Sistemas HIMARS dos EUA "mudam o jogo" a favor da Ucrânia

por Graça Andrade Ramos - RTP
Um míssil disparado pelo sistema HIMARS por forças norte-americanas (arquivo) Reuters

Há vários dias que as Forças Armadas da Ucrânia, FAU, têm em curso uma operação de cerco às forças russas sediadas em torno de Kherson, no sul do país, com o apoio cirúrgico dos sistemas de lançamento de mísseis M142 HIMARS norte-americanos, fornecidos em junho passado.

Os HIMARS estarão já a fazer "pender a balança para o lado ucraniano", uma vez que são unidades de lançamento de um míssil ou de até seis foguetes de grande precisão, altamente móveis e simples de operar, tendo um alcance de até 300 quilómetros, bem para lá das linhas ucranianas.

A Ucrânia afirma que já destruiu meia centena de arsenais russos através dos HIMARS entre uma centena de alvos “de grande valor” para Moscovo.

O Kremlin afirmou por seu lado que destruiu um depósito de munições de HIMARS na região ucraniana de Khmelnytskyi, além de diversas destas unidades de artilharia, alegações desmentidas por Kiev e pelo Pentágono.

Na última semana, as forças ucranianas realizaram ataques de precisão com HIMARS contra pelo menos três pontes sobre o rio Dniepre, incluindo a ponte Antonovsky, e a ponte de Daryivskyi, sobre o rio Ingulets, ambos na região de Kherson ocupada pela Rússia, no âmbito de uma contraofensiva atualmente em curso na área.
Contraofensiva em Kherson
No passado sábado, o Ministério da Defesa britânico, MoD, confirmou a ocorrência de grandes combates de artilharia na zona, nos dois dias anteriores.

“A Rússia estará provavelmente a tentar abrandar o ataque ucraniano usando fogo de artilharia ao longo da barreira natural do rio Ingulets, um afluente do Dniepre”, tweetou o Ministério. “Simultaneamente, as linhas de abastecimentos da força russa a ocidente do Dniepre estão cada vez mais sob alto risco”.

O objetivo dos ataques às pontes é isolar as tropas russas sem comprometer as forças ucranianas, as quais até agora pouco podiam fazer além de protegerem-se das salvas massivas de artilharia russa. A operação já terá conseguido cercar por três lados uma força de cerca de metade dos dois mil soldados russos presentes na zona.
Há quem ligue as demissões ao mais alto nível na hierarquia ucraniana, na semana passada, ao fracasso por parte dos serviços de espionagem ao serviço de Kiev em destruir as pontes do Dniepre, ato interpretado como traição ao serviço dos russos.
As últimas novidades citam fontes dos serviços de informação ucranianos, de que os combates se estão a dar ao longo da linha Arkhangelsk-Zolotaya Balka-Novovoznesenskoe. A ser verdade, isso implica que o esforço das FAU será criar uma ligação sobre o rio Ingulet, com Novovoznesenskoe (e Vysokopolye) num extremo e Arkhamgelsk na base.

A aldeia de Zolotaya Balka, perto da margem direita/norte do rio Dniepre, será o objetivo e, se as forças ucranianas lá chegarem irão cortar, pelo menos nominalmente, todas as unidades russas a norte desse ponto e a operar nas regiões de Kherson e de Zaporizhia.

Os detalhes são escassos e baseados sobretudo em rumores, mas os mil soldados cercados na área da aldeia de Vysokopolye pertencerão à 11ª Brigada Aerotransportada, à 2015ª Brigada Motorizada de Fuzileiros e a uma unidade Spetnaz ou de Forças Especiais russas.

A fonte principal do que se passa no oblast de Kherson foi um conselheiro de Defesa próximo de Zelensky, Oleksiy Arestovych, mas as informações não puderam ser confirmadas.
HIMARS desequilibram forças no terreno
O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, garantiu que as suas forças estão a avançar sobre Kherson “passo a passo” e que irão recuperar a região nas próximas semanas, já em setembro, uma afirmação ligada a esta contraofensiva em curso apoiada sobretudo nos sistemas HIMARS.

Segunda-feira, o ministro ucraniano da Defesa, Oleksyi Reznikov, sublinhou o impacto que os HIMARS estão a ter precisamente em repelir da invasão russa.

Isto corta as cadeias logísticas [russas] e tira-lhes a capacidade de combate ativo e de cobrir as nossas forças com artilharia pesada”, afirmou Reznikov na televisão nacional. Por outro lado, as unidades de artilharia ucranianas realizaram ataques “de precisão” contra várias pontes, sem detalhar. Um conselheiro do governo de Kherson, Serhiy Khlan, reconheceu à televisão ucraniana que a região será “definitivamente libertada em setembro”, de acordo com a agência France Press.

