Sem acordo sobre ativos russos. UE opta por empréstimo de 90 mil milhões para socorrer Ucrânia

A cimeira de líderes da União Europeia, em Bruxelas, concluiu mais de 12 horas de discussões sem um entendimento quanto ao recurso a ativos russos congelados para apoiar o esforço de guerra da Ucrânia. A solução de recurso, talhada a partir das 2h00, vai passar por um empréstimo, em comum, a dois anos, de 90 mil milhões de euros.

Andrea Neves - correspondente da Antena 1 em Bruxelas/ Carlos Santos Neves - RTP /
Stephanie Lecocq - Reuters

O presidente do Conselho Europeu estimou esta sexta-feira, no culminar dos trabalhos da cimeira de líderes dos Estados-membros da União, em Bruxelas, que o bloco cumpriu aquilo com que se comprometeu relativamente à Ucrânia. Contudo, não foi possível chegar a acordo sobre o recurso a ativos russos congelados. A fórmula passará por contrair um empréstimo de 90 mil milhões de euros nos mercados, ou seja, dívida conjunta. Ainda assim, sem obrigações para Hungria, Eslováquia e República Checa.

“Comprometemo-nos e cumprimos. Em outubro, decidimos que a União Europeia iria cobrir as necessidades financeiras urgentes da Ucrânia para 2026 e 2027. Na semana passada, decidimos que a Rússia não recuperará seus ativos até que Moscovo cesse sua agressão. Hoje, aprovamos uma decisão para fornecer 90 mil milhões de euros à Ucrânia nos próximos dois anos”, sintetizou António Costa no termo da maratona de conversações.

“Com urgência, concederemos um empréstimo garantido pelo orçamento da União Europeia. Isso atenderá às necessidades financeiras urgentes da Ucrânia e a Ucrânia só reembolsará esse empréstimo quando a Rússia pagar as reparações", acrescentou.O presidente do Conselho Europeu admitiu que não foi possível, por agora, chegar a um acordo sobre a utilização dos bens russos congelados, uma via inédita que o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, chegou a classificar como um prelúdio de guerra com a Rússia, na antecâmara da reunião de líderes.

A União Europeia, prosseguiu António Costa, não prescinde de vir a recorrer, no futuro, aos ativos russos para pagar o empréstimo que se prepara agora para contrair nos mercados, sustentando que a decisão adotada em Bruxelas constitui uma mensagem clara para o Kremlin.
“A União reserva-se o direito de utilizar os bens imobilizados para amortizar este empréstimo. Simultaneamente, demos um mandato à Comissão para que continue a trabalhar no empréstimo de reparação com base em bens imobilizados russos”, vincou.A partir de Washington, o presidente norte-americano, Donald Trump, voltou a instar a Ucrânia a “agir rapidamente”, antes de a Rússia “mudar de ideias”.

“A mensagem que enviamos hoje à Rússia é cristalina: primeiro, não alcançaram os vossos objetivos na Ucrânia; segundo, a Europa está com a Ucrânia hoje, amanhã e enquanto for necessário; terceiro, a Rússia deve sentar-se à mesa de negociações de forma séria e aceitar que não vencerá esta guerra”, rematou Costa.
“É uma posição forte”
A procurar afinar pela mesma nota dominante, Luís Montenegro descreveu a cimeira como complexa, mas com um resultado, na sua perspetiva, satisfatório.

“O que eu posso dizer é que, efetivamente, é uma posição forte da União Europeia. É uma expressão de unidade. Nós fomos tão longe quanto era necessário. O que era necessário era garantir este apoio e garanti-lo de forma imediata e é isso que está consagrado a todas as condições para operacionalizar esta decisão nos próximos dias”, afirmou o primeiro-ministro português.Ao longo de mais de 12 horas, os chefes de Estado e de governo da União Europeia trabalharam na hipótese de usar os ativos russos imobilizados na Bélgica para atribuir um empréstimo à Ucrânia. Todavia, a França considerou que a Bélgica, onde esses ativos estão depositados, estava a pedir garantias ilimitadas e não foi possível avançar.

