Tensão no Médio Oriente. Como é que Irão e Estados Unidos chegaram até aqui?

O ataque aéreo norte-americano que matou o general iraniano Qassem Soleimani na última sexta-feira veio inaugurar uma nova etapa nas relações tensas entre Teerão e Washington. Apesar de algumas tentativas de aproximação, a interação entre Estados Unidos e Irão tem sido complicada ao longo das últimas décadas e o discurso entre os dois países é ainda hoje marcado por ecos históricos persistentes que remontam até a eventos prévios à Revolução Islâmica de 1979. Olhamos para os principais momentos de um imbróglio diplomático que por estes dias se voltou a intensificar.

31 de dezembro de 1977. A poucas horas do início do novo ano, Jimmy Carter jantava em Teerão com o Xá Reza Pahlavi, monarca que liderava o Irão desde 1941. O Presidente norte-americano elogiava, nessa ocasião, as qualidades de uma liderança iraniana que apoiara de forma mais ou menos indireta ao longo de vários anos.

“O nosso diálogo tem sido inestimável, a nossa amizade é insubstituível. (...) O Irão, devido à grande liderança do Xá, é uma ilha de estabilidade numa das áreas mais problemáticas do mundo”, afirmava então Carter. Mal sabia na altura que, menos de três anos volvidos, o Irão tornar-se-ia numa das maiores dores de cabeça para os Estados Unidos, não só na reta final da sua presidência, mas também durante as décadas seguintes e até à atualidade.

Na sequência do ataque norte-americano com um drone que vitimou na sexta-feira o general iraniano Qassem Soleimani - líder da força de elite dos Guardas Revolucionários, a Al-Quds -, o Presidente iraniano, Hassan Rouhani prometeu uma “vingança severa” e considerou que esta investida norte-americana figuraria na história como “um dos maiores crimes contra a nação do Irão” cometidos pelos Estados Unidos, a lembrar outras ações do passado.

Por seu lado, o Presidente norte-americano avisou que Washington está a postos para responder a qualquer retaliação de Teerão. Donald Trump explicou através do Twitter que foram inclusive estabelecidos como potenciais alvos 52 locais de “grande importância para o Irão e para a cultura” do país. O número não foi escolhido ao acaso e representa, de acordo com o Presidente, o número de reféns que o Irão manteve durante quase dois anos na Embaixada norte-americana em Teerão, entre 1979 e 1981.




Os eventos recentes mostram que as ressonâncias históricas entre os dois países são múltiplas e que nenhum dos atores está disposto a esquecer as marcas do passado.
Do golpe de 1953 à Revolução
Como demonstra a proximidade entre Jimmy Carter e Reza Pahlavi, a relação de inimizade entre os dois países só se manifesta ao mais alto nível depois da Revolução Islâmica de 1979. Mas as raízes do ódio para com os norte-americanos remontam a eventos anteriores.

O regime repressivo liderado por Mohammad Reza Pahlavi entre 1941 e 1979 - com o apoio da violenta polícia política, a SAVAK – contava com uma proximidade económica e cultural muito significativa para com os Estados Unidos e o Ocidente, desde logo na ajuda concedida ao último Xá para que este se mantivesse no poder.

Este auxílio fez-se sentir sobretudo no início dos anos 50 do século XX com uma ingerência norte-americana que os iranianos nunca viriam a esquecer. Em 1951, num ato de afirmação nacional, Teerão nacionalizara a indústria do petróleo, incluindo a Anglo-Iranian Oil Company, até ali nas mãos das autoridades britânicas.

Na altura estava no poder o primeiro-ministro Mohammed Mossadegh, o primeiro líder democraticamente eleito que procurava uma maior aproximação do Irão aos padrões de vida ocidentais. Em agosto de 1953 é levada a cabo a Operação Ajax, sob a coordenação das autoridades britânicas e da CIA, com o consentimento de Reza Pahlavi, que se manteria no por até à Revolução de 1979.

O golpe orquestrado pelos Estados Unidos teve como pretexto a alegada aproximação de Mossadegh à União Soviética, ainda no contexto de Guerra Fria, bem como a ascensão do Tudeh, o partido comunista no Irão, tendo também em conta a importância de manter um aliado com uma posição estratégica no Médio Oriente, às portas de Moscovo.

Por isso mesmo, Reza Pahlavi seria protegido e veria o seu poder reforçado pelo apoio norte-americano até ao final da monarquia Xá no Irão, em 1979. De tal forma que em 1957, Teerão e Washington vão assinar um acordo de cooperação nuclear para fins civis, com os Estados Unidos a assegurarem ao então aliado a assistência técnica necessária para iniciar o enriquecimento de urânio que décadas mais tarde viriam a tentar conter.

