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Sentimento de culpa e frustração. A cronologia dos depoimentos do julgamento Floyd

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Jane Rosenberg - Reuters

Os EUA seguem desde a passada segunda-feira, através da televisão, o julgamento de Derek Chauvin, o ex-agente da polícia de Minneapolis acusado de homicídio em segundo e terceiro grau do afro-americano George Floyd. Durante estes quatro dias de julgamento foram já ouvidas várias testemunhas, que se debateram sobre o que poderiam ter feito para impedir a morte de Floyd. As testemunhas dizem ter "assistido a um homicídio" e a equipa da acusação defende que Chauvin usou "força excessiva e despropositada".

Derek Chauvin, de 45 anos, pressionou o pescoço de Floyd com o seu joelho durante mais de oito minutos, levando o afro-americano a apelar à ajuda, repetindo várias vezes que não conseguia respirar.

“I can’t breath” (“não consigo respirar”, em português) tornou-se o slogan do movimento Black Lives Matter e dos protestos que se seguiram nos EUA após a morte de Floyd, a 25 de maio de 2020. O polícia incorre em até 40 anos de prisão caso seja condenado pela acusação mais grave.

Estão convocadas mais de 400 testemunhas e o julgamento tem já mais de um mês de sessões agendadas. O veredito é esperado para o final de abril ou início de maio, sendo que os 12 jurados terão de decidir por unanimidade, sob pena de o julgamento ser considerado nulo.
Dia 1 do julgamento: Chauvin acusado de uso de “força excessiva e despropositada”
No primeiro dia do julgamento de Derek Chauvin, a 29 de março, familiares e advogados da vítima ajoelharam-se em frente ao tribunal de Minneapolis durante oito minutos e 46 segundos, o mesmo tempo que George Floyd esteve preso ao chão sujeito à força do joelho do polícia Chauvin.

No início do julgamento, a acusação começou por mostrar as imagens do vídeo gravado por transeuntes do momento da detenção de Floyd na sequência da qual morreu. O afro-americano foi detido depois de feito um pagamento com uma nota falsa de 20 dólares.

Nas imagens é possível ver Floyd a ser retirado do carro onde seguia sem resistir à polícia e, depois, um agente (Derek Chauvin) a colocar o joelho no pescoço do detido e a pressioná-lo durante cerca de nove minutos, com o afro-americano a dizer que não consegue respirar, até ficar inconsciente. As imagens deste vídeo – que se tornou viral nas redes sociais e se espalhou pelos meios de comunicação de todo o planeta – serão uma das provas essenciais da acusação contra Chauvin.
Por sua vez, a defesa dos polícias monta o caso sobre o passado criminal de George Floyd e da sua toxicodependência. Apesar de a autópsia ter concluído que o afro-americano morreu por asfixia, a defesa questiona a causa de morte, uma vez que também foi detetado na autópsia fentanil e metanfetamina na corrente sanguínea de Floyd.

Os procuradores de acusação insistem que Floyd morreu por asfixia mecânica. Jerry Blackwell, procurador de acusação, admitiu na sua intervenção inicial que a polícia “faz um trabalho difícil e, às vezes, tem de tomar decisões numa fração de segundo”, mas explicou que “este não foi um desses casos”.

“Este caso durou 479 segundos. Não foi uma fração de segundo”, disse o procurador, alegando que Chauvin “traiu o seu juramento profissional” e que usou “força excessiva e desproporcionada”, provocando a morte do afro-americano.

“Vamos provar sem sombra de dúvida que o senhor Chauvin está longe de ser inocente”, disse Blackwell.
Dia 2 do julgamento: testemunhas dizem ter “assistido a um homicídio”
No segundo dia do julgamento, que decorreu na passada terça-feira, foram ouvidas várias testemunhas. Entre elas está Donald Williams, um ex-lutador que foi treinado em artes marciais, incluindo em estrangulamentos. Williams disse em tribunal que sentiu estar a assistir a um “assassínio” quando viu o agente Derek Chauvin permanecer vários minutos com o joelho sobre o pescoço do afro-americano de George Floyd.

