Terceiro Reich. Modelo educativo inspirado nos colégios privados britânicos

A escola modelo do Terceiro Reich foi inspirada nos colégios privados da elite britânica, entre os quais Eton e Harrow, concluiu a historiadora Helen Roche, autora da primeira história das escolas da elite nazi, as Napola. Um factor determinante é o intensivo programa de intercâmbio de alunos e professores que decorreu até ao início da Segunda Guerra Mundial.

RTP /
Um intenso programa de intercâmbios e torneios desportivos entre as Napola e colégios britânicos, como o de Eton, decorreu antes da Segunda Guerra Mundial Eton Photography

Não tenhamos ilusões: as Napola eram lugares duros. 

O exame de admissão nesta escola em Putbus, na Pomerânia Ocidental, exigia que alunos de 10 anos, mesmo aqueles que não sabiam nadar, caminhassem os 80 metros do cais e saltassem de três metros de altura para o mar Báltico.

Nós, os mais velhos, trazíamo-los de volta. Ninguém podia hesitar! Os nadadores tinham de saltar de um terceiro andar para um cobertor. Quem hesitasse ia direto para casa”, conta a testemunha entrevistada pela professora da Universidade de Durham.

As Nationalpolitische Erziehungsanstalten (Institutos Nacionais de Educação Política), mais conhecidas como Napola, deviam formar os futuros comandantes do Reich, tal como os colégios internos Eton e Harrow britânicos educaram os líderes do império britânico.

Os educadores alemães das décadas de 1930 e 1940 estavam principalmente interessados nos princípios de construção de caráter dos colégios privados britânicos, refere Helen Roche, que entrevistou mais de uma centena de antigos alunos e pesquisou em 80 arquivos de seis países.

Em declarações a The Guardian, a investigadora defendeu que a administração das Napola queria aprender com o sistema educativo privado britânico para depois tentar criar um modelo melhor para as escolas da elite alemã.

O que são as Napola e como interagiam com os colégios britânicos?

As primeiras três escolas internas foram criadas em 1933 como um presente de aniversário para Hitler pelo então ministro da Cultura da Prússia, Bernhard Rust. Em 1945, existiam 40 Napola, quatro destas para raparigas.

A investigadora concluiu que as Napola eram mais eficazes a doutrinar politicamente os alunos do que a Juventude Hitleriana, uma vez que as crianças frequentavam estas escolas, na maioria dos casos, a partir dos 11-12 anos e ficavam circunscritas a esse sistema.

Um intenso programa de intercâmbios entre as escolas alemãs e os colégios britânicos decorreu entre 1934 e 1939. Tanto os britânicos passavam temporadas em Napola, como os alemães nos colégios privados.

Por exemplo, alunos da Napola de Oranienstein participaram em intercâmbios com cinco colégios internos e promoveram-se trocas de professores e até de diretores. Também foram organizados torneios com sete destes colégios entre 1935 e 1938, entre os quais se incluiu Eton, Harrow, Winchester e Westminster.

O resultado ideal do programa seria que alunos e funcionários das Napola aprendessem como as coisas eram feitas na Inglaterra e depois usassem esse conhecimento para melhorar suas próprias técnicas educacionais”, explicou Helen Roche, que tem as Napolas como tema de investigação há mais de 10 anos.

Um antigo inspetor das Napola referiu-se aos colégios privados britânicos como um paradigma da educação "formadora de caráter", o objetivo final das escolas alemãs, conta a investigadora.

Depois dessas viagens, o jovem verá a Alemanha com novos olhos; ele voltará rico em experiências; seus horizontes serão alargados ... ele detetará fraquezas em casa que deve ajudar a remediar. Ele aprenderá a amar sua pátria mais profundamente”, referiu August Heissmeyer, citado por Roche.

Ainda neste contexto, o responsável nazi considerava o diretor da escola privada como uma personificação do “princípio do Führer” e os alunos que integravam os intercâmbios “embaixadores culturais” da “nova Alemanha”, acrescenta a historiadora.

Apesar de haver relatos de alunos e professores britânicos [bem] impressionados com a experiência na Alemanha, as atitudes mudariam com a deterioração das relações entre os dois países.

“Podemos ver este programa de intercâmbio como um microcosmo para atitudes mais gerais em relação ao regime nacional-socialista por parte do público britânico de classe média e alta (…) Não totalmente convencido dos objetivos e ideais do Terceiro Reich, no entanto, preparado para dar aos seus homólogos alemães o benefício da dúvida, [situação verificada] até que se manifestasse a beligerância nazi", afirmou Helen Roche.
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