Rússia, China, Brasil e Turquia recusam saudar Joe Biden como presidente-eleito dos EUA

por Graça Andrade Ramos - RTP
Vários países preferem aguardar o resultado das disputas legais antes de saudar o democrata Joe Biden como Presidente eleito dos Estados Unidos da América Reuters

Este fim de semana, Governos do mundo inteiro, incluindo Portugal, decidiram-se a cumprimentar Joe Biden pela sua eleição para a presidência dos Estados Unidos da América. Houve contudo algumas notáveis exceções, que insistem em resistir à maré.

A maioria diz preferir aguardar para ver o resultado das numerosas ações judiciais interpostas por Donald Trump, por alegadas fraudes nos votos por correspondência. Outros nem sequer reagiram.

Entre estes últimos encontra-se o Brasil. Até segunda-feira à tarde, o Presidente Jair Bolsonaro, um confesso apoiante de Donald Trump, mantinha silêncio sobre a eleição do democrata para a Casa Branca.

O vice-presidente brasileiro, Hamilton Mourão, explicou aos jornalistas a sua interpretação da estratégia decidida pelo Planalto.

"Eu julgo que o Presidente está aguardando terminar esse imbróglio aí de discussão se tem voto falso, se não tem voto falso, para dar o posicionamento dele (...) É óbvio que o Presidente na hora certa vai transmitir os cumprimentos do Brasil a quem for eleito", afirmou. "Vamos esperar. É uma pergunta prudente. Acredito que esta semana o que está pendente será definido e depois nos prepararemos para uma nova relação com quem tiver de se estabelecer", acrescentou Mourão.

Joe Biden sempre foi extremamente crítico de Bolsonaro, especialmente quanto aos incêndios na Amazónia, cuja responsabilidade os ambientalistas não hesitam em atribuir à estratégia ambiental do Presidente brasileiro. Biden afirmou que iria conversar com outros países para oferecer ao Governo de Bolsonaro a quantia de 20 mil milhões de dólares [16,8 mil milhões de euros] para por fim à destruição da maior floresta tropical do mundo. O Presidente brasileiro reagiu imediatamente e advertiu que "não aceitava subornos".

Também Andrés Manuel López Obrador, o presidente do México, que se travou de razões com Donald Trump devido à construção de um muro anti-imigração entre os dois países, vai guardar para outra ocasião os seus cumprimentos.

No seu caso, será a própria Constituição mexicana que o impede de se pronunciar, tal como explicou sábado passado. "Como pode um Presidente do México fazer de juiz e dizer este candidato venceu?", perguntou em conferência de imprensa. Esta segunda-feira o líder mexicano reiterou que não irá reconhecer um vencedor da eleição enquanto as disputas legais não se resolverem. Obrador sublinhou que não tem qualquer "problema" com Biden.
Rússia, China, uma mesma estratégia
Explicação semelhante é invocada por Moscovo para o silêncio de Vladimir Putin. O Presidente russo aguarda o anúncio do resultado oficial das eleições presidenciais norte-americanas para felicitar o vencedor, após o Presidente Donald Trump contestar a vitória anunciada de Joe Biden na Justiça, informou o Kremlin.

Putin, acusado pelo Partido Democrata norte-americano de ter ajudado à eleição de Donald Trump em 2016, felicitou-o nesse ano pouco após as projeções dos media norte-americanos lhe darem a vitória. O porta-voz da Presidência russa, Dmitri Peskov, argumentou agora que nessa altura "não havia contestação jurídica dos resultados".

"Consideramos que é correto esperar os resultados oficiais das eleições. Quero recordar que o Presidente Putin disse muitas vezes que respeitará a escolha do povo norte-americano, seja ela qual for", disse Peskov aos jornalistas.

Já a China, apesar de quatro anos de tensões e disputas com Donald Trump, preferiu igualmente a voz da prudência. Pequim disse ter tomado nota da declaração de vitória de Joe Biden na eleição presidencial norte-americana, mas decidiu aguardar.

O porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China, Wang Wenbin, afirmou esta segunda-feira, "notei que o sr. Biden declarou vitória nesta eleição". E acrescentou, "tanto quanto sabemos, o resultado da eleição será determinado à luz das leis e procedimentos jurídicos norte-americanos". Pequim e o Presidente Xi Jinping irão "seguir as normas internacionais para expressar os seus sentimentos", uma estratégia alegadamente reveladora do respeito chinês para com os Estados Unidos da América como um todo.

