Texas. Centros para migrantes sul-americanos sob fogo democrata

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
Loren Elliott, Reuters

A visita de um grupo de congressistas democratas às instalações da fronteira com o México onde são mantidos migrantes sul-americanos abriu um novo capítulo na longa lista de críticas à política fronteiriça de Donald Trump.

Às más condições em que são mantidos os migrantes soma-se agora a descoberta de um grupo privado do Facebook onde estes sul-americanos que procuram entrar nos Estados Unidos são alvo de chacota, anedotas racistas e xenofobia. O problema aqui – e seria sempre um problema – é que o grupo é constituído por quase dez mil elementos da própria guarda fronteiriça que presta serviço nesses centros de detenção.
Uma visita e várias constatações chocantes
Detidas em celas sobrelotadas, com os sacos-cama colocados directamente no cimento, sem água-corrente e, muitas das vezes, crianças separadas das suas famílias. Estes foram os cenários descritos pelos representantes democratas – Alexandria Ocasio-Cortez, Verónika Escobar e Joaquin Castro eram alguns dos elementos do grupo – que visitaram as instalações do Texas onde são mantidos os migrantes detidos na tentativa de passar para os Estados Unidos.


A visita dos representantes democratas às instalações fronteiriças de El Paso foi espoletada não apenas pelas fracas condições em que estas mulheres são mantidas como também pela existência de um grupo secreto no Facebook onde os agentes dessas instalações alegadamente utilizam linguagem ofensiva contra as detidas. A própria representante democrata Alexandria Ocasio-Cortez é alvo das piadas discriminatórias em várias mensagens colocadas no grupo.

Esta é uma situação que ao mesmo tempo que traduz o espírito de alguns dos agentes de fronteira norte-americanos, face a esta situação, espelha por outro lado uma liberdade concedida directamente pela Casa Branca, onde o próprio Presidente Trump recusa muitas das vezes abordar com palavras comedidas a situação humanitária que se vive na fronteira.

Trata-se antes de tudo de um código de conduta impróprio que emana da liderança norte-americana e que acaba por ser interiorizada pelos agentes da guarda fronteiriça.

A revelação surge na sequência de um trabalho de investigação da organização de jornalistas sem fins lucrativos ProPublica, que conseguiu infiltrar-se no grupo que leva cerca de três anos de existência.

O caso agora revelado está a causar embaraços na hierarquia desta força, tendo já sido ordenada a abertura de um inquérito. Ocasio-Cortez é um dos alvos preferenciais dos milhares de membros inscritos no grupo secreto. Numa das imagens partilhadas surge uma montagem com o Presidente Trump a abusar sexualmente da congressista norte-americana e activista dos Direitos Humanos desde a primeira hora. Nesse contexto, também o próprio presidente é uma vítima das postagens do grupo.


Aquando da visita às instalações na fronteira alguém sugeriu aos agentes que atirassem “um burrito” (comida mexicana) à representante democrata, uma atitude de gozo face à sua descendência latino-americana.

Lembrando que o grupo tem 9.500 membros, Ocasio-Cortez sublinha que “não se trata aqui de meia dúzia de maçãs podres. Isto é uma cultura de violência”.

“Imaginem como [estes agentes] tratam as mulheres detidas nestes centros”, acrescentou a congressista.

A directora da guarda fronteiriça (Border Patrol – CBP na sigla original), Carla Provost, foi obrigada a vir a terreiro para defender o regulamento, considerando “completamente inapropriado” este tipo de conduta para garantir que “qualquer agente que venha a provar-se ter violado os nossos padrões de conduta será por isso responsabilizado”.
Nova polémica, mesma política

Em substância, estes dados não alteram a percepção da situação vivida nos centros de detenção na fronteira dos estados Unidos com o México. Há muito são conhecidas as condições precárias em que os migrantes sul-americanos são mantidos nestas instalações. Recentemente, a polémica rebentara em relação a crianças e bebés que eram atirados ao abandono para dentro de celas sem quaisquer cuidados higiénicos e alimentares.

Na visita do grupo democrata, esta segunda-feira, o representante do Massachusetts Joseph P. Kennedy referiu-se à situação como “uma cela (…) e eles estão a tratar estas pessoas como se estivessem numa cela. Todo o sistema está errado. Elas merecem melhor do que isto, o nosso país merece melhor do que isto”.

Ocasio-Cortez partilhou ainda o relato de algumas mulheres segundo os quais estariam há mais de quinze dias sem poder tomar banho e que isso apenas lhes foi permitido “há quatro dias”, quando a visita dos congressistas foi anunciada.

Há uma semana, as organizações humanitárias colocaram a Administração Trump sob pressão depois de relatarem que em alguns centros de detenção – como era o caso de Clint, no Texas – muitas das crianças abaixo dos dez anos eram obrigadas a assumir a tarefa de cuidar dos bebés e companheiros mais novos, situação agravada também ali pela impossibilidade de manterem hábitos de higiene e cuidados de saúde.

Durante uma audição, uma advogada do Departamento de Justiça chegou a defender que “as crianças imigrantes não precisam de camas, sabonete ou escovas de dentes” enquanto se encontram sob custódia dos serviços de fronteira.



Alexandria Ocasio-Cortez viu-se então envolvida numa polémica com membros do Partido republicano por ter lamentado a utilização nos Estados Unidos do que classificou como campos de concentração.


Alexandria Ocasio-Cortez foi atacada por membros da comunidade judaica republicana, que manifestaram indignação pela comparação destas instalações para imigrantes com “campos de concentração”. No entanto, depois de fornecer a sua definição de campos de concentração, e o enquadramento devido a esta situação em particular, Ocasio-Cortez nunca foi devidamente contrariada, apenas insultada por alegadamente introduzir os campos de extermínio nazis na discussão, o que a democrata nunca fez.
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