Redações em protesto contra ataques a jornalistas em Gaza

Nos últimos 22 meses, a guerra na Faixa de Gaza tornou-se o conflito mais mortífero da história para os jornalistas. Esta segunda-feira, mais de duas centenas de órgãos de comunicação de 50 países bloqueiam as primeiras páginas e interrompem as transmissões, exigindo o fim do assassínio dos profissionais e acesso ao enclave.

Cristina Sambado - RTP /
Equipamento usado pelo jornalista da Reuters, Hussam al-Masri, que morreu no passado dia 25 de agosto enquanto operava uma transmissão de vídeo em direto no Hospital Nasser de Gaza, em Khan Younis, no sul da Faixa de Gaza Foto: Ramadan Abed - Reuters

Organizada pela Repórteres Sem Fronteiras (RSF), pelo movimento de campanhas Avaaz e pela Federação Internacional de Jornalistas (FIJ), a ação é apresentada como o primeiro “protesto editorial em grande escala” da história moderna coordenado em simultâneo por redações em todos os continentes.

“Jornais impressos terão capas inteiramente pretas com uma mensagem marcante. Emissoras de TV e rádio interromperão a programação com uma declaração conjunta. Portais online apagarão suas homepages ou exibirão banners em solidariedade”, refere a organização, em comunicado.

A campanha intitulada, “ao ritmo em que jornalistas estão a ser mortos em Gaza pelas forças de defesa de Israel, em breve não haverá mais ninguém para manter o mundo informado”, pretende chamar a atenção para os mais de 200 jornalistas mortos no enclave desde 7 de outubro

Não há um número exato do número de profissionais mortos pelas forças israelitas em Gaza, com as várias organizações a apresentarem dados diferentes. A RSF aponta para 210, o CPJ para 189 e as Nações Unidas falam em 247.

O que faz deste o conflito mais letal para repórteres nos tempos modernos”, para a organização Repórteres Sem Fronteiras. 

A organização assinala que “Israel tem impedido a entrada de jornalistas estrangeiros em Gaza há quase dois anos, deixando apenas os jornalistas palestinianos para reportar sob fogo”.Na semana passada, cinco jornalistas palestinianos – Hussam al-Masri, Mariam Abu Dagga, Mohammed Salama, Ahmed Abu Aziz e Moaz Abu Taha – foram mortos num duplo ataque ao hospital Nasser pelo exército israelita, elevando o número total de jornalistas e profissionais mortos neste conflito desde outubro de 2023 para pelo menos 189, segundo o Comité para a Proteção dos Jornalistas (CPJ).

Apenas uma semana antes, outros quatro jornalistas da Al Jazeera e dois freelancers foram mortos num ataque israelita dirigido à sua tenda em frente ao hospital Al-Shifa, na Cidade de Gaza. O exército israelita afirmou ter atacado deliberadamente a equipa da Al Jazeera – o correspondente Anas al-Sharif, que cobria a guerra desde o início, o repórter Mohammed Qreiqeh, o operador de câmara Ibrahim Zaher e Mohammed Noufal, motorista e operador de câmara da equipa.

O CPJ e outras organizações afirmam que esta alegação faz parte de um padrão de desinformação – juntamente com outros casos em que jornalistas assassinados foram rotulados como combatentes ou agentes do Hamas – e não tem credibilidade.

O exército israelita impediu os jornalistas internacionais de entrar e cobrir a guerra e dizimou a própria comunidade mediática de Gaza. Segundo o direito internacional, os jornalistas devem ser protegidos como civis, mas o Comité para a Proteção dos Jornalistas afirma que Israel está a "empenhar-se no esforço mais mortífero e deliberado para matar e silenciar jornalistas que o CPJ já documentou".

"Os jornalistas palestinianos estão a ser ameaçados, diretamente visados e assassinados pelas forças israelitas, e são arbitrariamente detidos e torturados em retaliação pelo seu trabalho. Ao silenciar a imprensa – aqueles que documentam e testemunham – Israel está a silenciar a guerra", realçou a organização.

Apesar da crescente condenação global e das preocupações com as violações do direito internacional, Israel continua o seu ataque militar a Gaza e é provável que mais jornalistas morram como resultado. Os meios de comunicação social envolvidos na campanha apresentam três exigências: 
  • Juntos, denunciamos o assassinato de jornalistas pelo exército israelita na Faixa de Gaza e pedimos o fim da impunidade dos crimes cometidos contra os profissionais da comunicação social;
  • Juntos, exigimos que seja permitida a evacuação urgente dos jornalistas palestinianos que queiram sair do enclave;
  • Juntos, pedimos às autoridades israelitas que permitam o acesso independente da imprensa internacional à Faixa de Gaza.

A organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), que recorda que faltam oito dias da abertura da 82ª Assembleia Geral das Nações Unidas, apela uma ação firme por parte da comunidade internacional. O gabinete de Direitos Humanos da ONU estima que 247 jornalistas já perderam a vida na Faixa de Gaza no exercício do seu trabalho.

O diretor da RSF Thibaut Bruttin, alerta que “não é apenas uma guerra contra Gaza, é uma guerra contra o próprio jornalismo. Jornalistas estão a ser mortos, alvo de ataques e difamados. Sem eles, quem vai falar da fome, quem vai denunciar crimes de guerra, quem vai expor genocídios?", questiona.

Já o diretor de campanhas da Avaaz, Andrew Legon, diz que “Gaza se está a transformar num cemitério de jornalistas” porque “o governo de extrema-direita de Israel está a tentar concluir o massacre no escuro, sem o escrutínio da imprensa”.

“Se as últimas testemunhas forem silenciadas, as mortes não cessarão - apenas deixarão de ser vistas. É por isso que estamos unidos hoje: Não podemos e não vamos permitir que isso aconteça", afirma.

Por sua vez, o secretário-geral da Federação Internacional de Jornalistas lembra que os jornalistas mortos "arriscaram tudo para contar a verdade ao mundo e pagaram com a vida. O direito do público à informação foi profundamente prejudicado por esta guerra. Exigimos justiça e uma convenção internacional da ONU sobre a segurança e a independência dos jornalistas”, diz Anthony Bellanger.Lusa e Público juntaram-se aos protestos

Em Portugal, a Lusa e o jornal Público juntaram-se à iniciativa, a diretora de informação da agência de notícias portuguesa afirma que esta "não podia ficar indiferente e junta-se assim a este protesto mundial".
"Como jornalistas, não podemos assistir impávidos aos assassínios deliberados ou colaterais dos jornalistas que, enfrentando todos os riscos e ameaças, deslocações sistemáticas, fome e até a morte, testemunham e informam o mundo sobre o que se está a passar em Gaza. Na sua guerra contra este enclave, Israel também faz guerra ao jornalismo e ao direito a informar e de ser informado", sustenta Luísa Meireles.

A agência aderiu à iniciativa "pelo jornalismo, pelo direito à informação, pela liberdade de expressão, pelo acesso dos meios de comunicação internacionais a Gaza" e "contra a guerra", acrescentou.Contactado pela Lusa, o diretor do jornal Público, David Pontes, destaca ser "importante dar visibilidade à situação atroz a que têm sido sujeitos os camaradas de profissão em Gaza".

"O eclipse da humanidade naquele território tem de ser reportado com urgência, sob pena de não conseguirmos reunir forças para parar o terror que vivem os civis palestinianos. É, da nossa parte, um gesto muito pequeno perante as mortes heroicas de tantos jornalistas, que têm de cessar. Cada um de nós tem obrigação de fazer algo para que isto pare", referiu à Lusa.

c/ Agências 
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