Síria. Turquia pronta para operação militar, Trump ameaça aniquilar economia turca

por Andreia Martins - RTP
Reuters

A Administração Trump anunciou no domingo que as tropas norte-americanas estacionadas na Síria vão ser retiradas da fronteira com a Turquia perante a ameaça iminente de uma intervenção militar turca no norte do país. Ancara assegura esta terça-feira que todos os preparativos para esta ação foram concluídos e que a operação poder ocorrer a qualquer momento. Os curdos, anteriormente apoiados pelos norte-americanos, queixam-se de terem sofrido “uma facada nas costas” e prometem “escudos humanos” para impedir o avanço das tropas turcas. Enquanto isso, várias figuras de destaque do Partido Republicano criticam a decisão do Presidente. E perante a reprovação - interna e externa - e a ameaça de uma possível ressurgência do Estado Islâmico, uma vez que as milícias curdas assumiam o controlo dos campos de ex-combatentes - Donald Trump avisa Erdogan que irá “aniquilar” a economia turca caso haja alguma ação “para além dos limites”.

O Ministério turco da Defesa informou esta terça-feira que foram concluídos todos os preparativos para lançar uma operação militar contra as milícias curdas no norte da Síria.

"As Forças Armadas da Turquia nunca irão tolerar o estabelecimento de um corredor de terror nas nossas fronteiras. Todos os preparativos para a operação foram concluídos. É essencial estabelecer uma zona segura de forma a contribuir para a paz e a estabilidade da região”, reiterou o Ministério turco da Defesa no Twitter.  

Na segunda-feira, o Presidente turco já tinha anunciado que a intervenção militar em território sírio ocorreria “a qualquer momento”. Recep Tayyip Erdogan sublinhou que a paciência de Ancara para esperar pelo apoio dos EUA terminara.  

Esta intervenção terá sido comunicada diretamente a Donald Trump durante uma conversa telefónica entre o Presidente norte-americano e o homólogo russo. “A Turquia implementará em breve a sua operação há muito planeada no norte da Síria”, anunciou a Casa Branca em comunicado no último domingo.   

“As forças norte-americanas não apoiarão nem se envolverão na operação. E as [nossas] forças que derrotaram o Estado Islâmico já não estarão na região”, lê-se ainda no comunicado da Casa Branca.  

A operação “há muito planeada” a que a Administração Trump tem como propósito eliminar as Unidades de Proteção do Povo (YPG), a principal milícia curdo-síria, bem como o braço político desta organização, o Partido da União Democrática (PYD), na zona norte da Síria.  
“Facada nas costas”

A Turquia pretende, com esta operação, criar uma zona de segurança na região, a leste do rio Eufrates, permitindo o regresso em segurança de cerca de dois milhões de deslocados sírios, do total de 3,6 milhões de refugiados que vivem naquele país.  

Ancara classifica a guerrilha curda síria como terrorista muito devido à ligação desta com o Partido Trabalhista do Curdistão (PKK), que a Turquia também tem na lista das organizações terroristas.  

O PKK é classificado como organização terrorista pela Turquia mas também pelos Estados Unidos e pela União Europeia. No entanto, os dois últimos não consideram terroristas as milícias curdas no norte da Síria.  

Para a Turquia, a presença de milícias curdas na fronteira com a Síria constitui uma ameaça à segurança nacional. Estas milícias, decisivas no combate ao Estado Islâmico, terão recebido apoio direto de Washington para esse efeito, segundo as autoridades turcas.  

Os curdos dizem que esta decisão de retirada por parte dos Estados Unidos foi “uma facada nas costas”. Em comunicado, as Forças Democráticas Sírias (SDF), lideradas pelo YPG, prometem defender a zona territorial que ocupam “a todo o custo”.   

A avançar, a operação turca deverá encontrar civis curdos como primeiro obstáculo. De acordo a Al Jazeera, os curdos planeiam estabelecer-se em vários acampamentos. Civis de várias idades já começaram a reunir-se nas cidades de Ras al-Ain, Ral Abyad e Kobane, informam ativistas e jornalistas locais.

“Eles querem atuar como escudos humanos para impedir o avanço por parte dos turcos”, disse Arin Shekhmous, um ativista em Qamishli, cidade síria localizada junto à fronteira com a Turquia.

Durante a madrugada de terça-feira, a Turquia encetou ataques tendo como alvo a fronteira entre a Síria e o Iraque. O objetivo principal foi impedir as forças curdas de usarem esse corredor para se fortalecerem na zona norte da Síria.

