Primeira missão privada para a Estação Espacial Internacional pode ter dois investidores a bordo

por Nuno Patrício - RTP
Edição RTP

Colocar um ser humano no espaço, mesmo que seja em órbita baixa, custa aproximadamente 45 milhões de euros por lugar. Um valor que muitos estão dispostos a dar e dois investidores estão já nesse "corredor da fama". A Axiom Space vai colocar duas pessoas - não como financiadores, mas como passageiros - no primeiro voo totalmente privado para a Estação Espacial Internacional.

É uma nova estratégia para atrair financiamento e uma recuperação do tão desejado turismo espacial.

O conceito não é novo e a experiência de enviar outras pessoas, sem ser os normais astronautas – pilotos e cientistas –, aconteceu pela primeira vez em 2001, quando o multimilionário Dennis Tito pagou cerca de 25 milhões de euros para se tornar o primeiro passageiro privado a viajar até à Estação Espacial Internacional (EEI), à boleia dos russos (Soyuz TM-32).

Agora a Axiom Space, com sede em Houston, quer voltar implementar o modelo, pois compensa monetariamente e serve de atrativo para novos excêntricos turistas espaciais.
Privados com bandeira americana e do Canadá
Ainda não se sabe a data em que os primeiros "turistas espaciais" vão deixar a gravidade terrestre, mas já se sabe quem abriu os cordões à bolsa para realizar a aventura.
Os nomes foram apresentados na terça-feira pela Axiom Space. Trata-se do investidor imobiliário Larry Connor, de 70 anos, e do canadiano  Mark Pathy, de 50.

Connor lidera o Connor Group desde 2003, construindo a firma de investimentos imobiliários sediada em Ohio com mais de 2,47 mil milhões de euros em ativos. Pathy, que deve tornar-se o 11.º astronauta canadiano, é CEO e presidente da MAVRIK Corp, bem como presidente do conselho da empresa de música Stingray Group, com sede em Montreal.

A previsão é de que estes dois investidores tenham lugar reservado na missão AX-1 e se juntem ao ex-astronauta da NASA Michael López Alegría, comandante do voo, e ao ex-piloto israelita de caças Eytan Stibbe.

A tripulação que faz parte da misão AX-1 da Axiom Space. Créditos: Axiom/DR

Mas não se pense que estes dois novos astronautas apenas vão passear. Ficou já estabelecido que Larry Connor será o piloto da missão, o que o tornará o primeiro piloto privado de um voo espacial orbital.

O negócio para esta missão foi firmado entre a empresa espacial privada Axiom e a SpaceX no ano passado e a empresa de Elon Musk está programada para lançar a tripulação totalmente privada, mas não antes de janeiro de 2022.

A missão usará a cápsula Dragon II, que atualmente serve para transportar astronautas até à estação espacial.

Por um valor equivalente a 45 milhões de euros por pessoa, estes dois investidores/turistas espaciais vão permanecer no espaço e apreciar a vista lá de cima durante oito dias. O montante pode parecer astronómico, mas complementa também o treino e toda a preparação na Terra, antes de subir ao céu.

Em entrevista à estação norte-americana CNBC, o comandante designado para este voo, o astronauta hispano-americano Michael López-Alegría, refere que “esta é a primeira vez que um tripulação completa não é composta por astronautas não profissionais. Isto é realmente inovador e acho muito importante que a missão seja bem-sucedida e segura, porque estamos verdadeiramente a preparar o caminho para que muitas coisas aconteçam depois de nós”.
Tripulação privada receberá 15 semanas de treino
Cada um destes astronautas privados teve de se submeter a rigorosos testes médicos. Terão agora de enfrentar 15 duras semanas de treino, de acordo com o presidente executivo da Axiom, Mike Suffredini, ex-gerente do programa da estação espacial da NASA.

À frente do programa de treino vai estar o astronauta López-Alegría. O início da preparação está previsto para outubro.

