Trump admite declarar emergência nacional para construir o muro. Mas pode fazê-lo?

por Andreia Martins - RTP
Donald Trump admitiu na última sexta-feira que poderia invocar o estado de emergência de forma a contornar a oposição do Congresso na questão do muro na fronteira com o México. Carlos Barria - Reuters

Contornar o Congresso, pôr fim à paralisação parcial do Governo federal e forçar a construção do muro na fronteira com o México, prometido há vários anos por Donald Trump. Para o fazer, o Presidente admite usar uma declaração de emergência nacional, mecanismo que permite à Casa Branca direcionar fundos do Departamento de Defesa para determinado fim, sem que a decisão tenha de passar pelo Capitólio. Mas os especialistas e a oposição apontam vários perigos potenciais a esta solução que está a ser ensaiada pela Administração.

“Sim, posso fazê-lo. Ainda não o fiz mas podemos invocar uma situação de emergência nacional e construir [o muro] rapidamente […] É uma outra forma de o fazer, mas se pudermos fazê-lo através de um processo negociado, vamos tentar…”, afirmou o Presidente norte-americano na última sexta-feira, em resposta aos jornalistas que questionaram Donald Trump sobre a possibilidade de invocar uma situação de emergência nacional para resolver o impasse orçamental em curso. 

Em causa está a construção do muro na fronteira com o México, que já levou ao terceiro maior shutdown da história dos Estados Unidos, e que está ainda em curso. A paralisação parcial da administração federal norte-americana começou a 22 de dezembro e deve-se à recusa do Capitólio a autorizar o financiamento para a construção do muro, um investimento na ordem dos 5,6 mil milhões de dólares (cerca de 4,9 mil milhões de euros).

Por sua vez, o Presidente norte-americano recusa-se a assinar qualquer lei orçamental provisória caso esta não inclua a verba para a barreira fronteiriça entre os dois países. Aliás, a construção do muro foi uma das maiores bandeiras da campanha eleitoral de Donald Trump e promessa constante ao longo dos primeiros dois anos deste mandato.  

Ao entrar na terceira semana do shutdown - uma paralisação parcial que está a afetar Departamentos nevrálgicos para o funcionamento regular do Governo, como o da Justiça, Comércio, Agricultura, Trabalho, Interior e do Tesouro -, a Administração Trump estuda a possibilidade de invocar os poderes de emergência para forçar a construção do muro.  

O shutdown levou mesmo ao encerramento de vários gabinetes e agências, situação que já deixou cerca de 800 mil funcionários norte-americanos em licença sem vencimento. Nos serviços considerados essenciais, os trabalhadores são forçados a trabalhar sem qualquer remuneração.  

Trump já afirmou que não vai dar ordem de reabertura das várias agências federais até que consiga garantir "segurança fronteiriça" para o país, ou seja, a construção do muro prometido. Nem que seja com recurso a medidas extraordinárias.  

O uso de poderes de emergência permitiria a Donald Trump “salvar a face” e cumprir com a palavra, ao garantir o financiamento do muro. No entanto, essa decisão seria vista como “agressiva” e até mesmo uma clara violação da Constituição norte-americana, segundo o jornal The New York Times.  
O que é uma declaração de emergência?  

O Presidente norte-americano tem autoridade para declarar uma situação de emergência nacional, permitindo-lhe alargar os poderes executivos e dar uma resposta rápida aos problemas em momentos específicos de crise, nomeadamente em caso de catástrofes naturais, humanitárias ou de ataques diretos contra os Estados Unidos.  

Nos Estados Unidos, o National Emergencies Act regula desde a era pós-Watergate de que forma é que os Presidentes podem invocar estes poderes. No entanto, requer dos mesmos que declarem formalmente uma situação de emergência e que comuniquem ao Congresso quais os estatutos da lei que estão a ser aplicadas.  

Desde 1983 que praticamente não existem limites para o que pode ou não ser declarado “emergência” pelo Presidente dos Estados Unidos, uma vez que o Congresso ficou sem capacidade de veto após decisão do Supremo Tribunal.  

