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Quénia. Jejum praticado por seita evangélica fez mais de 400 mortos
Mais 12 corpos foram encontrados esta segunda-feira na floresta de Shakahola, no Quénia, elevando a mais de 400 as vítimas mortais provocadas pelo jejum extremo praticado por uma seita evangélica. As buscas decorrem há três meses e as autoridades suspeitam de tráfico de órgãos humanos que poderá envolver outros grupos.
"A nossa equipa médico-legal pôde exumar mais 12 corpos hoje", indicou à imprensa Rhoda Onyancha, a governadora da região. O total dos mortos descobertos nas últimas semanas ascende a 403.
A maioria das vítimas seria adepta da Igreja internacional da Boa
Nova, que impunha aos seguidores o jejum rigoroso, através do qual
iriam "encontrar Jesus".
A ideia era proposta pelo pastor Paul Nthenge Mackenzie, de 50 anos, e ainda se ignora quantas pessoas terá levado à morte, naquele que é já considerado "o massacre de Shakahola". O Ministério do Interior do Quénia refere que mais de 400 pessoas despareceram na área.
As autoridades quenianas esperam por isso que o número de vítimas continue a subir, à medida que prosseguem as pesquisas por valas comuns, numa vasta área em torno do recinto isolado e murado que servia de sede ao grupo religioso, em Furunzi, perto da cidade costeira de Malindi.
Outras 16 pessoas, incluindo a mulher do alegado pastor, são acusadas de integrar o grupo de "sequazes" de Mackenzie, cuja função era vigiar os adeptos da seita e garantir que ninguém interrompia o jejum ou fugia para a floresta.
Vários dos cadáveres exumados não estavam completos, levantando suspeitas de que o tráfico de órgãos humanos seria o verdadeiro negócio desta seita.
Outras alegadas igrejas, como o culto liderado pelo auto-denominado pastor Ezequiel Otero, poderão estar também envolvidas na rede.
Num documento citado em maio pela Agência France Presse, sem mais detalhes, a Direção de Investigação Criminal (DIC) do Quénia, que conduz as operações, indica precisamente a existência no país de um "tráfico bem coordenado de órgãos humanos envolvendo vários atores".
Coro de críticas
O massacre comoveu e indignou o Quénia. As autoridades locais têm sido especialmente criticadas por não terem
impedido Mackenzie.
A seita estaria a operar desde 2020, mas o líder já tinha sido
preso diversas vezes desde 2017, de início pelos
seus sermões radicais. Mackenzie foi ilibado de algumas acusações, com outras abandonadas sem qualquer justificação.
Em 2019 foi detido pela morte de crianças e em março último foi de novo investigado
por ter alegadamente encorajado os pais de dois meninos a deixá-los à
fome e a sufocá-los até à morte.
Mackenzie disse que não sabia nada dessas mortes e, tal como na acusação anterior, foi libertado sob fiança.
Ezaquiel Odero, líder do Centro de Oração e Igreja para uma Nova Vida, foi por sua vez detido a 28 de abril, no quadro das investigações ao "massacre" e as suas contas foram arrestadas.
Suspeito da morte de centenas dos seus seguidores, cujos corpos poderão ter sido igualmente enterrados em Shakahola, Odero foi contudo libertado a quatro de maio último apesar dos apelos do Ministério Público queniano, que invocou o receio de que ele viesse a influenciar testemunhas.
Já Paul Mackenzie viu a sua prisão preventiva ser prolongada, seis dias depois.
Na sequência dos dois casos sucedem-se no Quénia os apelos por controlo mais apertado das mais de 4.000 "igrejas", cultos e seitas, registadas oficialmente neste país cristão. O
Presidente queniano, William Ruto, criou para o efeito um grupo de
trabalho para "examinar e rever o quadro legal que rege as organizações
religiosas" no país.
O ministro da Administração Interna anunciou entretanto que a floresta de Shakahola, com 325 hectares, vai ser transformada num "lugar de memória".
Jejuar para "encontrar Jesus"
O massacre começou a ser revelado na terceira semana de abril, quando foram descobertos 47 corpos. As autoridades declararam "cena de crime" toda a área em torno da sede da seita, e têm estado a examiná-la desde então.
Quase todas as semanas são descobertos os cadáveres de outras vítimas.
McKenzie terá previsto que o mundo ia acabar a 15 de abril e terá ordenado aos seus fiéis que morressem para serem os primeiros a ir para o céu e a encontrar-se com Jesus Cristo.
Diversos fiéis resgatados pela polícia dentro do complexo recusaram ser
auxiliados e tentaram prosseguir o jejum. Oito deles, encontrados com
vida, morreram pouco depois, apesar de hospitalizados.
Em abril, um investigador envolvido no caso afirmou à Agência Reuters, sob anonimato, que o líder negou ter ordenado aos seguidores para jejuarem até à morte.