Larry Connor, agora com 70 anos, será a segunda pessoa mais velha a voar até ao espaço. O primeiro, em 1998, foi o astronauta John Glenn, na altura com 77 anos: integrou a tripulação da missão espacial STS-95 a bordo do vaivém Discovery.

Foto: NASA/DR

A Axiom tem já previstas mais duas missões privadas, anualmente, para a estação espacial. Voos que servirão de teste e financiamento para levar a cabo a construção de módulos espaciais que vão acoplar no futuro à Estação Internacional a partir de 2024.

Módulos que vão servir para a criação e construção da primeira estação orbital privada e, presumivelmente, em parte convertida em hotel espacial.

Créditos: Axiom Space/DR
Missão AX-01
A missão AX-1 foi programada originalmente para outubro deste ano. Contudo, face a vários contratempos, incluindo razões ligadas à pandemia, assim como atrasos na entrega de material, o programa foi reagendado para o início de 2022.

A Axiom tem por objetivo realizar várias destas missões por ano e muitas das missões futuras estão já em curso.

Um dos nomes mais falados para incluir numa destas missões foi o do ator Tom Cruise, tendo mesmo a NASA, no ano passado, anunciado estar a trabalhar com Cruise para um filme na EEI.

De destacar que nenhuma destas missões, apesar de serem pagas a peso de ouro, é considerada a 100 por cento como período de férias.

Embora o turismo espacial seja um subsetor emergente da indústria espacial , os passageiros particulares da Axiom não se enquadram nessa categoria.

“Nós não acreditamos que somos turistas espaciais”, disse Larry Connor na entrevista ao canal CNBC.

“Eu ofereci-me para ser uma cobaia”, diz Connor. “Não vamos ser espectadores; vamos fazer investigação e, com sorte, agregar algum valor para as pessoas”.

Uma ideia que é validada pelo astronauta e treinador López-Alegría: “Eles estão realmente focados em fazer com que esta seja uma missão para promover um benefício para a sociedade. E cada um está a trabalhar em programas de voo. Além disso, estes dois elementos privados associaram-se a várias instituições, hospitais e outras entidades de pesquisa”.

Connor colabora com a Mayo Clinic e a Cleveland Clinic, ao passo que Pathy está trabalhar com a Agência Espacial do Canadá e o Hospital Infantil de Montreal.

Finalmente, Eytan Stibbe, astronauta israelita, descrito com investidor e filantropo no site da Axiom, está trabalhar em nome da Fundação Ramon e da Agência Espacial de Israel.Um voo singular, mas nada barato
Dados os preços por lugar a bordo da cápsula Dragon II, da SpaceX, não é surpreendente que a primeira tripulação espacial privada inclua indivíduos de alto património líquido, como Connor e Pathy. Connor diz mesmo que é “uma questão justa e preocupante” que alguns possam criticar o voo espacial privado como apenas para os ultra-ricos.

“Temos muitos problemas e desafios internos, assim como internacionais, mas isso significa que devemos esquecer o futuro?”, pergunta Connor. “E se realmente se pensa sobre o futuro a minha visão é que o espaço é a próxima grande fronteira. Então não deveríamos tentar explorar e, em alguns aspectos, tentar ser pioneiros nisso?”.

Connor apela aos críticos do voo espacial privado para que “pensem a longo prazo”, apontando a um horizonte de de 25 ou mais anos.

“Será tão incomum as pessoas irem para o espaço? Eu acho e espero que a resposta seja não. Então, alguém tem que começar, alguém tem que fazer a exploração e definir os padrões e tenho esperança de que as pessoas vão começar a ver as coisas dessa forma”, disse.

A NASA cobrará por cada pessoa 28 mil euros/dia, a bordo da estação, como compensação pelos serviços necessários, como alimentação e uso de dados.

“Não é uma demografia muito democrática na realidade atual, devido ao custo dos voos, mas prevemos que os custos começarão a cair”, diz o astronauta López-Alegría. “Esperamos no futuro poder oferecer isso ao cidadão comum. Vai demorar um pouco, mas esse é o objetivo e tem de se começar por algum lugar”.
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