Ouvida esta quarta-feira pelo Tribunal Internacional de Justiça, na Holanda, Aung San Suu Kyi assumiu a defesa do regime de Myanmar num processo aberto pela Gâmbia. Em causa está a perseguição da minoria muçulmana Rohingya no Estado birmanês de Rahkine. O ícone internacional da liberdade e da democracia caído em desgraça negou qualquer “intenção de genocídio”. Limitou-se a admitir que o exército possa ter exercido “força desproporcional”.
Ao reconhecimento de que as tropas birmanesas possam ter, a espaços, usado uma “força desproporcional” contra os Rohingya Aung San Suu Kyi somou a ideia de que tal não prova qualquer intenção de extermínio sistemático da minoria étnica.A defesa de Myanmar argui que o Tribunal Internacional de Justiça não é competente para apreciar um processo como este. Alega também que as operações do exército visam rebeldes Rohingyas e não populações civis.
“Infelizmente, a Gâmbia apresentou ao Tribunal um quadro enganador e incompleto da situação no Estado de Rahkine”, argumentou.
A Gâmbia reclama do principal órgão judiciário da ONU medidas de emergência para pôr cobro a “atos de genocídio em curso” em Myanmar. Este é um processo que poderá arrastar-se durante anos.
Na terça-feira, os advogados da Gâmbia denunciavam a instalação, em solo birmanês, de painéis em que Aung San Suu Kyi aparecia ao lado de três generais. O que, nas palavras do jurista Paul Reichler, só vem demonstrar que “a Birmânia não tem qualquer intenção de responsabilizar os seus dirigentes militares”.
“Cessar o genocídio”
Aung San Suu Kyi, outrora um rosto icónico da paz à escala global, compareceu no Tribunal Internacional de Justiça como voz de defesa da antiga Birmânia, cujo regime é instado a fazer “cessar o genocídio” da minoria Rohingya.
À cabeça da delegação de Myanmar, a Nobel da Paz em 1991 assume ela mesma a defesa diante de acusações compiladas pela Gâmbia: sucessivos massacres e ações de perseguição contra a minoria muçulmana num país maioritariamente budista.
O libelo acusatório foi preparado pela Gâmbia sob mandato dos 57 países-membros da Organização para a Cooperação Islâmica. Em concreto, o regime de Myanmar é acusado de violação da Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, aprovada em 1948.
Desde agosto de 2017, perto de 740 mil Rohingyas procuraram refúgio no Bangladesh, em fuga à perseguição que lhes é movida quer por milícias budistas, quer por forças regulares de Myanmar. Ações que os investigadores das Nações Unidas classificam como genocídio.
O colapso de um exemplo
O nome de Aung San Suu Kyi chegou a ombrear com figuras históricas da paz como o indiano Mahatma Gandhi, ou o sul-africano Nelson Mandela. Aos 74 anos, vive com a imagem internacionalmente manchada desde que, enquanto primeira-ministra de facto do Executivo da antiga Birmânia, governa este país com o beneplácito dos generais.
Ainda assim, Suu Kyi continua a poder contar com o apoio de uma importante porção da população birmanesa. Isso mesmo ficou patente na terça-feira, dia em que largos milhares dos seus simpatizantes saíram às ruas de diferentes cidades de Myanmar.
Horas antes desta primeira sessão no Tribunal Internacional de Justiça, a Administração norte-americana acentuou as sanções contra a liderança militar birmanesa, tendo por base os morticínios da minoria muçulmana do país.
O número um do exército de Myanmar, Min Aung Hlaing, o número dois Soe Win e os generais Than Oo e Aung Aung estão já impedidos desde julho de entrar nos Estados Unidos, sendo acusados de intervenção direta na “limpeza étnica” dos Rohingya.
c/ agências internacionais
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