“Ele apagou-se lentamente… como um peixe num saco”,
disse Williams, cujo telefonema para o serviço de emergência, no dia da morte de Floyd, foi ouvido em tribunal, a pedido do procurador Mathew Frank.

Nesse telefonema, Donald Williams disse aos técnicos de emergência que Chauvin estava a manter o joelho sobre Floyd, atentando contra a vida do afro-americano, apesar dos avisos dos transeuntes que assistiam ao episódio. Nesse telefonema, ouve-se ainda Williams gritar para os polícias, dizendo que eles eram “assassinos”.

No seu testemunho perante o júri, Williams disse também que Chauvin usou uma espécie de movimento de dança para aumentar a pressão sobre o pescoço de Floyd, cortando-lhe a circulação de sangue, à medida que a voz do afro-americano ia ficando mais ténue.

Eric Nelson, o advogado do agente policial acusado do homicídio de George Floyd, procurou demonstrar que Chauvin e os seus colegas se encontravam numa situação cada vez mais tensa e perturbadora, rodeados por uma multidão que lhes gritava e que se tornou ameaçadora, o que distraiu os agentes de fazerem o seu trabalho.

Nelson disse que, no local da detenção de Floyd, Donald Williams ia mostrando cada vez mais ira contra os agentes, provocando Chauvin com insultos que o advogado repetiu em tribunal. No seu depoimento, Williams reconheceu que estava zangado e irritado, mas que depois se controlou e se limitou a implorar pela vida de Floyd.

Entre os relatos feitos na segunda sessão do julgamento está ainda o de Genevieve Hansen, bombeira e médica de Minneapolis que recordou perante o tribunal o dia em que estava de folga e que durante uma caminhada avistou a patrulha e Floyd, que lutava para conseguir respirar.

Hansen aproximou-se de Floyd e ofereceu-lhe cuidados médicos, mas foi impedida pelos agentes. “Percebi logo que ele [Floyd] estava alterado e nos nossos treinos aprendemos que é um dos sinais que indicam que a pessoa precisa de cuidados médicos”, explicou a bombeira, que diz ter ficado “completamente perturbada” e frustrada por ter sido incapaz de ajudar o afro-americano. “Acreditei que tinha assistido a um homicídio”, disse a bombeira.
A jovem adolescente que filmou e divulgou o vídeo do momento da detenção e morte de Floyd foi também uma das testemunhas ouvidas durante o segundo dia do julgamento. De lágrimas nos olhos, Darnella Frazier, de 18 anos, descreveu o olhar de Chauvin quando olhou para as pessoas que assistiram ao crime: “Ele simplesmente fixou o olhar em nós, olhou para nós. Tinha um olhar frio, cruel. Não se importou [de estar a matar uma pessoa]. Parecia que não queria saber do que estávamos a dizer”.

A testemunha também disse que Tou Thao, também polícia na altura, e os outros agentes estavam preparados para agredir as cerca de 15 pessoas que pediam a Derek Chauvin para deixar Floyd respirar. “Colocaram as mãos nos cassetetes e nós recuámos”, referiu Darnella Frazier.
Dia 3 do julgamento: filmagens mostram reação de Chauvin após Floyd entrar na ambulância
No terceiro dia do julgamento, as testemunhas debateram-se sobre o que poderiam ter feito para impedir a morte de Floyd.

O depoimento de Christopher Martin, o funcionário da loja onde Floyd tentou comprar tabaco com uma nota falsa, ofereceu, pela primeira vez, uma imagem mais nítida do que sucedeu nos momentos antes de o afro-americano ter sido detido.

Nas imagens de vigilância da loja, Floyd é visto no balcão a pagar um maço de tabaco com uma nota de 20 dólares. Martin, o balconista de 19 anos, diz que reconheceu de imediato que a nota era falsa e pensou, por um momento, em não abordar o assunto e substituir a nota por uma sua. “Achei que George não sabia realmente que era uma nota falsa e, por isso, estava a fazer-lhe um favor”, testemunhou Martin.

No entanto, Martin mudou de ideias e acabou por denunciar o facto ao seu superior. A pedido do gerente da loja, Martin confrontou Floyd e exigiu que este pagasse a dívida ou que fosse falar com o gerente. O afro-americano recusou e, de seguida, o gerente da loja pediu a outro funcionário para chamar a polícia.

