Reforçam-se indícios de emboscada turca ao avião russo abatido

por RTP
Um aparelho SU-24 russo Shamil Zhumatov, Reuters

Peter Sprey, antigo conselheiro do Departamento de Defesa norte-americano, veio a público analisar minuciosamente os dados sobre o incidente em que foi abatido o SU-24 russo e concluiu que os militares turcos o tinham premeditado.

Interpelado pela revista norte-americana Harper's Magazine, o engenheiro aeronáutico e antigo conselheiro da Defesa, Pierre Sprey, afirmou que, depois de analisar os materiais publicados pelas duas partes, russa e turca, sobre o incidente, não tem dúvidas sobre a existência de uma cilada que a Força Aérea turca terá montado ao bombardeiro russo.

Segundo Sprey, a análise dos materiais evidencia que os aparelhos F-16 turcos não estavam apenas a patrulhar os céus, em missão de rotina. Pelo contrário, eles pairaram em torno do local, em círculos, durante cerca de uma hora e meia, esperando a presa.

Um detalhe interessante é o da altitude a que os caças turcos se mantiveram: uma altitude, na realidade, muito baixa, que lhes permitia não serem detectados por radares do lado sírio da fronteira. Do ponto de vista de Sprey, "eles não estavam a pairar a uma altitude elevada - digamos, uns trinta mil pés - para poupar combustível, que é onde normalmente se paira se se está simplesmente a fazer uma patrulha de rotina. Eles estavam a pairar muito baixo, a uns 7.500 ou 8.000 pés ... abaixo da cobertura dos radares sírios e russos próximos de Latakia".

Nas conclusão do perito, os aparelhos turcos "certamente não estavam a fazer nada que denote uma patrulha de rotina ao longo da fronteira".

Os bombardeiros russos tinham estado em missão cerca de oito quilómetros a sul da fronteira turca, numa zona que dizem ser um reduto importante da Frente al-Nusra e do Daesh ("Estado Islâmico").

Os F-16 turcos, que pairavam próximo desse local, terão recebido, por volta das 10h30 da manhã, instruções a partir do solo para abandonarem o circuito que faziam até aí. Dirigiram-se então para o ponto que lhes foi indicado a partir do solo, para atacarem os alvos.

Ainda segundo Sprey, a distância a que os aparelhos turcos se encontravam da sua base (cerca de 400 Km) e a sua altitude extremamente baixa sugerem que terão sido reabastecidos no ar - o que reforça as suspeitas de uma premeditação e de uma coordenação bem organizada com a base, para garantir o sucesso da emboscada.

Sprey nota que, depois de abaterem o SU-24, os caças turcos voltaram a mergulhar para altitude inferior a 8.000 pés, para escaparem aos radares, tendo então entrado no espaço aéreo sírio, e virando depois para norte em direcção à cidade curda de Diyarbakir, "nesse momento provavelmente já sem combustível e ligando-se com um avião-cisterna, para poder regressar à base".

O perito norte-americano não conseguiu concluir se é verdadeira a alegação de ter havido uma violação do espaço aéreo turco, mesmo que apenas pelos 17 segundos que a versão turca sustenta. De qualquer modo, diz ele, os F-16 não atacaram o SU-24 logo à primeira investida, antes esperaram e, "numa segunda investida, uns sete ou oito minutos depois, foi quando atacaram e o abateram".

Na sua análise, "entre o desperdício de combustível da baixa altitude a que pairavam os F-16, que milagrosamente coincidiram com os horários de voo dos aviões russos, e o facto de não o terem atacado logo que cometeu a sua alegada violação da fronteira, tudo isto cheira muito a operação pré-planeada".

E prossegue: "Uma emboscada deste tipo não seria difícil de montar, porque os russos, no seu detalhado relatório sobre o caso, afirmam claramente que se tinham coordenado com a NATO, com os americanos, anunciando este ataque [ao Daesh] e tinham seguido um protocolo de escuta numa frequência combinada com a NATO para quaisquer avisos ou alertas da NATO ou dos turcos".

As alegações turcas, segundo as quais os aparelhos russos foram avisados por rádio de que deveriam afastar-se, também não convencem Sprey: "Acontece que os SU-24s não têm rádios a bordo para receber sinais em frequência UHF - um facto que é bem conhecido da inteligência americana, da NATO e da Turquia". A conclusão mais plausível é, para Sprey, que "os turcos emitiram avisos por rádio ... e esses avisos foram propositadamente transmitidos apenas numa frequência civil internacional para que os SU-24 nunca os ouvissem".

Sobre a instalação dos mísseis S-400 terra-ar por parte da Rússia, efectuada após o incidente, Sprey admite que esse sistema não impede novos ataques turcos do mesmo tipo. Mas, logo acrescenta, certamente impedirá os aparelhos atacantes de voltarem sãos e salvos à sua base.
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