A ponte Antonivskyi em particular constitui uma “vulnerabilidade chave” para as forças russas, que a terão conseguido reparar e pôr a funcionar antes do fim de semana, embora sem arriscar provavelmente mover veículos pesados através dela.

A análise militar britânica indica que, “se as travessias forem impedidas e as forças russas na zona ocupada de Kherson forem isoladas, será um revés político e militar significativo para a Rússia”.

Khlan afirmou que “cada ponte é um ponto fraco para as logísticas e as nossas forças armadas estão a habilmente destruir o sistema do inimigo”.

Reznikov garantiu que os artilheiros ucranianos estão a utilizar os HIMARS com a precisão e a contenção de cirurgiões.

Sistema HIMARS em ação Foto - Reuters
O que são os HIMARS
Os High Mobility Artillery Rocket Systems ou HIMARS, produzidos pela americana Lockheed Martin, são essencialmente sistemas de disparo instalados em camiões militares, capazes de disparar um míssil ou, simultaneamente, dois, quatro ou seis foguetes guiados por GPS, GMRLS, com elevada precisão e alcance de até 300 quilómetros. A velocidade de saída é de 85 quilómetros/hora e podem usar ainda munições MLRS M270A1, levando metade da carga de foguetes. Uma pequena equipa de três (artilheiro, motorista e chefe de lançamento) é suficiente para acionar o disparo e recarregar num minuto o sistema, o qual é igualmente de fácil manutenção. 

Os Estados Unidos já forneceram à Ucrânia 12 HIMARS e cerca de 200 artilheiros das FAU estão a ser treinados para operar ainda mais destes sistemas, com outros oito a caminho da Ucrânia “em breve”, de acordo com o Pentágono. O objetivo será entregar um total de 20 a Kiev.

À Ucrânia bastaram oito para conseguir destruir em menos de um mês cerca de 100 alvos, incluindo os arsenais, posições de artilharia de longa-distância, postos de comando, locais de defesa aérea e nódulos de radar e comunicações. Informações confirmadas pelo Pentágono.

Konstantinos Grivas, que ensina sistemas avançados de armamento na Academia Militar Helénica, afirmou por seu lado a Al Jazeera que a grande vantagem dos HIMARS, além da mobilidade, operacionalidade e manutenção, é a precisão.

“Os russos não têm nada equivalente porque estes sistemas foram desenvolvidos pelos americanos como uma espécie de snipers de artilharia, para serem usados em terrenos difíceis como Fallujah, no Iraque, onde era necessário atingir um alvo preciso porque estava habitualmente rodeado de civis”, explicou à Al Jazeera.

“Se existir um edifício a partir do qual se está a ser atingido dentro de um perímetro urbano, tenta-se atingir esse edifício a uma distância de até 80 quilómetros e, poucos minutos depois de se ser alvejado, atinge-se com um míssil o edifício em questão”, acrescentou.

O segredo da precisão é um sistema de navegação inerte – uma série de giroscópios e aceleradores – que diz ao míssil ou aos foguetes a sua localização exata face ao alvo, possibilitando um tiro com a precisão de três a cinco metros no alcance máximo.

Importante, de acordo com especialistas, é igualmente a rede de informações que fornece coordenadas ao artilheiro, e os militares norte-americanos confirmaram que esta foi partilhada com a Ucrânia.

O sistema também é eficiente em termos financeiros. Apesar de cada HIMARS custar cerca de cinco milhões de dólares a preços de 2014, cada foguete GMLRS custa cerca de 100 mil dólares, contra os milhões necessários para produzir os S300 russos, baterias e munições antiaéreos que as forças russas têm estado a usar contra alvos terrestres e cujos vários arsenais foram destruídos pelos HIMARS da Ucrânia.

O único problema dos HIMARS será avançar em terrenos lamacentos, onde poderão ficar atolados.

Sistema HIMARS da Lockheed Martin operado por solados norte-americanos em 2022 Foto - Defense News
Desequilibrar a balança
O efeito psicológico nos soldados russos, conscientes agora de que podem ser atacados de trás das linhas de contacto, é incalculável.

Dois generais na reserva, o australiano Mick Ryan e o norte-americano Mark Hertling, disseram à Al Jazeera que os HIMARS vão “mudar o jogo” a favor da Ucrânia e que já “mudaram os cálculos no campo de batalha pela Ucrânia”, permitindo aos ucranianos prosseguir uma “estratégia de corrosão” das capacidades e moral das forças russas.Há rumores de que em Kherson surgiram cartazes ameaçadores com desenhos dos HIMARS, a prometer retaliação pelos “roubos, pilhagens e assassínios”

A resposta russa aos HIMARS foi aproximar os seus centros logísticos dos centros urbanos. Os serviços militares de informação da Ucrânia reportaram que as forças ocupantes guardaram camiões de munições no teatro municipal de Kherson na noite de 11 de julho.