"Um dos objetivos principais foi cortar a rota de trânsito entre o Iraque e a Síria antes da operação", reiteraram dois responsáveis turcos à agência Reuters.
"Não abandonámos os curdos"

Para além das críticas internacionais, várias vozes dentro do próprio Partido Republicano censuraram a decisão abrupta da Administração Trump.  

O líder da maioria republicana no Senado, Mitch McConnell, pediu mesmo ao Presidente para que voltasse atrás na decisão, alertando que “uma retirada precipitada das forças americanas na Síria só beneficiaria a Rússia, o Irão e o regime de Assad”.  

Também a antiga embaixadora dos Estados Unidos junto da ONU nos primeiros anos da Administração Trump, Nikki Haley, acusou o Presidente norte-americano de estar a abandonar os curdos.

“Devemos proteger sempre os nossos aliados se esperamos que também eles nos protejam. Os curdos foram fundamentais na nossa luta bem sucedida contra o Estado Islâmico na Síria. Deixá-los morrer é um grande erro”, escreveu a antiga governadora no Twitter.  

Mas se num primeiro momento a operação militar contra as milícias curdas parecia ter o aval do Presidente norte-americano, a Casa Branca parece ter recuado na decisão ao ameaçar diretamente a economia daquele aliado da NATO.  

“Se a Turquia fizer algo que eu, na minha grande e incomparável sabedoria, considere estar fora dos limites, destruirei e aniquilarei completamente a economia da Turquia (já o fiz antes!)”, escreveu Donald Trump no Twitter.

O Presidente norte-americano refere ainda que a Turquia e a Europa “devem vigiar os combatentes do Estado Islâmico” e as respetivas famílias.  

“Os Estados Unidos fizeram muito mais do que era esperado, incluindo a derrota a 100 por cento do Estado Islâmico. Agora, é hora de outros países da região, alguns com grande riqueza, protegerem o seu próprio território”, acrescentou.   

Durante o dia de segunda-feira, Donald Trump continuou a justificar a decisão perante os críticos internos, garantindo que a discutiu com vários responsáveis. No entanto, em declarações à CNN, dois responsáveis da área da Defesa confirmaram que nem o secretário da Defesa, Mark Esper, nem o chefe do Estado-Maior, Mark Milley, foram informados. 

Já esta terça-feira, Donald Trump criticou no Twitter aqueles que "esqueceram que a Turquia é um grande parceiro comercial dos Estados Unidos".

"Lembrem-se também que a Turquia é um membro importante para o bom posicionamento da NATO", acrescentou ainda.


Em relação aos curdos, Trump insiste que não está a abandonar antigos aliados na luta contra o autoproclamado Estado Islâmico. "Podemos estar num processo de saída da Síria, mas não abandonámos de qualquer forma os curdos, um povo especial com combatentes magníficos", afirmou noutro tweet.
90 mil prisioneiros do Estado Islâmico

No comunicado de domingo, a Casa Branca sublinhava também que os Estados Unidos “pressionaram a França, Alemanha e outras nações europeias, de onde vieram vários combatentes do Estado Islâmico capturados, para que os levasse de volta, mas eles não os quiseram”.  

“Os Estados Unidos não os vão manter por muitos anos com um grande custo para os contribuintes norte-americanos. A Turquia será agora responsável por todos os combatentes do Estado Islâmico na área capturada nos últimos dois anos, após a derrota do califado territorial”, acrescenta ainda o comunicado.  

De facto, uma das principais preocupações geradas a nível internacional por esta ação repentina dos Estados Unidos é a de um eventual ressurgimento do autoproclamado Estado Islâmico. 

Martin Chulov, correspondente no Médio Oriente para o jornal The Guardian, salienta que as milícias curdas controlam quatro campos de detenção onde se encontram cerca de 90 mil prisioneiros e familiares ligados ao grupo terrorista.

De acordo com o jornal britânico, um dos campos em causa, em al-Hol, não consta sequer nos mapas que os turcos prepararam para a operação, pelo que a atribuição de responsabilidades pelos milhares de prisioneiros por Washington poderá ter apanhado Ancara de surpresa.

O correspondente especula sobre a motivação por parte dos guardas e seguranças destes campos, que perante a luz verde conferida pelos Estados Unidos a uma intervenção turca, terão agora muito menor incentivos para continuar a ajudar no controlo dos detidos, e traça o paralelismo entre os campos de detenção administrados pelos norte-americanos após a guerra no Iraque, que estiveram na génese do próprio Estado Islâmico.
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