Tensão entre Arábia Saudita e Irão sobe de tom

por Graça Andrade Ramos - RTP
Uma manifestante xiita participa num protesto no Bahrein contra a execução do clérigo Nimr al-Nimr na Arábia Saudita; segura um cartaz com as palavras "vão para o inferno" Hamad I Mohammed - Reuters

O Presidente iraniano interveio esta manhã na recente escalada entre Teerão e Riade, não para acalmar tensões mas para lançar mais achas na fogueira. "A Arábia Saudita não pode esconder o seu crime, de decapitar um líder religioso, através do corte de relações diplomáticas com o Irão", afirmou Hassan Rouhani, citado pela agência de notícias IRNA.

A opinião de Rouhani foi expressa durante um encontro como o ministro dinamarquês dos Negócios Estrangeiros em Teerão. Na segunda-feira, um comunicado da diplomacia iraniana acusava a Arábia Saudita de procurar "aumentar" as tensões com o Irão, com as quais "prospera".

A execução do clérigo xiita Nimr al-Nimr, acusado de incitação ao terrorismo e de desobediência à casa real da Arábia Saudita, provocou protestos frente às embaixadas sauditas em várias partes do mundo. No Irão, a embaixada em Teerão e um consulado, em Mashhad, foram atacados e invadidos domingo de madrugada, antes da intervenção das forças de segurança.

No mesmo dia à noite a Arábia Saudita cortou relações com o Irão, dando 48h aos diplomatas iranianos para abandonarem o reino saudita. Agravou depois as sanções, proibindo voos e a viagem de cidadãos sauditas para o Irão, assim como trocas comerciais. O Bahrein e o Sudão seguiram-lhe as pisadas na segunda-feira.

Já os Emirados Árabes Unidos, onde reside uma importante comunidade iraniana, limitaram a rutura diplomática e chamaram somente o seu representante no Irão. Exemplo seguido pelo Kuwait, esta terça-feira de manhã, "devido aos ataques levados a cabo por multidões de manifestantes", informou a agência de notícias Kuna.
Manifestações alastram
Longe de acalmar, a crise ameaça envolver vários países, mesmo não muçulmanos. Manifestantes xiitas em fúria tentaram na segunda-feira passar as barricadas que protegiam a embaixada saudita em Nova Deli, Índia, e queimaram efígies do rei saudita, Salman bin Abdulazziz.

Manifestantes xiitas tentam ultrapassar as barricadas em torno da embaixada saudita em Nova Deli, Índia Foto: Reuters

Registaram-se protestos e manifestações também no Paquistão, no Reino Unido e nos Estados Unidos.

Xiitas manifestam-se nos EUA contra a execução do clérigo Nimr al-Nimr pela Arábia Saudita foto: Reuters

Manifestação em Karachi, Paquistão, de repúdio pela execução do clérigo xiita Nimr al-Nimr Foto: Reuters

No Iraque, apoiantes do clérigo xiita Moqtad al-Sadr manifestaram-se em Najaf e em Bagdade, exigindo ao Governo iraquiano que corte relações com a Arábia Saudita após a execução de Nimr al-Nimr. Duas mesquitas sunitas foram destruídas à bomba e um clérigo foi morto, na segunda-feira, no sul do país.

Apoiantes do clérigo xiita Moqtad al-Sadr exigem ao Governo iraquiano que rompa relações com a Arábia Saudita após a execução do clérigo Nimr al-Nimr Foto: Reuters

Em Kerbala, clérigos xiitas pisaram o retrato de Salman bin Abdulazziz em protesto pela execução de Nimr al-Nimr.
ONU apoia Arábia Saudita

Nenhum diplomata saudita ficou ferido durante os ataques em Teerão e em Mashhad, e o Irão afirmou que garantiu a segurança das representações diplomáticas e continuará a fazê-lo. Isso não impediu os 15 membros do Conselho de Segurança da ONU de emitir um comunicado a condenar os ataques e a apelar a Teerão que os impeça.

"Os membros do Conselho de Segurança condenam nos termos mais veementes os ataques contra a embaixada do Reino da Arábia Saudita em Teerão e o seu consulado em Mashhad na República Islâmica do Irão, que resultaram em intrusões nas instalações diplomáticas e consulares causando sérios estragos", afirma o comunicado.

A embaixada da Arábia Saudita em chamas na madrugada de domingo dia 3 de janeiro de 2016, após a execução do clérigo xiita Nimr al-Nimr Foto: Reuters

O Conselho, exprimindo "profunda preocupação" com os ataques, "apelou às autoridades iranianas para que protegessem a propriedade diplomática e consular e o seu pessoal, e respeitassem as suas obrigações internacionais sob este aspeto."

O comunicado não mencionou a execução do clérigo Nimr al-Nimr.
Conversações de paz em perigo
O agravamento das tensões entre Riade e Teerão poderá pôr em perigo as conversações de paz para a Síria e o Iémen, os dois conflitos mais sérios na região e nos quais o Irão e a Arábia Saudita intervêm militarmente em lados opostos.

O embaixador saudita nas Nações Unidas, Abdullah Al Mouallimi, citado pela televisão do Qatar Al Jazeera, garantiu que a crise não irá pôr em causa as conversações.

Abdullah Al Mouallimi, embaixador da Arábia saudita na ONU Foto: DR

A Arábia Saudita tem procurado tornar-se um parceiro de peso da oposição síria ao Presidente Bashar al-Assad e está a preparar para o fim do mês, em Riade, um novo encontro das principais figuras da oposição, incluindo representantes dos grupos armados, entre os quais a Frente al Nusra, considerada a al Qaeda na Síria.
 
A comunidade internacional espera reunir a partir de 25 de janeiro em Genebra representantes do Governo sírio e da oposição para conversações de paz.

França, Alemanha e Estados Unidos têm apelado à contenção e ao diálogo. A Rússia ofereceu-se para mediar o diálogo para normalizar as relações e o ministério dos Negócios Estrangeiros da Turquia expressou preocupação com o agravamento da tensão, apelando à calma, "ao fim das ameaças e ao regresso da linguagem diplomática".

A Arábia Saudita afirma que só retomará as relações com o Irão quando este deixar de interferir nos assuntos internos de outros países.
Esforços de De Mistura 

O mediador da ONU para a Síria, Staffan de Mistura, está esta terça-feira em Riade para tentar acalmar as tensões, tendo-se reunido separadamente com um grupo de embaixadores que participaram nas conversações de Viena.

Reuniu depois com a oposição síria, para "confirmar uma data para as negociações de paz e a composição da delegação dos opositores sírios", de acordo com fontes citadas pela agência France Presse.

Staffan de Mistura, enviado especial das Nações Unidas para a Síria Foto: Reuters

De Mistura deverá depois viajar para Teerão "durante a semana" de acordo com a mesma fonte. O enviado da ONU "estima que a crise nas elações entre a Arábia Saudita e o Irão é muito preocupante" e que existe o risco de provocar "uma série de consequências nefastas na região".

O emissário vai avaliar o impacto desta crise no processo de resolução do conflito sírio lançado pelas grandes potências em duas conferências em outubro e novembro de 2015 e nas quais participaram representantes tanto de Teerão como de Riade.

O Irão é, a par da Rússia, o maior aliado do Presidente Bashar al-Assad, enquanto a Arábia Saudita apoia a coligação da oposição, de maioria sunita que exige a demissão de Assad.
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