Com Biden palestinianos admitem fim do boicote às negociações

por Graça Andrade Ramos - RTP
Joe Biden, então vice-presidente dos EUA, em Ramallah, Cisjordânia, com o presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas, em março de 2010 Reuters

Para o presidente da Autoridade Palestiniana, Mammoud Abbas, a entrada de Joe Biden na Casa Branca será um suspiro de alívio e o fim esperado de um crescente isolamento palestiniano na cena internacional devido às políticas seguidas por Donald Trump, desde 2017.

O mesmo esperam os cidadãos da Cisjordânia, que vieram para a rua celebrar a maioria alcançada por Biden no Colégio Eleitoral, que lhe abre as portas da presidência norte-americana.

Nabil Shaat, um alto responsável palestiniano, admitiu este domingo ao jornal de língua hebraica, Israel Hayom, que Abbas tem mantido contactos com Joe Biden, sobre formas de desfazer muita da política pró-israelita de Trump.

Em cima da mesa, e só para começo de conversa, estará a reversão da ida da embaixada norte-americana para Jerusalém, com o seu regresso a Tel Aviv. Essa será mesmo a principal condição para o regresso da Autoridade Palestiniana às negociações com Israel, referiu Shaat.

Os palestinianos, que reivindicam a parte leste de Jerusalém como capital, viram na decisão de Trump um sério revés para as suas pretensões de dois Estados sob a mesma capital e um claro sinal de favoritismo em prol de Israel. Mas essa esteve longe de ser a sua principal razão de queixa.

Em 2018, o corte do financiamento norte-americano - mais de 300 milhões de dólares anuais - à Agência das Nações Unidas para os Refugiados, foi especialmente sentido.

"A derrota de Trump é um ganho para nós, o povo palestiniano, porque ele vendeu a causa palestiniana", reagiu Anwar Abu Amira, de 38 anos e refugiado do Campo da Praia de Gaza. "Desde que ele assumiu o cargo até o perder, procurou fazer desaparecer a identidade palestiniana", acusou.

Nos últimos três anos, a "política hostil" da Administração Trump levou a Autoridade Palestiniana a boicotar contactos com a Casa Branca, com o aplauso dos seus conterrâneos.

A situação poderá mudar, bastando que Joe Biden ganhe, referiu Bassam al-Salhe, um dos altos responsáveis da Organização de Libertação da Palestina, OLP, à Agência Reuters.

"Quando Biden anunciar que isto vai mudar - e ele já o anunciou durante a sua campanha eleitoral - não haverá razões para o boicote", explicou.

A questão poderá ser mais complicada do que estas palavras implicam, já que, em três anos, os esforços de Trump reforçaram a posição de Israel na região árabe, em detrimento da causa palestiniana.
Dilema palestiniano
Reverter a decisão de mudar a embaixada seria um bom princípio, mas as exigências palestinianas não se ficam por aí.

Joe Biden Presidente teria de reabrir a missão diplomática da Autoridade Palestiniana em Washington e retomar o apoio financeiro a Ramallah e às agências das Nações Unidas que assistem os palestinianos. Também as negociações com Israel teriam de ser retomadas onde ficaram em 2016, sob a então mediação da Administração Obama.

De toda esta lista, a do apoio financeiro à Cisjordânia e a Gaza será a mais simples para Biden, que aliás fez disso uma promessa de campanha. Voltar a condenar os colonatos israelitas e exprimir o apoio à solução dos dois Estados, que tem ainda de sair do papel, também será fácil.

Outras decisões serão mais complicadas, e a reversão de morada da embaixada norte-americana em Israel é por isso tida como pouco provável. Até porque Biden aplaudiu a maior vitória de Donald Trump na cena internacional, a do estabelecimento de relações oficiais este verão entre Israel e países como os Emirados Árabes Unidos, o Bahrein e o Sudão, severamente criticados pelos palestinianos.

Ciente destas reticências, Abbas deixou passar mais de meio dia antes de cumprimentar Joe Biden pela "sua vitória como Presidente dos Estados Unidos da América para o próximo período".


No comunicado emitido pelo seu gabinete na cidade de Ramallah, na Cisjordânia, Abbas afirmou ainda "estar ansioso por trabalhar com o Presidente-eleito e a sua Administração, para reforçar as relações palestino-americanas de modo a alcançar a liberdade, a independência, a justiça e a dignidade para o nosso povo".

O eventual apoio de Biden à causa de Abbas, que irá empurrá-lo a retomar as negociações com Israel, poderá entretanto complicar os esforços da Autoridade Palestiniana para reatar laços com o Hamas, que lidera na Faixa de Gaza, lembrou à Reuters o analista Hani Habib.

Os problemas palestinianos não estarão, contudo, no topo das prioridades da política externa de Joe Biden. "Ele tem problemas mais imediatos, como o Irão, a NATO e a aliança com a Europa", considerou Habib.
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