O Presidente iraniano interveio esta manhã na recente escalada entre Teerão e Riade, não para acalmar tensões mas para lançar mais achas na fogueira. "A Arábia Saudita não pode esconder o seu crime, de decapitar um líder religioso, através do corte de relações diplomáticas com o Irão", afirmou Hassan Rouhani, citado pela agência de notícias IRNA.
A execução do clérigo xiita Nimr al-Nimr, acusado de incitação ao terrorismo e de desobediência à casa real da Arábia Saudita, provocou protestos frente às embaixadas sauditas em várias partes do mundo. No Irão, a embaixada em Teerão e um consulado, em Mashhad, foram atacados e invadidos domingo de madrugada, antes da intervenção das forças de segurança.
No mesmo dia à noite a Arábia Saudita cortou relações com o Irão, dando 48h aos diplomatas iranianos para abandonarem o reino saudita. Agravou depois as sanções, proibindo voos e a viagem de cidadãos sauditas para o Irão, assim como trocas comerciais. O Bahrein e o Sudão seguiram-lhe as pisadas na segunda-feira.
Já os Emirados Árabes Unidos, onde reside uma importante comunidade iraniana, limitaram a rutura diplomática e chamaram somente o seu representante no Irão. Exemplo seguido pelo Kuwait, esta terça-feira de manhã, "devido aos ataques levados a cabo por multidões de manifestantes", informou a agência de notícias Kuna.
Manifestações alastram
Longe de acalmar, a crise ameaça envolver vários países, mesmo não muçulmanos. Manifestantes xiitas em fúria tentaram na segunda-feira passar as barricadas que protegiam a embaixada saudita em Nova Deli, Índia, e queimaram efígies do rei saudita, Salman bin Abdulazziz.
Registaram-se protestos e manifestações também no Paquistão, no Reino Unido e nos Estados Unidos.
No Iraque, apoiantes do clérigo xiita Moqtad al-Sadr manifestaram-se em Najaf e em Bagdade, exigindo ao Governo iraquiano que corte relações com a Arábia Saudita após a execução de Nimr al-Nimr. Duas mesquitas sunitas foram destruídas à bomba e um clérigo foi morto, na segunda-feira, no sul do país.
Em Kerbala, clérigos xiitas pisaram o retrato de Salman bin Abdulazziz em protesto pela execução de Nimr al-Nimr.
ONU apoia Arábia Saudita
Nenhum diplomata saudita ficou ferido durante os ataques em Teerão e em Mashhad, e o Irão afirmou que garantiu a segurança das representações diplomáticas e continuará a fazê-lo. Isso não impediu os 15 membros do Conselho de Segurança da ONU de emitir um comunicado a condenar os ataques e a apelar a Teerão que os impeça.
"Os membros do Conselho de Segurança condenam nos termos mais veementes os ataques contra a embaixada do Reino da Arábia Saudita em Teerão e o seu consulado em Mashhad na República Islâmica do Irão, que resultaram em intrusões nas instalações diplomáticas e consulares causando sérios estragos", afirma o comunicado.
O Conselho, exprimindo "profunda preocupação" com os ataques, "apelou às autoridades iranianas para que protegessem a propriedade diplomática e consular e o seu pessoal, e respeitassem as suas obrigações internacionais sob este aspeto."
O comunicado não mencionou a execução do clérigo Nimr al-Nimr.
Conversações de paz em perigo
O agravamento das tensões entre Riade e Teerão poderá pôr em perigo as conversações de paz para a Síria e o Iémen, os dois conflitos mais sérios na região e nos quais o Irão e a Arábia Saudita intervêm militarmente em lados opostos.
O embaixador saudita nas Nações Unidas, Abdullah Al Mouallimi, citado pela televisão do Qatar Al Jazeera, garantiu que a crise não irá pôr em causa as conversações.
A Arábia Saudita tem procurado tornar-se um parceiro de peso da oposição síria ao Presidente Bashar al-Assad e está a preparar para o fim do mês, em Riade, um novo encontro das principais figuras da oposição, incluindo representantes dos grupos armados, entre os quais a Frente al Nusra, considerada a al Qaeda na Síria.
A comunidade internacional espera reunir a partir de 25 de janeiro em Genebra representantes do Governo sírio e da oposição para conversações de paz.
França, Alemanha e Estados Unidos têm apelado à contenção e ao diálogo. A Rússia ofereceu-se para mediar o diálogo para normalizar as relações e o ministério dos Negócios Estrangeiros da Turquia expressou preocupação com o agravamento da tensão, apelando à calma, "ao fim das ameaças e ao regresso da linguagem diplomática".
A Arábia Saudita afirma que só retomará as relações com o Irão quando este deixar de interferir nos assuntos internos de outros países.
Esforços de De Mistura
O mediador da ONU para a Síria, Staffan de Mistura, está esta terça-feira em Riade para tentar acalmar as tensões, tendo-se reunido separadamente com um grupo de embaixadores que participaram nas conversações de Viena.
Reuniu depois com a oposição síria, para "confirmar uma data para as negociações de paz e a composição da delegação dos opositores sírios", de acordo com fontes citadas pela agência France Presse.
De Mistura deverá depois viajar para Teerão "durante a semana" de acordo com a mesma fonte. O enviado da ONU "estima que a crise nas elações entre a Arábia Saudita e o Irão é muito preocupante" e que existe o risco de provocar "uma série de consequências nefastas na região".
O emissário vai avaliar o impacto desta crise no processo de resolução do conflito sírio lançado pelas grandes potências em duas conferências em outubro e novembro de 2015 e nas quais participaram representantes tanto de Teerão como de Riade.
O Irão é, a par da Rússia, o maior aliado do Presidente Bashar al-Assad, enquanto a Arábia Saudita apoia a coligação da oposição, de maioria sunita que exige a demissão de Assad.
Tópicos