Depois disso, a situação rapidamente escalou. “Eu vi pessoas a gritar. Vi Derek [Chauvin] com o joelho no pescoço de Floyd”, testemunhou o jovem funcionário. “George estava imóvel. Chauvin parecia estar em estado de repouso, o que significa que ele estava a apoiar o joelho no pescoço de Floyd”, acrescentou Martin.

O procurador questionou, de seguida, Martin sobre o que sentiu ao ver estas imagens. “Incredulidade e culpa”, respondeu o jovem funcionário. “Se eu simplesmente não tivesse aceitado a nota, isto podia ter sido evitado”, acrescentou.

Os jurados também puderam assistir à detenção de Floyd da perspetiva das câmaras de cada um dos agentes, nomeadamente da câmara que Chauvin carregava no seu equipamento.

As filmagens mostraram os agentes a confrontar Floyd, de armas em punho, enquanto o afro-americano estava sentado no seu carro. “Por favor, não disparem”, disse Floyd, a chorar.
Mais tarde, os polícias são vistos a tentar colocar Floyd na traseira de um veículo da polícia. Floyd é visto a dizer aos agentes repetidamente que é claustrofóbico e que está assustado, mas os polícias continuam a forçá-lo a entrar na viatura.

Embora Floyd estivesse claramente perturbado, ele nunca pareceu representar uma ameaça para os agentes. Enquanto o detinham no chão ao lado do veículo, as câmaras capturaram as palavras que foram repetidas por milhares de manifestantes durante os protestos do ano passado: "Eu não consigo respirar." Depois de alguns minutos, o Floyd ficou em silêncio. “Acho que ele desmaiou”, disse um agente. Quando outro agente disse a Chauvin que não conseguia sentir o pulso de Floyd, o ex-polícia que agora é acusado de homicídio em segundo grau parecia impassível.

Momentos depois de Floyd ser levado numa ambulância, Chauvin foi confrontado por uma testemunha que questionou o facto de ter pressionado o seu joelho sobre o pescoço do afro-americano durante mais de oito minutos. “Essa é a opinião de uma pessoa”, ouve-se Chauvin responder através das filmagens. “Tivemos de controlar este homem porque ele é um homem grande. Parece que ele está provavelmente sob o efeito de alguma coisa”, acrescentou. A defesa de Chauvin afirma que o uso de força por parte do ex-agente foi “aceitável” porque Floyd estava sob a influência de drogas no momento da sua detenção. Eric Nelson, o advogado de Chauvin, disse ainda no julgamento que as drogas contribuíram para a morte de Floyd.

A acusação reconhece o uso de drogas, mas defende que tal não justifica que Chauvin tivesse continuado a pressionar o pescoço de Floyd, mesmo quando o afro-americano dizia repetidamente que não conseguia respirar.

Os interrogatórios continuam esta quinta-feira, no quarto dia do julgamento. Courteney Ross, na altura namorada de George Floyd, foi a primeira testemunha a ser chamada pelos procuradores. O seu depoimento focou-se na relação de Floyd com as drogas.

Na lista de testemunhas ouvidas até ao momento neste quarto dia de julgamento está também Seth Bravinder, um paramédico do município de Hennepin que estava de serviço no dia em que Floyd morreu. Bravinder explicou que Floyd estava já sem vida quando chegou ao local do crime. “Não vi qualquer respiração ou movimento”, disse o paramédico.

A câmara municipal de Minneapolis, que decidiu levar a cabo uma reforma profunda da polícia, aceitou, em meados de março, pagar cerca de 23 milhões de euros por danos à família de George Floyd, como forma de fechar uma reclamação civil.

O advogado de Derek Chauvin criticou o acordo, que, segundo afirmou, pode influenciar os jurados.

Os outros três polícias envolvidos na morte de Floyd (Alexander Kueng, Thomas Lane e Tou Thao) só serão julgados por “cumplicidade no homicídio” em agosto, devido à pandemia da Covid-19.

c/agências
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