"Seu lugar é no lixo". Bolsonaro critica protestos originados por homicídio de homem negro

por Joana Raposo Santos - RTP
A morte de um homem negro às mãos de dois seguranças de supermercado levou às ruas do Brasil milhares de pessoas em protesto contra a injustiça racial. Diego Vara - Reuters

Um dia depois da morte de João Alberto Silveira Freitas, um negro que foi espancado por seguranças de um supermercado da cidade brasileira de Porto Alegre e cujo falecimento originou protestos por todo o país, o presidente Jair Bolsonaro declarou que o lugar daqueles que "instigam o povo à discórdia" e promovem conflitos "é no lixo". Já o seu vice, Hamilton Mourão, disse não existir racismo no Brasil.

João Alberto Silveira Freitas, conhecido por Beto, entrou num supermercado da cadeia Carrefour em Porto Alegre, na quinta-feira. Depois de entrar numa discussão com uma funcionária, esta chamou os seguranças do espaço, que levaram o homem até ao parque de estacionamento.

Foi lá que Beto Freitas foi espancado até à morte. Imagens de vídeo mostram os seguranças a esmurrarem a vítima e a colocarem joelhos sob o corpo do homem para o imobilizarem.

Os dois seguranças, brancos, estão agora a ser investigados por homicídio, tendo já sido comprovado que a vítima morreu por asfixia e que não se conseguiu defender dos ataques. Um dos homens é um polícia que trabalhava como segurança do supermercado quando não estava em serviço.

O incidente levou às ruas do Brasil milhares de pessoas em protesto contra a injustiça racial. Em Brasília, dezenas de pessoas entraram num Carrefour enquanto repetiam que “as vidas negras importam”, replicando o hino do movimento Black Lives Matter. “Não façam compras no Carrefour. Podem morrer”, lia-se num dos cartazes.

Foto: Adriano Machado - Reuters

Em São Paulo, manifestantes partiram as monstras de um dos supermercados desta cadeia, espalharam os produtos das prateleiras pelo chão e atearam um fogo que os funcionários rapidamente conseguiram extinguir.

Em resposta a estes protestos, o Presidente do Brasil afirmou que “aqueles que instigam o povo à discórdia, fabricando e promovendo conflitos, atentam não somente contra a nação, mas contra a nossa própria história”.

“Quem prega isso está no lugar errado. Seu lugar é no lixo!”, escreveu nas redes sociais Jair Bolsonaro, que não mencionou nem lamentou a morte de Beto Freitas.
“Não nos deixemos ser manipulados por grupos políticos”, diz Bolsonaro
Para o presidente Bolsonaro, “o Brasil tem uma cultura diversa, única entre as nações”. “Somos um povo miscigenado. Brancos, negros, pardos e índios compõem o corpo e o espírito de um povo rico e maravilhoso”, considerou, acrescentando que nesse país se pode “contemplar uma diversidade maior do que países inteiros”.

“Foi a essência desse povo que conquistou a simpatia do mundo. Contudo, há quem queira destruí-la, e colocar em seu lugar o conflito, o ressentimento, o ódio e a divisão entre classes, sempre mascarados de ‘luta por igualdade’ ou ‘justiça social’, tudo em busca de poder”.

“Não nos deixemos ser manipulados por grupos políticos. Como homem e como presidente, sou daltónico: todos têm a mesma cor. Não existe uma cor de pele melhor do que as outras. Existem homens bons e homens maus. São nossas escolhas e valores que fazem a diferença”, concluiu o presidente brasileiro.

Já o vice-presidente Hamilton Mourão lamentou a morte de Beto Freitas, mas disse não acreditar que o episódio tenha sido motivado por questões racistas. “Para mim, no Brasil não existe racismo”, considerou.

“Isso é uma coisa que querem importar, isso não existe aqui. Eu digo com toda a tranquilidade, não tem racismo” no Brasil, assegurou o vice de Bolsonaro.

Flávio Bolsonaro, filho do presidente brasileiro, lançou um tweet no qual se referiu à morte de Beto Freitas, mas rapidamente decidiu apagá-lo da rede social. “Meus sentimentos à família do Sr. João Alberto. É injustificável a violência com que foi vitimado. Todas as vidas importam!”, escreveu.
Carrefour lamenta “morte brutal” na véspera do Dia da Consciência Negra
O Carrefour apressou-se a lamentar, em comunicado, “a morte brutal” ocorrida num dos seus supermercados, garantindo ainda o despedimento do gerente de loja e a cessação do contrato com a empresa de segurança para a qual trabalhavam os dois homens que espancaram Beto Freitas. A empresa encerrou o supermercado onde ocorreu o episódio, por respeito pela vítima.

A morte ocorreu na véspera do Dia da Consciência Negra, celebrado fervorosamente todos os anos no Brasil, onde mais de metade da população tem origem africana. Entre as mortes levadas a cabo por polícias nesse país, 79 por cento dizem respeito a pessoas negras, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Esta não é a primeira vez que o Carrefour está envolvido em polémicas raciais no Brasil. Há dois anos, Luís Carlos Gomes, homem negro com deficiência física, foi agredido num dos supermercados desta cadeia em São Paulo depois de ter aberto uma lata de cerveja antes de a pagar. A vítima sobreviveu às agressões e o Carrefour pagou-lhe uma indemnização de 26 mil reais.
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