Tal tática não irá revelar-se eficaz, uma vez que os HIMARS foram “desenhados precisamente para este tipo de guerra urbana”, afirmou Grivas.

Ryan considerou por seu lado que “por ser um sistema tão ágil, o HIMARS é capaz de parar, disparar e fugir rapidamente. Isto garante que é uma arma com alta taxa de sobrevivência numa era em que o tempo entre a deteção e a destruição se mede em minutos”.

De acordo com o chefe de Estado-Maior da Ucrânia, Valery Zaluzhny, um fator importante que contribuiu para a retenção das linhas defensivas e posições foi a “chegada atempada dos M142 HIMARS, capazes de disparos de precisão contra pontos de controlo inimigos e depósitos de munições e combustível”.
Vinte em vez de 100
Os HIMARS são “um espinho no pé russo”, descreveu um alto responsável americano a Al Jazeera. “Terão um efeito significativo na capacidade russa de realizar operações ofensivas. A capacidade destes homens e mulheres para disparar, mover-se e sobreviver é excecional”.

Mark Miller, Chefe do Estado Maior das Forças Armadas dos Estados Unidos, felicitou ainda o fator humano ucraniano.

“O facto de que os ucranianos foram capazes de rapidamente utilizar estes sistemas é eloquente quanto à sua habilidade e capacidade em artilharia, ao seu engenho, à sua determinação e à sua vontade de lutar”, afirmou.

A defesa ucraniana diz que necessita de 100 sistemas HIMARS para varrer os russos dos seus territórios, incluindo a Crimeia e o Donbass.

Se, publicamente, os EUA, a NATO e o G7 têm concordado, nos bastidores impera a precaução, até porque os HIMARS recebidos pela Ucrânia provêm das reservas norte-americanas e Washington tem de cuidar da sua prontidão.

Os Estados Unidos têm ainda recusado fornecer à Ucrânia sistemas de lançamento de mísseis terra-terra de maior alcance, chamados MGM140-Army Tactical Missile System (ATCAMS) que atingem alvos a 480 quilómetros, com receio de provocar os russos, que já criticaram o fornecimento dos HIMARS e o treino dos soldados ucranianos. O mesmo motivo explicaria o fornecimento de somente 20 HIMARS a Kiev.

Mas o Reino Unido também já anunciou o envio de um número não especificado de sistemas M270 de disparo múltiplo, cada um dos quais equivalente a um par de HIMARS.
Polónia e países bálticos também os querem
As provas dadas pelos HIMARS são suficientes para diversos países do Leste europeu estarem já a encomendar centenas destes sistemas. A Polónia e os Estados bálticos estão dispostos a investir centenas de milhões de dólares nesse objetivo.

O ministro da Defesa da Polónia, Mariusz Blaszczak anunciou a 26 de maio que tinha pedido 500 HIMARS incluindo munições – um tal número que teria de envolver coprodução, disse.

A Estónia pretende adquirir seis lançadores e munições no valor de 500 milhões de dólares, anunciou por seu lado o Departamento de Estado dos EUA dia 15 de julho. Uma semana depois a Letónia explicitou publicamente o seu pedido por lançadores e munições orçados em 300 milhões de dólares e a Letónia deverá seguir-se-lhes.

“O acordo para desbloquear Odessa [e os cereais] seria impossível sem os HIMARS. É agora claro que a guerra irá terminar mais cedo se armarmos a Ucrânia mais depressa”, afirmou o ministro lituano dos Negócios Estrangeiros, Gabrielius Landsbergis, na sexta-feira. O ministro da Defesa da Estónia, Kusti Salm, afirmou que “os Bálticos irão transformar-se num só teatro de guerra para a Rússia”, explicando a coordenação nas compras de armamento.

A Estónia e a Lituânia têm falado em adquirir os mais recentes ATCAMS. A partir da fronteira estoniana, estes seriam capazes de atingir facilmente São Petersburgo. A partir da Letónia seriam capazes de atingir alvos a meio caminho de Moscovo, contra uma eventual força invasora, muito antes desta chegar à fronteira.

A partir das fronteiras polacas e lituanas, os mísseis poderiam ainda atingir quase todo o território da Bielorrússia, o único aliado local de Moscovo e cujo território tem servido como centro de concentração para atacar Kiev.
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