Dez anos depois, em 1967, os Estados Unidos estabelecem um acordo com o Irão para a concessão de plutónio e de urânio a um nível de enriquecimento suficiente para fabricar armas nucleares. Mas no ano seguinte Teerão assina o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), que permite aos seus signatários a manutenção e um programa nuclear com fins civis, exigindo no entanto aos países o compromisso de que não tentassem alcançar armas nucleares. Em paralelo, o Irão continua a negociar com os Estados Unidos e aliados a construção de novos reatores e um poderio nuclear cada vez maior.

É neste contexto que se dá um dos eventos mais marcantes para o Médio Oriente no século XX. A repressão e a mão pesada do Xá começam a ser contestadas nas ruas logo nos primeiros meses de 1978 e culmina com a resignação de Reza Pahlavi, no início de 1979.

Quando, em janeiro, o último Xá do Irão abandona o país, abre-se o espaço para o novo regime e para o regresso do exílio daquele que viria a ser o primeiro ayatollah, Ruhollah Khomeini.
Reféns norte-americanos em Teerão

Nesta fase, a aversão dos iranianos revolucionários contra os Estados Unidos que já vinha do golpe de 1953 cresceu ainda mais quando, no final de outubro de 1979, o Presidente norte-americano Jimmy Carter deu aval à entrada de Reza Pahlavi nos Estados Unidos, uma vez que o antigo Xá tinha um cancro e necessitava de tratamentos médicos específicos.

Como medida de retaliação, a 4 de novembro de 1979, um grupo de 300 a 400 estudantes que apoiavam a revolução em curso, atacou e ocupou de forma repentina a representação norte-americana em Teerão, fazendo reféns entre os ocupantes.

Para os libertar, os atacantes exigiam aos Estados Unidos a extradição imediata de Pahlavi, permitindo que fosse julgado em Teerão. Inicialmente, mais de 60 norte-americanos estavam nas mãos dos revolucionários, apoiantes de Khomeini. Alguns seriam libertados, mas 52 ficaram cativos por mais 444 dias. Os 52 a que Trump se refere.

A ocupação da Embaixada veio dar fulgor ao impulso rebelde que tinha esmorecido após o início de 1979 e confirmou o lugar central do ayatollah no novo regime, que se radicalizou com este episódio de confronto.

Ao fim de longos meses de negociações e embargos, o Presidente norte-americano Jimmy Carter decide cortar as relações diplomáticas entre os dois países em abril de 1980, situação que se mantém até hoje.

Pahlavi, que tinha estado na origem da querela entre norte-americanos e iranianos, morrera no Cairo, a 27 de julho de 1980. No entanto, os atacantes continuaram sem libertar os reféns e garantiram que estes só seriam libertados após a devolução a Teerão de todos os bens daquele que fora o último Xá.

Pressionados pelas várias sanções e condenações internacionais, bem como pelo início da guerra mortífera entre o Irão e o Iraque, que arranca logo em 1980 e viria a durar oito anos, o regime iraniano chega a acordo com os Estados Unidos para a libertação dos reféns através da mediação diplomática dos argelinos.

Minutos após a saída de Jimmy Carter e da tomada de posse de Ronald Reagan, a 19 de janeiro de 1981, a crise na Embaixada terminava e os reféns eram libertados.
Da guerra ao programa nuclear

A mortífera guerra que começou pela invasão do Irão às ordens de Saddam Hussein duraria até 1988 sem uma vitória clara de nenhuma das partes. Os Estados Unidos não declararam apoio a nenhum dos dois países, mas ampararam tendencialmente o Iraque, sobretudo após importantes derrotas de Bagdade em 1982. A meio da guerra, em 1984, os Estados Unidos incluem o Irão na lista dos Estados patrocinadores de terrorismo.

Para além do apoio com fundos e investimento, Washington fornecia a Bagdade importantes informações e imagens via satélite que permitiram levar a cabo ataques com armas químicas contra Teerão. Na reta final do conflito, o navio de guerra norte-americano Vincennes abate por engano um avião civil iraniano, matando todos os 290 passageiros a bordo.

Este é o número a que o Presidente Hassan Rouhani se referia esta segunda-feira, em resposta a Donald Trump.

“Aqueles que referem o número 52 devem também recordar-se do número 290. Nunca ameacem a nação iraniana”, escreveu.


