Há seis dias consecutivos que a Turquia está a viver uma vaga de manifestações desencadeadas pela detenção do presidente da câmara de Istambul, Ekrem Imamoglu, do Partido Republicano do Povo, oposição do Governo. O presidente do país, Recep Tayyip Erdogan afirma que o partido da oposição deveria estar "envergonhado" e acusa-os de "perturbar a paz dos cidadãos com provocações". A oposição diz que se trata de um "golpe" com motivação política.
"Quem vencer Istambul, vencerá a Turquia". As palavras são do presidente turco Recep Tayyip Erdogan em 2019. Nesse ano, Ekrem Imamoglu, do partido da oposição - Partido Republicano do Povo (CPH) - conquistou o organismo camarário da capital da Turquia, um cargo que já foi ocupado pelo atual chefe de Estado entre 1994 e 1998.
Já nas eleições municipais de 2024, o partido de Imamoglu, CHP, passou a controlar os municípios de praticamente todas as grandes cidades. Essas localidades faziam parte da lista que Erdogan via como bastiões confiáveis para o seu Partido Islâmico AK.
Com a oposição a crescer no país, Erdogan ter-se-á apercebido que os seus 22 anos no poder estava prestes a enfrentar a maior ameaça até então.
Entretanto, quatro dias antes de Imamoglu - um dos políticos mais populares do país - ser escolhido como candidato da oposição à presidência do país para as próximas eleições nacionais, previstas para 2028, foi detido pela polícia.
Istambul encheu-se de manifestantes. Gritam que Imamoglu poderá ir para a prisão, "mas também para a presidência".
"Nunca me curvarei"
Depois da detenção do presidente da câmara de Istambul, Ekrem Imamoglu, na quarta-feira, dia 19 de março, veio a ordem de prisão viabilizada por um juiz. Imamoglu foi acusado de corrupção e terrorismo.
No sábado à noite, o presidente do município acabou por ser conduzido para o tribunal de Caglayan, em Istambul e ficou em prisão preventiva.
Imamoglu alega que está a ser vítima de perseguição política orquestrada pelo presidente Erdogan. Na sua conta da plataforma X, escreveu no domingo: “Convido os 86 milhões de cidadãos a correrem para as urnas e anunciarem a sua luta por democracia e justiça para o mundo inteiro”.
“A Turquia acordou com uma grande traição hoje. O processo judicial que está a ser realizado não é um procedimento judicial. É uma execução extrajudicial completa”, continuou.
Por sua vez, Erdogan já negou ter instigado qualquer ação e insistiu na independência do poder judicial.
A acusação
O gabinete do procurador público de Istambul dirigiu diversas acusações ao presidente da câmara. Apontou o dedo a İmamoglu por “estabelecer e administrar uma organização criminosa, aceitar subornos, extorsão, registrar ilegalmente dados pessoais e fraudar uma licitação”.
O procurador expressou ainda que existe “forte suspeita” de que İmamoglu estará envolvido na prestação de “auxilio a uma organização terrorista armada”, uma referência a alegados laços com grupos pró-curdos.
O procurador expressou ainda que existe “forte suspeita” de que İmamoglu estará envolvido na prestação de “auxilio a uma organização terrorista armada”, uma referência a alegados laços com grupos pró-curdos.
Mais de 1.100 detidos nas manifestações
Após seis dias consecutivos de protestos o ministro do Interior da Turquia, Ali Yerlikaya, argumentava numa publicação nas redes sociais, que à luz da constituição turca, os manifestantes "abusaram" do direito de manifestação, acusando-os ainda de "tentarem perturbar a ordem pública, incitar movimentos de rua e atacar a polícia turca".
Após seis dias consecutivos de protestos o ministro do Interior da Turquia, Ali Yerlikaya, argumentava numa publicação nas redes sociais, que à luz da constituição turca, os manifestantes "abusaram" do direito de manifestação, acusando-os ainda de "tentarem perturbar a ordem pública, incitar movimentos de rua e atacar a polícia turca".
"Tais ações visam perturbar a paz e a segurança do nosso povo", acrescentou.
E dirigindo-se à oposição exaltou: "Estamos a avisar-vos claramente que ninguém tente usar a nossa juventude e o nosso povo como escudo para as suas próprias ambições políticas".
Após as declarações do ministro, seguiram-se confrontos entre a polícia e os manifestantes em Istambul. Até aí, as manifestações tinham-se realizado pacíficamente.
Entre os detidos estão pelo menos dez jornalistas. A agência de notícias France Presse reporta que um dos seus fotógrafos faz parte dos presos.
Polícia turca usa gás lacrimogéneo contra manifestantes | Umit Bektas - Reuters
"Sistema autoritário"
Logo na quarta-feira foram desencadeadas duas investigações separadas, uma contra o presidente da camâra de Istambul e outra contra a mais de 100 outras pessoas, incluindo políticos, empresários e jornalistas. Ao mesmo tempo, as autoridades universitárias cancelaram o diploma universitário de İmamoglu, um requisito necessário para concorrer à presidência.
Soner Çagaptay, do Instituto de Política do Próximo Oriente de Washington, citado na publicação Politico, observa que a prisão de İmamoglu é vista como um momento decisivo na história política turca, visto como um ataque sem precedentes à oposição.
Soner Çagaptay, do Instituto de Política do Próximo Oriente de Washington, citado na publicação Politico, observa que a prisão de İmamoglu é vista como um momento decisivo na história política turca, visto como um ataque sem precedentes à oposição.
Çagaptay argumenta que a Turquia já estava a mudar de um processo a que chamou de “autoritarismo competitivo” - onde a oposição passa a ter a possibilidade de vencer eleições, alegadamente, favoráveis a Erdogan - para um sistema autoritário direto.
“Assim, a partir desse ponto, acho que a Turquia [atualmente] é um sistema autoritário, infelizmente”, afirma.
O último mandato de Erdogan?
De acordo com a Constituição turca, o presidente apenas pode exercer o cargo durante dois mandatos. O mandato atual de Erdogan termina em 2028.
De acordo com a Constituição turca, o presidente apenas pode exercer o cargo durante dois mandatos. O mandato atual de Erdogan termina em 2028.
Porém, se o Parlamento convocar eleições antecipadas, Erdogan, com 71 anos, “poderá concorrer legalmente, mais uma vez, antes de terminar o seu segundo mandato”, diz o Politico.
Para vários observadores, Erdogan pretende com esta manobra concorrer a eleições antecipadas sem ter que enfrentar İmamoglu, já que o candidato da oposição, atualmente com 54 anos, é apontado por muitos “como o único candidato unificador que poderia vencê-lo” no escrutínio presidencial.