Ilda chegou a combater nas matas timorenses contra a ocupação indonésia com a arma num braço e o filho bebé no outro. Hoje foi homenageada pelo secretário-geral da ONU e mostrou orgulho por ter sido "uma mulher da resistência".
Ilda da Conceição, que tinha nome de guerra Lalo IMIN (sigla que significava Independência ou Morte, Integração Nunca), é uma das 13 mulheres cuja história é retratada na exposição "Mulheres da Resistência", hoje inaugurada e que foi visitada por António Guterres, que está em Díli para participar nas celebrações dos 25 anos do referendo que levou à restauração da independência do país.
O secretário-geral foi recebido Arquivo e Museu Resistência Timorense por um grupo de dança tradicional e fez uma visita guiada à exposição permanente "Resistir é vencer", que lembra as principais datas da luta da resistência armada contra a ocupação indonésia de Timor-Leste entre 1975 e 1999.
António Guterres foi comentando alguns dos acontecimentos, como o "famoso Timor Gap", o tratado assinado entre a Austrália e a Indonésia em 11 de dezembro de 1989 para a exploração conjunta de petróleo no Mar de Timor.
"Esta fotografia é uma vergonha", disse o secretário-geral da ONU sobre a imagem que mostra os então chefes da diplomacia da Austrália, Gareth Evans, e da Indonésia, Ali Alatas, a celebrarem a assinatura do Timor Gap a bordo de um avião que sobrevoava o mar de Timor.
Entre os acontecimentos históricos, foram destacadas a morte em combate do herói nacional Nicolau Lobato, em 31 de dezembro de 1978, e de Konis Santana, líder do movimento de resistência timorense, em março de 1998, que tem no museu uma réplica do seu abrigo, na cave de uma casa, onde tinha uma cama, uma máquina de escrever, uma escada e a arma.
Guterres visitou ainda a exposição temporária "Não vou calar a minha voz", lema que marcou a luta pela causa da independência timorense, e confirmou uma referência a uma declaração sua enquanto primeiro-ministro de Portugal, escrita num dos cartazes: "É verdade, eu disse isto. Se não houvesse intervenção [da ONU em Timor-Leste], eu retirava as tropas portuguesas dos balcãs".
O secretário-geral da ONU visitou depois a exposição "Mulheres da Resistência", organizada pela UNWoman, acompanhado pelo Presidente e primeiro-ministro timorenses, José Ramos-Horta e Xanana Gusmão, respetivamente, cumprimentando cada uma das antigas combatentes.
Em declarações à Lusa, a responsável da UNWomen em Timor-Leste, Nishtha Satyam, explicou que o projeto tem três fases para "contar as histórias das mulheres que fizeram parte da resistência armada". Além da exposição hoje inaugurada, o objetivo de longo prazo é o lançamento de um livro e de um documentário, explicou.
O jornalista António Sampaio, que colaborou no projeto, referiu que aceitou o desafio porque "é preciso contar as histórias destas mulheres".
"Fala-se muito dos pais da nação, mas não das mães da nação e houve muitas. Nesta exposição temos mulheres que pegaram em armas, mulheres que trataram de homens e mulheres feridos, que foram caixas de informação, mulheres que trabalharam fora de Timor, na frente externa e cujos papéis nunca foram devidamente reconhecidos", disse.
Zulmira é uma dessas mulheres, que esteve pouco tempo na frente de combate, três anos (entre 1975 e 1978) porque foi "atingida com três tiros no ataque que matou o Presidente Nicolau Lobato", na montanha de Mindelo-Maubisse.
Sobre o significado da presença de António Guterres no dia em que é homenageada, diz-se orgulhosa. "Estamos a comemorar este dia em que libertámos a nossa nação", afirmou.
Sobre a evolução do país, 25 anos após o referendo, em 30 de agosto de 1999, que levou à restauração da independência de Timor-Leste, em 20 de maio de 2002, Zulmira, hoje com 65 anos, considera: "A nossa nação está libertada, mas o nosso povo ainda não está em liberdade por causa da pobreza, que ronda os 40% da população".
Ilda da Conceição "conta que esteve os 24 anos da resistência a combater nas matas, onde entrou com 13 anos.
"Era difícil para as mulheres. A situação era grave, sobretudo no tempo da chuva e o inimigo avançava", diz Ilda, hoje com 60 anos, mostrando no entanto orgulho por ter sido "uma mulher da resistência", cujo lema era "resistir para vencer e lutar para libertar".
Esta ex-combatente recorda que chegou a andar com a arma num braço e um dos filhos bebé no outro. Teve quatro e "foram todos entregues aos cuidados das mulheres clandestinas" que depois os deixavam ao cuidado das freiras.
O filho bebé de que falou só voltou a encontrar depois do referendo de 1999.