Na guerra Irão-Iraque – em que o general Qassem Soleimani, agora assassinado, começou por se notabilizar – o novo regime dos ayatollahs vai ficar profundamente marcado pela forma como as grandes potências e organizações internacionais ignoraram, na perspetiva iraniana, os ataques com armas químicas dos iraquianos. No final dos anos 80, o Irão percebe que apenas poderia contar com os seus próprios meios para se defender.

No contexto internacional, a Guerra Fria terminava e os Estados Unidos iniciavam em 1991 a primeira guerra do Golfo contra Saddam Hussein. Mas a existência de um claro inimigo comum a Washington e Teerão não vai mudar nada na relação entre dois países, que vão continuar longe de normalizarem as relações bilaterais.

Com o fim da União Soviética, os Estados Unidos reestabelecem uma nova ordem no Médio Oriente enquanto superpotência e instalam-se em força com várias bases militares em países junto ao Golfo Pérsico. A hostilidade da época revolucionária com Teerão e a pressão exercida pelos aliados de longa data, Arábia Saudita e Israel, afastam cada vez mais Washington de um inimigo que começava a ganhar grande influência regional, mas que continuava arredado do concerto das nações.

É neste contexto que Teerão assume uma postura ambígua sobre o dossier nuclear. Nos anos 90, o ayatollah Ali Khamenei, que sucede a Khomeini, emite uma fatwa que proíbe a produção e armazenamento de armas nucleares no país, até porque se pretendia um afastamento do programa nuclear tinha tido partido de iniciativa norte-americana no período pré-revolucionário.

Mas ao mesmo tempo, o regime vai intensificar os esforços para extração de urânio – elemento essencial às armas nucleares – e oferece vários incentivos para o regresso ao Irão de vários cientistas nucleares que tinham abandonado o país aquando da Revolução, isto enquanto continuava a pertencer ao grupo de nações que integram o Tratado de Não-Proliferação Nuclear.
Longos anos de negociação

No início do novo milénio, o ataque às Torres Gémeas a 11 de Setembro de 2001 vai alterar drasticamente o comportamento norte-americano no Médio Oriente, desde logo com a invasão do Afeganistão e, mais tarde, em 2003, com a guerra do Iraque. De um momento para o outro, Washington rodeia a geografia iraniana a olhos vistos: tanto o Afeganistão como o Iraque têm longas fronteiras terrestres com o país.

A ameaça surge no terreno mas também na retórica. Em janeiro 2002, o Presidente norte-americano George W. Bush vai incluir o Irão no famigerado “eixo do mal”, ao lado do Iraque e da Coreia do Norte. Na visão de Teerão, todos estes sinais são prova de como os Estados Unidos não hesitariam em intervir no país caso desconfiassem sequer da existência de armas de destruição massiva, hipótese que se começava a desenhar com traços cada vez mais evidentes no Iraque.

Ainda antes do novo conflito em Bagdade, a organização dos Mujahdin, também conhecida por MEK – grupo de resistência e oposição ao regime iraniano que opera fora do país – denuncia a existência de duas instalações nucleares, em Arak e Natanz, que não tinham sido declaradas pelo Irão à Agência Internacional da Energia Atómica.

É com base nesta denúncia que os Estados Unidos acusam Teerão de operar um programa nuclear paralelo que não fora declarado às instituições devidas. Este poderio clandestino já era minimamente conhecido por Washington durante os anos 90, sendo que a verdadeira dimensão do problema era ignorada. Por isso mesmo, os norte-americanos tinham implementado durante os anos 90 várias sanções bilaterais com o objetivo de desencorajar países e empresas a estabelecerem relações comerciais com o Irão.

Na ressaca da intervenção no Iraque, as frágeis provas apresentadas pelos Estados Unidos para intervir em Bagdade vão dificultar a liderança norte-americana neste caso específico. Para evitar que o mesmo cenário se voltasse a repetir noutro país, a União Europeia – designadamente o Reino Unido, França e a Alemanha – decidem tomar as rédeas das negociações com o Irão. Washington não se opõe à iniciativa europeia mas recusa-se a participar na mesma.

Ainda que tenham sido constantes as garantias de que o poderio nuclear servia apenas fins civis – algo que o Tratado de Não-Proliferação estabelece como direito inalienável de todos os signatários – a pressão norte-americana será constante ao longo dos primeiros anos de negociações.

Em 2005, com a eleição de Mahmoud Ahmadinejad como novo Presidente – candidato que durante a campanha se tinha notabilizado por criticar a aproximação de Teerão ao Ocidente - o Irão volta ao enriquecimento de urânio que havia interrompido no início das negociações, até porque os resultados obtidos junto dos europeus, argumentavam, não permitiam colmatar as dificuldades criadas pelas sanções norte-americanas.