Assim, um dos estatutos que poderá estar à disposição de Trump é o que permite uma construção do muro através do secretário do Exército, uma vez que este poderá dar ordem para interromper projetos já em curso e mandar fazer “construções militares e projetos que são essenciais à defesa nacional”.

Outro estatuto passaria pelo secretário de Defesa. “No caso de uma declaração de guerra ou de uma declaração, pelo Presidente, de uma emergência nacional de acordo com a Lei das Emergências Nacionais […] que requer o uso de forças armadas, o secretário de Defesa pode, sem considerar qualquer outra disposição legal, empreender projetos de construção militar, e poderá autorizar […] os departamentos militares a empreender projetos de construção militar não autorizados pela lei”, lê-se no estatuto.
   
Vários responsáveis do Pentágono estão já a analisar o orçamento de 2019 para as construções, de forma a determinar que fundos podem ser mobilizados para a construção do muro, uma vez que, neste caso, só os fundos de construção que ainda não foram atribuídos a outros projetos podem ser usados para este em específico. 

Estas são as duas disposições que, segundo os especialistas, poderão permitir ao Presidente canalizar investimentos por via de poderes especiais que lhe são conferidos em situações de emergência, depois de esta ser declarada. No entanto, neste caso, o problema parece estar na origem, ou seja, na própria declaração formal de situação de emergência. 
Derrotado nos tribunais?  
Historicamente, o Congresso costuma dar margem de manobra ao Presidente para que este invoque o estado de emergência e o recurso aos poderes executivos especiais de que passa a dispor. No entanto, a situação deverá ser diferente neste caso, uma vez que Donald Trump pretende, com esta medida, colocar precisamente um ponto final no braço de ferro orçamental com o Capitólio que levou ao shutdown.  

“Absolutamente, é um abuso de poder quando um Presidente declara uma emergência nacional e esta não existe, e tenta usá-la para contornar o processo democrático. Mas estamos numa situação em que o nosso sistema legal de poderes de emergência quase convida a este tipo de abusos”, considera Elizabeth Goitein, do Brennan Center for Justice, em declarações à Associated Press.  

Para o senador democrata Jack Reed, ligado ao comité dos serviços militares daquela câmara, o problema reside precisamente na falácia inicial de declarar a emergência. “Não estamos em guerra com o México e o muro proposto não tem utilidade. De facto, o mais recente documento de Estratégia de Defesa Nacional não menciona a fronteira sul como prioridade de Defesa Nacional”, refere.

No mesmo sentido, Adam Smith, do comité das Forças Armadas da Câmara dos Representantes, considera que uma eventual ação de Donald Trump nesse sentido seria “um grande erro”.  

Em declarações à CNN, o responsável refere que “claramente não existe nenhuma emergência nacional”, mas admite ainda assim que o Presidente “pode fazê-lo, de um ponto de vista legal”, sendo que tal decisão deverá acabar por ser impugnada nos tribunais e poderá mesmo ser o pretexto para iniciar um processo de impeachment na Câmara dos Representantes.

“Se algum tribunal analisar realmente se este é um caso de emergência nacional, então Trump estará em apuros. Considero que existe um abuso de poder em declarar uma emergência onde não existe nenhuma”, aponta ainda Elizabeth Goitein.   

Perto de completar os dois primeiros anos de Presidência, Donald Trump está sob pressão crescente para pôr fim ao shutdown, ao mesmo tempo que procura garantir que não haverá qualquer recuo na questão do muro.  

No entanto, a construção fronteiriça pela via da negociação e aprovação do Congresso parece cada vez mais distante, uma vez que os democratas - desde o início do ano em maioria na Câmara dos Representantes - se opõem firmemente a este projeto, pelo que a possibilidade de uma declaração de emergência poderá ser um perigoso “plano B” a seguir pela atual Administração.

O jornal New York Times assinala, neste contexto, que a situação atual na fronteira com o México não representa uma situação evidente de emergência, uma vez que o número de pessoas que atravessa a fronteira ilegalmente é muito menor do que noutras décadas. Por exemplo, a “caravana” de migrantes que Trump mencionou abundantemente durante a campanha das eleições intercalares, em novembro último, não constitui uma tentativa de invasão, mas antes uma apresentação destes migrantes perante as autoridades, com os seus pedidos de asilo.  
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