Foi pelas 2h00 desta sexta-feira que o plano B começou a ganhar forma: dívida conjunta.“É uma mensagem decisiva para pôr fim à guerra, pois Putin não fará concessões até compreender que a guerra não lhe trará nada”, propugnou o chanceler alemão, Friedrich Merz.

Os relógios marcavam as 3h00 quando ficou decidido que se recorreria aos mercados, sem que tal comportasse custos para Hungria, Eslováquia e República Checa, opositoras a qualquer forma de ajudar Kiev.
Andrea Neves - Antena 1

“É verdade que há vontade de utilizar os ativos imobilizados da Rússia para poderem contribuir com uma solução que seja técnica e juridicamente consistente e robusta para este financiamento", insistiu Montenegro.

Ou seja, o recurso aos ativos não estará completamente afastado. Mas ainda há detalhes por acertar.

“Neste momento nós não temos forma de poder apurar em concreto, exatamente, esse custo. O que podemos dizer é que a intenção dos Estados-membros é diminuí-lo, se não mesmo eliminá-lo. E uma das formas de o fazer é precisamente a utilização dos ativos russos imobilizados. Evidentemente que nós não podemos esconder que esta solução obriga à emissão de dívida, que isso não é isento de um custo”.
“Um apoio importante”

Por sua vez, o presidente ucraniano reagiu ao resultado da cimeira com a saudação a “um apoio importante que reforça verdadeiramente” a “resistência” do seu país.

“É importante que os ativos russos continuem imobilizados e que a Ucrânia tenha recebido uma garantia de segurança financeira para os anos vindouros”, escreveu Volodymyr Zelensky no X.


As necessidades financeiras de Kiev estão nesta altura avaliadas em 137 mil milhões de euros. Dois terços serão cobertos pela União Europeia e o restante deverá ficar a cargo de outros aliados do país invadido pela Rússia de Vladimir Putin, como o Canadá e a Noruega.
Acordo com Mercosul adiado

Quanto ao segundo capítulo desta cimeira, o acordo com o Mercosul, a presidente da Comissão Europeia revelou que, dos trabalhos, sai um reforço do caminho para a assinatura. A celebração deveria ocorrer no sábado, mas a viagem ao Brasil fica adiada para janeiro, com o acordo dos parceiros da América Latina.

“Esta noite, alcançámos um avanço significativo que pavimentará o caminho para a conclusão bem-sucedida do Acordo do Mercosul em janeiro”, afirmou Ursula von der Leyen.“Precisamos de algumas semanas adicionais para resolver algumas questões com os Estados-membros e, por isso, entramos em contato com nossos parceiros do Mercosul e concordámos em adiar ligeiramente a assinatura”.


Ainda segundo a presidente do Executivo comunitário, “este acordo é de importância crucial para a Europa nos âmbitos económico, diplomático e geopolítico”: “Abre novas oportunidades comerciais e económicas para todos os nossos Estados-membros e, com verificações e salvaguardas adicionais, incluímos todas as proteções necessárias para nossos agricultores e consumidores”.

Luís Montenegro posicionou-se, durante os trabalhos, a favor da concretização do acordo de comércio, apesar das dúvidas manifestadas por França e Itália.

“Tenho vindo a reiterar, Conselho após Conselho, que é um sinal de fraqueza a falta de passarmos a implementação deste acordo que demorou 25 anos a alcançar, é fruto também aí de uma discussão acesa”, enfatizou o primeiro-ministro.

“Posso transmitir-vos que há uma pré-decisão de que isso acontecerá nas próximas semanas, no espaço máximo de um mês. As resistências que ainda há em alguns Estados-membros estão praticamente ultrapassadas. E porque entendemos mesmo que a nossa credibilidade, do ponto de vista da estratégia económica, também depende de sermos consequentes com as decisões que tomamos”, concluiu.
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