Em 2006, na sequência da nova posição de afronta assumida pelo Irão, surgem as primeiras sanções multilaterais, aprovadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. Este órgão da ONU vai aprovar durante os anos seguintes várias resoluções com vista a pressionar Teerão a cancelar as suas atividades nucleares.

Só volta a haver espaço para negociações sérias em 2009, com os países europeus que haviam iniciado as negociações, mas contando também com a participação de Estados Unidos, China e Rússia. Nesse ano, o novo Presidente norte-americano diz a América está pronta a “estender a mão” num gesto de paz.

Mas esta ténue esperança de um acordo, estimulada pela eleição de Barack Obama em 2008 e pela convulsão política e social em Teerão aquando da “Revolução Verde”, após as eleições presidenciais de 2009, redunda em fracasso, perante a posição cada vez mais extremada do Irão e a dificuldade por parte da comunidade internacional em falar a uma só voz.

A situação torna-se cada vez mais precária nos anos seguintes. Israel mantém um nível de ameaça constante e promove ataques contra cientistas nucleares iranianos. Os Estados Unidos avançam com ciberataques – como o Stuxnet - que visam o programa nuclear e nunca tiram de cima da mesa a hipótese de uma intervenção no terreno.

Só depois de 2012, após garantir a reeleição para um segundo mandato, a Administração Obama consegue criar as condições para chegar a um acordo conclusivo e negociar com o velho inimigo. Do outro lado da barricada, há outra mudança importante em 2013, com a eleição de Hassan Rouhani como novo Presidente iraniano. O eleitorado entrega-lhe uma missão: acabar com as dificuldades económicas que haviam sido criadas por vários anos de sanções e embargos internacionais.
O acordo e o fim do acordo

O grupo P5+1 (os cinco membros do Conselho de Segurança mais a Alemanha) chega a um princípio de acordo com Teerão em finais de 2013 com base em duas premissas: o Irão permitiria a limitação, o controlo e a vigilância do seu programa nuclear e, em troca, seriam levantadas as pesadas sanções internacionais que asfixiavam a economia.

Nessa altura, a pressão não estava apenas do lado iraniano. Cada vez mais as várias potências internacionais temiam um poder nuclear que desconheciam e em breve poderiam não conseguir controlar. Na altura em que o princípio de acordo foi estabelecido, estimava-se que o Irão estivesse entre dois a três meses de conseguir alcançar pleno poder nuclear.

O final de 2013 é histórico para a relação dos dois países: pela primeira vez desde a Revolução de 1979, o Presidente norte-americano e um alto líder iraniano, neste caso o Presidente Rouhani, conversam por telefone em setembro, na sequência de vários esforços de aproximação entre os dois países durante a Assembleia Geral das Nações Unidas, que decorrera em setembro em Nova Iorque.

Mesmo com várias pressões internas e externas que os principais atores enfrentam, o princípio de acordo transforma-se numa conquista diplomática dos vários países envolvidos, considerada impossível apenas alguns anos antes. Em julho de 2015, é assinado o Joint Comprehensive Plan of Action (JCPOA), nome formal do entendimento que limitou até recentemente a produção nuclear do Irão, com supervisão imparcial assegurada pela Agência Internacional de Energia Atómica (AEIA).

Esse acordo negociado durante vários anos é implementado em janeiro de 2016 e vigora em pleno cumprimento por todas as partes. Até 2018.

Donald Trump é eleito em novembro de 2016 e chega à Casa Branca no início do ano seguinte com promessas de se desfazer daquele que considera abertamente como “o pior acordo de sempre”. No primeiro ano de mandato são várias as ameaças por parte da nova Administração norte-americana, mas os homens próximos de Trump no arranque da presidência conseguem segurar os Estados Unidos no acordo sobre o programa nuclear, incluindo o papel do secretário de Estado, Rex Tillerson, que acaba por abandonar funções em março de 2018.

Dois meses depois, em maio de 2018, os Estados Unidos retiram-se unilateralmente do acordo carimbado pela Administração Obama e Donald Trump anuncia a reposição de sanções que tinham sido levantadas anos antes. Na base da decisão estão não só as críticas ao próprio entendimento negociado pelo antecessor, mas também a atuação do Irão com crescente influência no Médio Oriente e o facto de o acordo versar apenas o dossier nuclear e não tratar, por exemplo, a questão dos mísseis balísticos.
Um ciclo vicioso de retaliações

A partir daqui inicia-se o novo ciclo de tensões, de resposta e contrarresposta entre Teerão e Washington. Durante um ano, o Irão ainda continuou a cumprir o acordo apesar das sanções e dos embargos que tinham sido entretanto repostos.

