Presidente do Irão promete vingança por atentado que fez mais de 100 mortos

por Graça Andrade Ramos - RTP
Socorro de emergência após duas explosões terem provocado mais de 100 mortos em Kerman, sul do Irão. WANA - Reuters

Mais de uma centena de mortos e 141 feridos, alguns em estado crítico, é o balanço mais recente de vítimas de duas explosões ocorridas esta quarta-feira no sul do Irão, durante cerimónias de homenagem ao general Qassem Soleimani, um herói do regime iraniano.

Os números foram confirmados aos media estatais iranianos por Mohammad Saberi, chefe dos serviços de emergência de Kerman, admitindo que o número de mortos possa ainda subir.

Mostafa Khoshcheshm, um analista político iraniano, afirmou à televisão Al Jazeera, do Qatar, que há várias crianças entre as vítimas mortais.
O governo designou entretanto esta quinta-feira como dia para "o país, a nível nacional, fazer o luto", "após o incidente terrorista em Kerman", referiu a televisão estatal.

Várias horas após o atentado, a responsabilidade deste ainda não tinha sido reivindicada. 

O Governo iraniano apontou o dedo a um "inimigo", sem especificar. A palavra pode designar quer os Estados Unidos da América, quer Israel, que os ayatollah juraram destruir, quer ainda o grupo sunita Estado Islâmico ou ISIS.
Irão promete vingança
O presidente iraniano, Ebrahim Raisi, publicou um comunicado a condenar o "ato cobarde" e "odioso" que fez 103 mortos, garantindo "castigo" para os responsáveis.

"Sem qualquer dúvida, os autores deste ato cobarde serão em breve identificados e punidos pelo seu ato odioso pelas capazes forças de manutenção da lei e da segurança", declarou.

"Os inimigos da nação deverão saber que tais ações não poderão nunca abalar a sólida determinação da nação iraniana", acrescentou Raisi.
O ministro da Administração interna e comandante dos Guardas da Revolução, Ahmad Vahidi, pediu por seu lado aos iranianos para não acreditarem em especulações nem espalharem rumores.

"O inimigo está a lançar operações psicológicas", afirmou à televisão estatal, revelando que os serviços de informação já dispõem de informação sobre as explosões, mas que esta só será revelada após ser revista e verificada.
O que aconteceu?
A dupla explosão teve lugar perto da mesquita Saheb al-Zaman, onde se encontra o túmulo do general Soleimani, em Kerman, no sul do Irão.

Uma multidão compacta de representantes do regime e de pessoas anónimas tinha-se reunido no local para uma cerimónia comemorativa, segundo a agência francesa AFP.

A agência Tasnim reportou que os dois engenhos foram colocados em malas de viagem e aparentemente detonados remotamente. A versão contraria relatos anteriores que apontavam para dois bombistas suicidas. Nenhuma das versões foi confirmada oficialmente até à data.

Uma mulher disse à televisão estatal iraniana que uma das bombas foi colocada num contentor de lixo. "Não fiquei ferida, mas as minhas roupas ficaram cobertas de sangue. Tinha acabado de atravessar a rua quando a bomba explodiu", afirmou.

Ao site de notícias da agência semi-oficial ISNA, o representante de Kerman no Parlamento, Mohammad Reza Pour Ebrahim, afirmou por seu lado que a segunda explosão foi mais forte do que primeira, citando fontes anónimas no terreno.

"Estou neste momento no Hospital de Shahid Bahonar, em Kerman, para onde os feridos foram transportados", referiu. "Todo o pessoal médico está mobilizado para ajudar os feridos".

O cemitério onde se deram as explosões foi entretanto evacuado e a área ficou sob controlo das forças de segurança, com as pessoas a serem alertadas para contactarem o Ministério da Informação se testemunharem alguma ocorrência suspeita.

A Tasnim adiantou ainda que estão a ser negados rumores, atribuídos a "contas ligadas a Israel", quanto à morte de um alto responsável do Corpo de Guardas da Revolução Iraniana.
"Nuvens de guerra negras"
O general Qassem Soleimani, morto em Bagdade em 2020, era um homem-chave do regime iraniano e uma das personalidades mais populares do país. Foi morto num ataque levado a cabo por um drone norte-americano durante a guerra no Iraque.

