Terra perdeu 28 biliões de toneladas de gelo em menos de 30 anos

Desde 1994, 28 biliões de toneladas de gelo desapareceram da superfície terrestre devido ao aquecimento global. Um grupo de cientistas do Reino Unido descreve estes números como “impressionantes” e alerta para o aumento do nível do mar em um metro até ao final do século.

Mariana Ribeiro Soares - RTP /
"Cada centímetro da subida do nível médio da água do mar significa que cerca de um milhão de pessoas serão deslocadas das suas residências em terrenos baixos" Pauline Askin - Reuters

Um grupo de cientistas das universidades de Leeds e Edimburgo e do Colégio Universitário de Londres analisaram imagens de satélite dos pólos, montanhas e glaciares de forma a calcular a quantidade de gelo perdida na sequência do aquecimento global entre 1994 e 2017.

O resultado a que chegaram é descrito pelos próprios cientistas como “impressionante”: um total de 28 biliões de toneladas de gelo desapareceram da superfície terrestre em 23 anos, uma quantidade que “cobriria toda a superfície do Reino Unido com uma camada de gelo com 100 metros de espessura”, segundo Tom Slater, um dos investigadores.

De acordo com um resumo da investigação, publicado na revista científica Cryosphere Discussions, 60 por cento deste gelo perdido foi no hemisfério norte e o restante no hemisfério sul. Para além disso, a taxa de degelo aumentou em 57 por cento a partir da década de 90, passando de 0,8 para 1,2 biliões de toneladas por ano.

“No passado, investigadores estudaram áreas individuais, como a Antártida ou a Gronelândia, onde o gelo está a derreter. Mas esta é a primeira vez que alguém olha para todo o gelo que está a desaparecer de todo o planeta”, disse o professor Andy Shepherd, diretor do Centro de Observação e Modelação Polar da Universidade de Leeds.

“O que encontramos impressionou-nos”, acrescentou o professor ao jornal The Guardian, sublinhando que este nível de perda revelado pelos cientistas coincide com as previsões do pior cenário possível delineadas pelo Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC, na sigla inglesa).
Subida do nível do mar
Os cientistas alertam ainda que, de acordo com o seu estudo e com esta quantidade de gelo perdida, a subida do nível do mar pode chegar até um metro no final do século e afetar milhares de milhões de pessoas.

“Para contextualizar, cada centímetro da subida do nível médio da água do mar significa que cerca de um milhão de pessoas serão deslocadas das suas residências em terrenos baixos”, explica Shepherd.

Em Portugal, esta subida do mar irá refletir-se em cerca de 30 centímetros em 2050 e afetará mais de 100 mil portugueses que vivem em zonas costeiras vulneráveis, de acordo com as previsões do engenheiro geógrafo Carlos Antunes.

Para além disso, os cientistas britânicos alertam ainda que o degelo também contribui para o aquecimento do planeta devido ao seu papel na refletividade.

O gelo, enquanto superfície, tem o poder de refletir radiação solar para o espaço, um processo conhecido por albedo. Quanto menor for o albedo, maior é a energia solar absorvida. Com o aquecimento global, há menos gelo, logo, menos radiação a ser refletida para o espaço. O oceano passa a absorver essa energia, levando ao seu aquecimento e a um descongelamento mais rápido dos glaciares. Este é um dos tipping points, ou pontos de não retorno. Isto é, o desaparecimento da superfície gelada da Terra é um dos “fatores essenciais” que, atingindo um ponto crítico, podem conduzir a um ponto de não retorno, que ultrapassa a capacidade humana de tentativa de controlo.

Tal como explica o investigador Carlos Antunes, 84 por cento da energia que é retida pelo efeito de estufa é absorvida pelo oceano e, por sua vez, resulta na sua expansão e na subida do nível do mar. “A energia libertada por três bombas de Hiroshima é a mesma energia que o oceano está a absorver a cada segundo”, explica o engenheiro geógrafo, o que significa que, “mesmo que o aquecimento global acabasse agora, daqui a 500 anos o mar continuaria a expandir”.

“Há poucas dúvidas de que a maioria da perda de gelo na Terra é uma consequência direta do aquecimento global”,
refere a investigação.

“Em média, a temperatura da superfície do planeta subiu 0.85 graus Celsius desde 1880 e esse número foi amplificado nas regiões polares”, refere o estudo. Como resultado, tanto a temperatura do mar como a da atmosfera aumentaram, o que desencadeou a catastrófica perda de gelo identificada pelo grupo de cientistas do Reino Unido.

No caso do degelo na Antártida, a subida da temperatura do mar foi o principal fator, enquanto o aumento da temperatura atmosférica foi a causa para o desaparecimento das camadas geladas continentais, como as dos Himalaias. Já na Gronelândia, a perda de gelo foi desencadeada por uma combinação destes dois fatores.
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