Nesta altura, a pressão estava também em Bruxelas, Paris, Londres e Berlim. Teerão pedia à Europa - que consigo tinha iniciado as negociações em 2003 - para tentar salvar o acordo e compensar o país pelas perdas provocadas pela retirada norte-americana.

Não obstante as tentativas e apelos europeus, a economia iraniana começa a sofrer as consequências da decisão dos Estados Unidos, sobretudo porque as sanções passam a abranger todos os países e empresas ligadas ao petróleo iraniano ou que optassem por manter negócios com o Irão. Teriam de escolher entre Teerão e Washington.

Depois de “um ano de paciência”, como lhe chamou o MNE iraniano, a situação é cada vez mais insustentável e o Presidente Hassan Rouhani anuncia, em maio de 2019, que o Irão vai começar a violar algumas das alíneas do acordo nos meses seguintes, caso a situação se mantivesse inalterada.

No verão de 2019, Teerão e Washington envolvem-se numa escalada de violência no Golfo de Omã e junto ao Estreito de Ormuz. No momento mais sensível e aflitivo destes meses, os Guardas da Revolução do Irão – que são considerados desde abril uma “entidade terrorista” – abatem um avião norte-americano não tripulado no final de junho, argumentando que o aparelho tinha violado o espaço aéreo iraniano, algo que os Estados Unidos negam.

Na sequência deste incidente, Trump ordena um ataque contra alvos iranianos mas suspende-o à última hora por considerar que o mesmo “não seria proporcional” e tendo em conta o número elevado de vítimas que iria provocar.

Em setembro último, um ataque com drones contra a gigante petrolífera saudita, a Aramaco, foi reivindicado pelos rebeldes iemenitas Houthis, apoiados pelo Irão, que nega qualquer envolvimento na investida contra o arqui-inimigo regional.

Os meses seguintes ficam marcados por grandes movimentos de contestação interna no Iraque, contra a influência iraniana no país, e no Irão, em resposta ao aumento dos preços dos combustíveis e das dificuldades económicas crescentes. A resposta do regime é brutal nos dois palcos, com várias centenas de mortos nas manifestações.

Mas os gritos de contestação à liderança iraniana nos dois países transformaram-se numa crítica uníssona à América. Em dezembro, os Estados Unidos culpam o grupo Kataib Hezbollah, uma milícia iraquiana apoiada pelo Irão com forças no Iraque e na Síria, pela morte de um empreiteiro norte-americano em Kirkuk, no norte do Iraque.

Washington responde desde logo com um ataque a várias bases da milícia pró-iraniana, investida que faz 25 mortos na Síria e no Iraque. No último dia do ano, milhares de manifestantes revoltam-se contra esta investida norte-americana e realizam um cerco à fortificada Embaixada dos Estados Unidos em Bagdade, que obrigou à intervenção das forças de segurança.

Terá sido esta ação provocatória instigada por Teerão que levou a Administração Trump a decidir abater, na última sexta-feira, o general Qassem Soleimani, comandante da força de elite dos Guardas da Revolução, a Al-Quds, em pleno aeroporto internacional de Bagdade.

Arquiteto da influência do Irão no Médio Oriente, considerado o número dois do ayatollah Ali Khamenei, a sua morte é chorada pelo regime e promete marcar o nível de confronto na região nos próximos tempos.

Para além da retórica acesa, no Twitter e nos canais oficiais, a morte de Soleimani já levou o Parlamento iraquiano a aprovar uma resolução com vista à expulsão das tropas norte-americanas do país e a retirada da coligação internacional de combate ao Estado Islâmico.

No domingo, o Irão anunciou que passaria a deixar limitar o enriquecimento de urânio, abandonando na prática os principais termos estabelecidos pelo acordo nuclear de 2015.

Qual será a próxima ação de retaliação na escalada de tensão e violência entre Estados Unidos e Irão? Washington garante que, ao matar Qassem Soleimani, quis “evitar uma guerra” e não iniciar um conflito, mas está a postos para responder a qualquer tentativa de vingança do regime. Por seu lado, o Irão já prometeu “uma vingança severa” que será sentida pela América durante “muitos anos”. Os dois países, que passaram de aliados a inimigos durante o século XX e se entenderam em anos recentes, voltam a estar de costas voltadas.