A ocorrência de um atentado precisamente durante cerimónias em sua honra, quando o Médio Oriente vive dias de alta tensão devido ao conflito entre Israel e o grupo palestiniano Hamas, na Faixa de Gaza, não deverá ser simples coincidência.

"Tudo pode acontecer agora nesta região", opinou Marwan Bishara, analista político, entrevistado pela Al Jazeera. Há "nuvens de guerra negras" a juntar-se sobre o Médio Oriente, acrescentou, depois de vários dias de escalada das tensões regionais.

"Há tanta violência contida, tanta tensão acumulada, tantos conflitos e tantas partes em movimento. Do Mar Vermelho à fronteira irano-iraquiana, ao Iémen, ao Golfo, basicamente em todo o lado na região há um candidato a um agravamento", referiu.

A questão na mente de todos os analistas e responsáveis é agora "quem foi o responsável" pelo atentado em solo iraniano
, como referiu o observador Hassan Ahmadian.

"O presidente Raisi irá obviamente falar em vingança contra os que o realizaram, mas a questão permanece - quem foi?", afirmou à televisão catari.

"O ISIS demonstrou que está disposto a fazê-lo para matar muitos civis. Ou Israel pode ter decidido escalar a guerra contra o Irão para o forçar a fazer algo que arraste os Estados Unidos para um conflito contra o Irão. Estas são todas possibilidades", acrescentou.

Os Estados Unidos têm acusado o Irão de estar a desestabilizar os Médio Oriente contra Israel em boicote aos Acordos de Abraão
, usando os peões que controla na área, como a guerrilha libanesa xiita do Hezbollah, o grupo palestiniano Hamas ou os rebeldes Houthi do Iémen, que há anos financia e a quem fornece armamento.

As forças norte-americanas estacionadas no Iraque têm sido igualmente alvo de ataques por grupos armados pró-iranianos, com a complacência de Bagdade, abalando as relações americo-iraquianas.

Apesar de Teerão negar envolvimento nas recentes ofensivas do Hamas, do Hezbollah e dos Houthi, contra Israel, são poucos os que lhe dão crédito.
Condenação internacional
Um dos principais aliados do Irão, a Rússia, já veio condenar o ataque e o presidente Vladimir Putin enviou condolências.

"O assassínio de pessoas pacíficas de visita a um cemitério é chocante na sua crueldade e no seu cinismo", escreveu Putin numa carta enviada a Raisi e ao supremo líder, o ayatollah Ali Khamenei. "Condenamos o terrorismo sob todas as formas", acrescentou o presidente russo na mensagem ao seu aliado.

Bagdade condenou em comunicado "o ataque terrorista em Kerman" e ofereceu assistência "para aliviar o impacto deste ato cobarde e criminoso". 

"Numa demonstração de solidariedade, o nosso governo está ao lado do Irão, expressando apoio tanto ao governo iraniano como ao seu povo nesta hora difícil", referiu o texto publicado pelo executivo iraquiano.

Numa publicação na rede social X, o presidente turco ofereceu condolências "ao amigável e irmão povo iraniano", condenado ainda o violento ataque.

"Estamos profundamente entristecidos pelos horrendos ataques terrotistas perpetrados da província iraniana de Kerman. Possa Deus ter misericórdia para com aqueles que perderam a vida nos ataques, e desejo uma rápida recuperação aos que ficaram feridos", escreveu Recep Tayyip Erdogan.

Também o braço político do grupo rebelde iemenita Houthi emitiu uma nota de condenação do que apelidou "bombardeamentos criminosos" no aniversário do "martírio" de Soleimani.

A União Europeia condenou igualmente "um ato de terror", "nos termos mais fortes". 

"Este ato de terror teve um custo chocante em mortes e feridos civis. Os nossos pensamentos estão agora com as vítimas e as suas famílias. Os autores devem ser responsabilizados", referiu o comunicado emitido por Bruxelas.

(com Lusa)
pub