Joe Biden referiu-se no passado ao Presidente chinês como "um bandido" e prometeu liderar uma campanha para "pressionar, isolar e castigar a China", provavelmente para capitalizar em parte a estratégia bem sucedida de Trump do ponto de vista da economia norte-americana. A estratégia que irá seguir deverá contudo ser mais contida e multilateral, acreditam os analistas.
O silêncio vale mil palavras
Há ainda mais silêncios reveladores, como os da Turquia, de Reccep Tayyip Erdogan, ou da Coreia do Norte, de Kim Jong Un.

Este último encontrou-se com Donald Trump por três vezes e, apesar de nada de palpável ter sido conseguido nesses encontros quanto ao abandono do programa nuclear norte-coreano, e de a aproximação ter servido mais os interesses de Kim do que de Trump, os encontros marcaram a política norte-americana.

Joe Biden demarcou-se da estratégia de Trump, garantindo que "os dias de aconchego com ditadores chegaram ao fim", numa referência clara ao Presidente norte-coreano, que também considera um "bandido". Apesar das suas críticas acesas durante a campanha, Biden admitiu nalguns comícios estar disposto a encontrar-se também com Kim Jong Un, se PyongYang se mostrasse disposta a tornar a Coreia uma península "livre de armas nucleares".

Uma vez que o investimento na ameaça atómica é uma das prioridades de Kim, o absoluto silêncio dos jornais em PyongYang quanto às eleições norte-americanas parece resposta suficiente. O desprezo por parte do norte-coreano, que no passado chamou a Biden "um indivíduo de baixo QI", que "é dominado pela ambição do poder", também não augura relações fáceis.

Além de que a influência de Trump não será assim tão fácil de apagar, como referiu Michael McFaul, um ex-embaixador na Rússia sob Barack Obama.

"Não se pode simplesmente fazer um reset ao que era há quatro anos. Particularmente quanto à Europa e à Ásia, e à inteligência que será aplicada ao refazermos alianças para lidar com ameaças da China e da Rússia, serão uns dos maiores desafios de Biden", realçou.

a Turquia limitou-se a dizer que irá trabalhar com a próxima Administração norte-americana, sem mencionar quem a irá liderar. O executivo turco nem se dignou comentar qualquer cenário e foi o porta-voz do partido do Presidente Erdogan, o AKP, quem clarificou a questão. O país irá cumprimentar o vencedor depois dos resultados finais, afirmou esta segunda-feira.

Ancara tem-se desentendido com Washington quanto a questões chave, desde diferendos quanto à política na Síria até à compra de sistemas de defesa anti-mísseis russos.
Reticências no Médio Oriente
Outro sinal de que a vida para Joe Biden não será fácil num mundo pós-Trump, está na demora de um dia da Arábia Saudita, e de 15 horas da Autoridade Palestiniana, em saudar a sua eleição como o próximo Presidente.

Os palestinianos vêem no democrata a sua derradeira esperança de recuperar influência e apoios aos seus planos de formar um Estado ao lado de Israel, partilhando Jerusalém como capital. A recente distensão nas relações entre Israel e alguns países árabes, sob influência de Trump, fazem-nos hesitar na estratégia a seguir, até porque Biden já garantiu que irá prosseguir com os esforços do antecessor.

Já Riade, que colaborou nos bastidores com a Administração Trump nessa mesma distensão, e cujo Príncipe herdeiro é considerado próximo do ainda Presidente norte-americano, terá preferido a prudência antes de aceitar um compromisso formal com um novo inquilino na Casa Branca.

Também o Irão, embora agradado com a eventualidade da derrota de Donald Trump, se mostrou cético quanto a Biden.
 
Trump fez do Irão um dos alvos favoritos e denunciou sucessivamente nos últimos quatro anos a duplicidade do Governo de Teerão, tendo denunciado o Acordo para o Programa Nuclear Iraniano assinado por Obama e voltado a impor uma lista interminável de sanções a individualidades e a empresas iranianas.

O Presidente Hassan Rouhani, citado domingo pelos media estatais, aconselhou o democrata a "reparar os danos" causados pelas políticas de Donald Trump quanto ao Irão e considerou a vitória do democrata como "uma oportunidade" para o próximo governo nos Estados Unidos "regressar ao caminho de adesão aos compromissos internacionais com respeito pelas regras globais".

O Supremo Líder iraniano Ali Khamenei preferiu chamar a atenção para o "espetáculo" dado pela contagem dos votos na passada semana. "Isto é um exemplo da cara feia da democracia liberal nos EUA", referiu na rede social Twitter. "Qualquer que seja o resultado, uma coisa é absolutamente clara: o declínio político, civil e moral definitivo do regime norte-americano", acrescentou.

c/agências
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