O novo primeiro-ministro de França, o quarto num ano, apresentou esta terça-feira o seu programa de governo, defendendo a necessidade de reformas, tanto do Estado como da Segurança Social.
Dos atuais 62 anos, a idade de reforma deverá assim subir para 63 anos, em 2026 e para 64 anos, em 2030, de forma a fazer face aos custos crescentes com pensões, numa altura em que a taxa populacional francesa está igualmente em queda livre. Soube-se esta terça-feira que nunca, desde 1945, o número de nascimentos foi tão baixo no país.
As pensões custam atualmente ao Estado francês 380 mil milhões de euros anuais, lembrou Bayrou, ao passo que as contribuições para o sistema por parte dos empregados, tanto públicos como privados, ronda os 325 mil milhões de euros ao ano.
Para financiar o restante, o Estado francês pede emprestados todos os anos entre 40 a 45 mil milhões de euros emprestados, prosseguiu Bayroux.
"Uma dívida que, antes de mais, é um problema moral" já que pesa nas próximas gerações, acrescentou, defendendo que "a reforma das pensões é vital para o nosso país e para o nosso modelo social".
Ciente que este dossier pode significar a queda do seu executivo e para ganhar tempo, o primeiro-ministro francês anunciou que o tema irá contudo ser debatido com os parceiros sociais, "em breve e de forma transparente", uma vez que "existem vias de progresso".
Para isso, vai ser pedido "nas próximas semanas" ao Tribunal de Contas de França, um relatório que faça o retrato "preciso e atualizado do financiamento do sistema de pensões". "Se não houver acordo com os parceiros para alternativas de financiamento num prazo de três meses, será a reforma atual que continuará em vigor", ameaçou.
François Bayrou, nomeado primeiro-ministro em meados de dezembro de 2023, não dispõe de uma maioria de apoios na Assembleia Nacional sendo obrigado a negociar.
O desafio é conseguir a neutralidade à esquerda quanto ao sistema de apoios sociais, sem alienar o centro e a direita, os quais defendem um esforço coletivo para garantir um financiamento perene das pensões.
O desafio é conseguir a neutralidade à esquerda quanto ao sistema de apoios sociais, sem alienar o centro e a direita, os quais defendem um esforço coletivo para garantir um financiamento perene das pensões.
Reformar o Estado, apoiar a democracia
Perante uma economia anémica, o primeiro-ministro anunciou a revisão em baixa do crescimento em 2025, de 1,1 por cento antes da queda do executivo anterior para 0,9 por cento. François Bayrou anteviu também um défice de 5,4 por cento do PIB para este ano.
A dívida crescente é como uma espada de Dâmocles sobre o país, considerou. Referindo que a maioria dos franceses não espera que o novo Executivo venha a durar até ao fim do ano, o primeiro-ministro defendeu que é nestas alturas que se vê a coragem ds pessoas.
François Bayrou lembrou que o país nunca esteve tão endividado.
François Bayrou lembrou que o país nunca esteve tão endividado.
"Todos os partidos de governo sem exceção têm responsabilidades nesta situação ao longo das últimas décadas. Quem, entre os partidos de oposição, pediu despesa adicional tomou igualmente parte neste tango fatal que nos trouxe à beira do precipício", acusou, perante protestos das bancadas.
Circunstância que o levou a defender uma ampla reforma do Estado, para
que este se torne sustentável e deixe de ser um sorvedouro de dinheiro.
Bayrou anunciou assim um "fundo especial" que será consagrado "inteiramente à reforma do Estado", "de forma a poder investir, por exemplo, no desenvolvimento da inteligência artificial nos nossos serviços públicos".
As "1000 agências ou organismos do Estado constituem um labirinto que dificilmente satisfaz um país rigoroso", justificou, referindo que o fundo será financiado por ativos "em particular imobiliários, que pertencem ao poder público".
Outra iniciativa será "a criação de um banco da democracia", para que partidos políticos e sindicatos se "possam financiar sem ter de recorrer a estratégias de evasão", nem dependam "das opções da banca privada", mas cujas iniciativas e campanhas "possam eventualmente ser obra de organismos públicos sob controlo do Parlamento". "O dinheiro não deve orientar as nossas consciências e o dinheiro não pode sobrepor-se à livre vontade dos cidadãos", opinou.
O primeiro-ministro francês declarou-se aliás a favor de uma reforma do modelo de escrutínio legislativo, "por via de um princípio proporcional para a representação do povo nas nossas assembleias".
"O modelo de escrutínio deve enraizar-se nos territórios", defendeu, sendo que o princípio da proporcionalidade "irá obrigar-nos a colocar em mesmo plano a questão do exercício simultâneo de uma responsabilidade local e nacional".
Outras propostas
François Bayrou anunciou ainda que a contribuição das instituições públicas para o Orçamento do Estado será de 2,2 mil milhões de euros, em vez dos 5,5 mil milhões previstos na proposta do governo antecedente, de Michel Barnier.
O primeiro-ministro francês considerou ainda importante rever as reclamações feitas pelos "coletes amarelos" há seis anos e procurar a "harmonia" na imigração, uma questão premente "em todo o mundo" que em França pode encontrar soluções na "proporcionalidade", conseguindo que os imigrantes sejam absorvidos sem serem considerados uma ameaça. "A instalação de uma família de estrangeiros numa aldeia dos Pirinéus é um gesto de generosidade (…) mas se forem 30 a aldeia sente-se ameaçada", exemplificou.
Quanto à crise na Habitação, o primeiro-ministro disse querer uma "política repensada e de grande amplitude", que aligeire exigências burocráticas, e relance "o sistema de aluguer e de acesso à propriedade".
Na Saúde, François Bayrou propôs-se aumentar os apoios aos seguros de saúde, deixando cair por outro lado a retirada de apoios a alguns medicamentos proposta por Barnier.
O primeiro-ministro francês prometeu ainda apoiar a intervenção dos agricultores quanto às normas a aplicar ao setor e defendeu que a "ecologia é a solução" para os problemas ambientais.
Oposição dececionada
A oposição em peso considerou que as propostas de Bayrou são insuficientes para resolver a "instabilidade" atual em França, criticando a apresentação "de constatações mas de poucas soluções".
Os ecologistas anunciaram desde já um voto favorável a uma eventual moção de censura, com a extrema-direita a declarar-se "dececionada" por os motivos que levaram à queda do governo anterior terem sido ignorados, acusando Bayrou de fomentar a burocracia em vez de a combater.
À esquerda, a opinião foi a de que as propostas do primeiro-ministro não refletem os seus interesses e "não têm futuro". Já a direita prometeu um apoio "exigente", comprometendo-se a não votar a favor da censura, "em nome da estabilidade".
"Desordem mundial"
Numa análise à atualidade internacional, François Bayrou defendeu esta terça-feira que vivemos num mundo novo e perigoso, onde já não manda a Força da Lei, mas a Lei da Força.
O primeiro-ministro francês criticou a Rússia pela invasão de um Estado soberano, falou do domínio económico chinês e apontou o dedo aos Estados Unidos, que acusa de querer dominar as reservas monetárias de outros países através também da tecnologia.
O primeiro-ministro francês criticou a Rússia pela invasão de um Estado soberano, falou do domínio económico chinês e apontou o dedo aos Estados Unidos, que acusa de querer dominar as reservas monetárias de outros países através também da tecnologia.