Robert Mugabe sai garantindo imunidade

por Graça Andrade Ramos - RTP
Robert Mugabe em agosto de 2008, numa visita a Joanesburgo, África do Sul Mike Hutchings - Reuters

Ainda não é oficial, mas várias fontes - militares e do principal partido do Zimbabué, a Zanu-PF - garantem que Robert Mugabe só consentiu abandonar a Presidência após garantir imunidade para si e para a sua mulher, Graça Mugabe.

A segunda condição, que também lhe terá sido concedida, é a licença para continuar a viver no país em plena segurança.

A CNN cita o coronel Overson Mugwisi, porta-voz das forças de Defesa do Zimbabué. Mugwisi confirmou à televisão norte-americana que um acordo seguindo este dois parâmetros foi concluído com Mugabe.

Um outro porta-voz, desta vez da Zanu-PF, foi por sua vez citado pela Bloomberg.

Simon Khaya Moyo confirmou que o Presidente demissionário garantiu imunidade e não será perseguido judicialmente pelos muitos crimes que lhe são imputados.
Moyo revelou que Mugabe será tratado como "herói" da independência, apesar de ter perdido o poder.
"Não há quaisquer planos para o antigo Presidente Robert Mugabe, ele é livre de ficar no Zimbabué e não irá ser perseguido", afirmou Moyo.

Acrescentou que nem o ex-Presidente nem a sua família são olhados como inimigos do Estado.

Mugabe, de 93 anos, foi Presidente do Zimbabué ao longo de 37 anos.
Um legado de morte e corrupção
Mugabe é acusado de ordenar uma série de massacres entre o início e os meados dos anos 80 do século passado, quando consolidava o seu poder após a independência. Cerca de 20.000 pessoas terão sido assassinadas.

Além disso, o seu estilo de vida luxuoso contrasta com a destruição económica de um país que já foi uma das nações mais ricas de África.

Mugabe é acusado de corromper todas as instituições para enriquecer e se manter na Presidência. Conduziu igualmente várias campanhas contra os fazendeiros brancos, expulsando-os e apropriando-se das suas fazendas.

A influência de Mugabe é tal que, mesmo sob prisão domiciliária e no poder dos militares, pode arrastar por uma semana as negociações para a sua saída. Além da imunidade e da garantia de permanência no país em plena segurança, Mugabe terá também conseguido manter várias das suas propriedades adquiridas ao longo de anos.

Na hora da vitória e tentando preservar uma sucessão tranquila, o Presidente designado, Emmerson Mnangagwa, pode contudo ser magnânimo.

Apelou por isso esta quinta-feira aos cidadãos do Zimbabué para se manterem calmos e aos seus apoiantes para refrearem desejos de vingança contra Mugabe e o grupo G40, cujos membros, não especificados, apoiaram o ex-Presidente e a Primeira Dama, Graça Mugabe.
Futuro incerto
A verdade é que o próprio Mnangagwa, de 75 anos, é visto por muitos no Zimbabué como o homem de mão de Mugabe, sendo ele mesmo responsável pelos massacres de Gukurahundi no início dos anos 80, onde milhares de civis da etnia Ndebele perderam a vida.

Mnangagwa, na altura ministro responsável pela Segurança do Zimbabué, sempre apontou o dedo ao exército, negando qualquer responsabilidade nos assassínios.

Por outro lado, sempre foi próximo de Mugabe, tendo sido afastado da vice-presidência - que detinha desde dezembro de 2014 - apenas pela rivalidade com Graça Mugabe, a ambiciosa Primeira Dama que pretendia suceder a Mugabe e via no primeiro vice-Presidente um empecilho. Mnangagwa afirma mesmo ter sido alvo de uma tentativa de envenenamento em agosto de 2017.

Depois de destituído repentinamente dia 6 de novembro, o vice-Presidente exilou-se na África do Sul e de lá organizou com o Exército, para quem é um herói, a destituição de Mugabe.

Reconhece que esteve sempre em contacto com o comando militar responsável pela operação que levou à ocupação de Harare e à prisão domiciliária do Presidente.
Apelo da oposição
Ao regressar ao país, esta quarta-feira, Mnangagwa foi acolhido em festa. Deverá ser nomeado Presidente interino esta sexta-feira, completando o mandato de Mugabe.

A sua proximidade e influência junto dos militares leva muitos a recear uma vaga de repressão violenta mal ele consolide a sua posição.

O principal partido da oposição, MDC-T, já pediu por isso garantias para que "os serviços de segurança, incluindo o exército, se mantenham afastados de quaisquer processos eleitorais, exceto quanto à manutenção da lei e da ordem", de acordo com um comunicado do seu secretário-geral Douglas Mwonzora.

O MDC-T apelou ainda a eleições "livres e justas" monitorizadas pelas Nações Unidas e apelou aos cidadãos do Zimbabué para votarem.
Pormenores do acordo
Sob anonimato e citadas pela agência Reuters, duas fontes governamentais próximas das negociações levantaram ligeiramente o véu do acordo alcançado e a reação de Mugabe à perda de poder e ao desejo de proteger a mulher, Grace.

O processo "foi muito emocional para ele e ele foi muito veemente" quanto ao seu desejo de viver e morrer no Zimbabué, afirmou uma das fontes.

"Para ele era muito importante que lhe fosse garantida segurança para ficar no país, apesar de que isso não o irá impedir de viajar para o estrangeiro quando quiser ou necessitar", acrescentou.O acordo prevê que Mugabe receba uma pensão, casa, seguro de saúde, segurança e provisão para férias e viagens, incluindo viagens aéreas limitadas.

Uma segunda fonte governamental afirma que o ex-Presidente se mantém firme embora abalado pela súbita perda de poder e todo o processo que levou à sua demissão.

O ponto de viragem para ele foi quando percebeu que iria ser destituído e afastado de forma indigna, refere. "Quando o processo - de destituição - começou, ele percebeu que tinha perdido o partido".

Robert e Grace Mugabe Foto: Reuters
Gucci Grace
Também Graça Mugabe estará a salvo de quaisquer problemas, por exigência do ex-Presidente.

A ex-Primeira Dama, muito mais nova que o marido, criou muitos anti-corpos no Zimbabué, pelo seu estilo de vida luxuoso e pela forma como tentou dominar a Zanu-PF.

"O Presidente está de saída e está obviamente consciente da hostilidade pública contra a sua mulher, da revolta nalguns círculos devido à forma como ela se comportou e abordou as políticas da Zanu-PF", referiu uma das fontes do Governo.

"Sob esse aspeto, tornou-se necessário também assegurar-lhe que toda a sua família, incluindo a mulher, estariam a salvo e em segurança", acrescentou.Mugabe poderá viajar nas próximas semanas para Singapura, para avaliações e exames médicos. Uma viagem que já estava prevista para meados de novembro, antes do seu afastamento.

A família Mugabe é oficialmente proprietária de uma empresa de lacticínios e detém várias quintas no Zimbabué.

Oficialmente, o Presidente afirma viver uma vida frugal e não deter propriedades no estrangeiro.

A imprensa local e internacional afirma contudo que Grace Mugabe - conhecida como Gucci Grace devido à sua mania por compras - detém várias propriedades e carros de luxo na Africa do Sul.

O mês passado, a divulgação de um litígio entre Grace e um empresário baseado na Bélgica, quanto a um anel de diamantes avaliado em 1.3 milhões de dólares, veio revelar um estilo de vida bem afastado da versão oficial.
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