Num momento em que o uso de pesticidas cresce 80% em três décadas, desde 1990, os 130 mil milhões de euros do negócio global do sector deverão ajudar a fechar os olhos aos vários problemas e perigos que se apresentam com o uso de agroquímicos perigosos como a ameaça à sobrevivência de pássaros e insectos fundamentais à manutenção dos ecossistemas ou aos 11 mil mortos e 385 milhões de envenenamentos anuais.
Mas também a população humana enfrenta vários problemas relacionados com o uso de agro-químicos: por exemplo, todos os anos se registam cerca de 11 mil mortes, directamente associadas aos pesticidas, e até 385 milhões de casos de envenenamentos, não esquecendo um tema que está já a ser alvo de muita controvérsia como é a questão das mutações genéticas nas famílias expostas a este tipo de produtos.
“As provas são impressionantes: o atual sistema alimentar baseado na utilização intensiva de produtos químicos venenosos está a prejudicar agricultores e consumidores, alimentando o colapso da biodiversidade. A UE deve deixar de fechar os olhos ao comércio cada vez mais tóxico dos agronegócios e ouvir os seus cidadãos”, declarou Clara Bourgin, ativista da Friends of the Earth Europe, um dos grupos que compilaram o “Pesticide Atlas”, que elenca números e problemas relativos ao uso de químicos tóxicos na agricultura.
Glifosato e guerra na Ucrânia
O aviso de Clara Bourgin ganha sentido quando a União Europeia discute o prolongamento da autorização do glifosato, um dos “bad boys” da indústria de pesticidas, alvo de todo o género de acusações nas últimas décadas.
A questão por estes dias tem a ver com a caducidade da licença para aquele que é o ingrediente principal do principal herbicida da Bayer, à vista já no próximo mês de Dezembro.
Num clima de relaxamento das regras de segurança sanitária numa equação onde prevalece a segurança alimentar – face ao corte de importações agrícolas da Ucrânia –, a União Europeia debate-se assim com o que é aparentemente um dilema ético e vários Estados-membros já ponderam reavaliar a promessa que tinham feito, de reduzir para metade o uso de pesticidas até 2030.
“O lobby agrícola está a explorar de forma cínica a invasão russa da Ucrânia para tentar manter-nos no caminho do colapso ecológico. A Comissão Europeia tem de resistir aos cantos de sereia, deve defender o seu Green Deal e insistir nas mudanças profundas de que a agricultura precisa para sobreviver à crise ecológica e climática”, sublinhou Ariel Brunner, dirigente da BirdLife Europe.
Exportar venenos tóxicos que não nos servem
A União Europeia, ao abrigo da sua própria legislação, tem-se dado ao luxo de exportar para os continentes asiático e africano os pesticidas que, não cumprindo regras de segurança, estão banidos no seu próprio território.
Trata-se de um mercado que Bruxelas não quer perder, já que um quarto de todos os pesticidas a nível global são vendidos na União Europeia, que é também o principal exportador de produtos para a protecção de culturas.
Em 2018, de acordo com o “Pesticide Atlas”, mais de 40% dos pesticidas no Mali e no Quénia foram considerados como altamente perigosos, e o mesmo foi verificado com 65% dos produtos usados em quatro Estados nigerianos. Nesse ano, as companhias europeias apontavam para a exportação de 81 mil toneladas de pesticidas proibidos em solo europeu.
A União Europeia aproveita desta forma os mercados a que chega, de países com regulamentação muito mais fraca no que respeita a este tipo de químicos, naquilo que a eurodeputada francesa dos Verdes Michèle Rivasi já considerou uma “violação dos Direitos Humanos”. Por exemplo, dos 385 milhões de casos de envenenamento por pesticidas registados no Atlas, 255 milhões aconteceram na Ásia e mais de 100 milhões em África, enquanto que na Europa apenas ocorreram 1,6 milhões.