 2018 Alessandro Bianchi - Reuters

A 16 de janeiro, durante a sua visita ao Chile, o Papa Francisco reuniu-se em privado com vítimas de abusos sexuais às mãos de sacerdotes católicos. Chorou com elas e falou em “dor e vergonha pelos danos irreparáveis causados às crianças por alguns ministros da Igreja”.

Agora, algumas das vítimas dizem que estas foram palavras “vazias” e que “nada mudou” na Igreja, depois de, dois dias depois, Francisco ter defendido o atual bispo de Osorno, Juan Barros, que é acusado de ter ficado a olhar sem intervir enquanto Fernando Karadima, um sacerdote na altura seu superior, abusava de dois rapazes.

“Não há uma única prova contra ele”, afirmou o Papa aos jornalistas pouco antes de celebrar Missa na cidade de Iquique, no norte do Chile. “Não passam de calúnias, está claro?”, sublinhou Francisco.
"Nada mudou"
Uma das duas vítimas, Juan Carlos Cruz, reagiu com ironia no Twitter às palavras do Papa, que incendiaram as redes sociais no Chile.

“Como se uma pessoa pudesse ter tirado uma selfie ou foto enquanto Karadima abusava de mim e de outros com Juan Barros parado ao lado a ver tudo!”, escreveu Cruz.
“Estas pessoas são completamente loucas e @Pontifex [a hashtag do Papa no Twitter] fala de reparação às vítimas. Nada mudou e este pedido de perdão é vazio”, acrescentou.

Outro dos acusadores de Barros, James Hamilton, disse em conferência de imprensa que a resposta de Francisco revelava um “lado desconhecido” do pontífice.

“O que o Papa fez hoje é ofensivo e doloroso, não só contra nós, mas contra todos os que tentam colocar um ponto final nos abusos”, afirmou.
Juan Carlos Cruz publicou na íntegra o texto das vítimas de Karadima e as acusações ao bispo Juan Barros.
"Polémica inventada"
Karadima foi condenado pelo Vaticano em 2011 por abusos sexuais de vários rapazes adolescentes ao longo de anos, a partir de 1980. As acusações surgiram apenas em 2010 e abalaram seriamente o prestígio da Igreja no país, cada vez mais secularizado.

O sacerdote Fernando Karadima em novembro de 2015, a abandonar o Supremo Tribunal de Santiago, onde respondeu a alegações de abusos sexual de adolescentes referindo ser inocente. Foto: Reuters

O sacerdote nunca foi acusado no Chile, já que à data os crimes tinham prescrito, mas o juiz que ouviu os testemunhos das vítimas considerou-os “dignos de crédito”. Karadima foi condenado pela Igreja chilena a passar o resto da vida em “penitência e oração”.

Barros sempre negou ter escondido os abusos e não foram até agora apresentadas provas das alegações contra ele.

“É uma polémica inventada que não tem fundamento. O Papa Francisco estudou o assunto e está convencido que o bispo Barros não cometeu nenhum delito e portanto não o vai mudar”, referiu o cardeal e arcebispo emérito de Santiago, Francisco Javier Errázuriz.
Palavras de "ânimo"
“No dia em que me trouxerem uma prova contra ele, aí falarei”, prometeu Francisco em Iquique.

Inventada ou não, a polémica está a manchar a reputação de Juan Barros, entretanto elevado a bispo, e o seu ministério. A cerimónia da sua entronização em 2015 teve de ser encurtada devido a protestos na catedral. E a sua presença junto do Papa durante a visita desta semana também levantou sobrancelhas.

Juan Barros diz que ouviu “palavras de ânimo” de Francisco, durante um encontro. “O santo padre sempre foi comigo muito carinhoso e aprovador”, afirmou o prelado.

Francisco enviou “uma grande bênção a todo o povo chileno” e disse estar “muito satisfeito com o Chile”.
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