Trump insinua que Ucrânia "pode vir a ser russa um dia"

por Cristina Sambado - RTP
Shannon Stapleton - Reuters

O presidente dos Estados Unidos levantou a possibilidade de a Ucrânia se tornar "russa um dia", repetindo, em entrevista à Fox News, que pretende que Washington tenha acesso às terras raras ucranianas, em troca de ajuda norte-americana contra Moscovo.

Trump sublinhou também que a ajuda dos Estados Unidos à Ucrânia tem um retorno sobre o investimento, sugerindo uma troca pelos recursos naturais de Kiev, como os minerais raros.

"Quero que o nosso dinheiro esteja seguro porque estamos a gastar centenas de milhares de milhões de dólares", disse Donald Trump, na segunda-feira, em entrevista à Fox News.

"Podem chegar a um acordo, podem não chegar a um acordo. Podem ser russos um dia, podem não ser russos um dia", acrescentou o republicano, numa referência à invasão da Ucrânia por parte da Rússia.

Numa entrevista transmitida na íntegra, depois de a primeira parte ter sido emitida no domingo, Trump recordou que exigiu a Kiev o equivalente a 500 mil milhões de dólares (485 mil milhões de euros) em terras raras, metais usados em particular em eletrónica.

"Pelo menos assim não nos sentimos estúpidos", acrescentou.Na segunda-feira passada, Trump indicou que quer chegar a um acordo com a Ucrânia para ter acesso aos depósitos de terras raras do país como condição para continuar o apoio de Washington a Kiev.

Na entrevista ao canal televisivo norte-americano, o inquilino da Casa Branca voltou ainda a defender o fim do conflito entre Moscovo e Kiev.

Três anos após o início da ofensiva russa, o regresso ao poder do republicano Donald Trump, que se comprometeu a pôr rapidamente termo à “carnificina”, reacendeu as especulações sobre as conversações de paz.

As declarações de Donald Trump à Fox News surgem numa altura em que o vice-presidente norte-americano JD Vance se prepara para se avistar com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, no final desta semana.

Na segunda-feira, o presidente norte-americano confirmou que o seu enviado especial, o tenente-general na reforma Keith Kellogg, visitará a Ucrânia a 20 de fevereiro para elaborar um plano para pôr fim ao conflito.

Na passada semana, o presidente ucraniano afirmou que o seu país estava pronto a receber “investimentos de empresas americanas” nas suas terras raras, mas sublinhou que “alguns dos nossos recursos minerais” se encontram em zonas ocupadas. A Rússia já controla 20 por cento do território ucraniano.
Trump exclui possibilidade de ir a Kiev

O porta-voz de Zelensky, Sergiy Nikiforov, afirmou à agência France Presse que o presidente ucraniano se iria encontrar com JD Vance esta sexta-feira, à margem da conferência de segurança de Munique.

Uma fonte do gabinete de Zelensky disse que Kellogg chegaria à Ucrânia a 20 de fevereiro, sem especificar o local do país que visitaria. Uma deslocação que terá lugar poucos dias antes do aniversário de três anos da invasão russa, a 24 de fevereiro.

Zelensky afirmou na segunda-feira que estava a ser organizada uma reunião com Trump, embora ainda não tivesse sido fixada uma data, enquanto o presidente norte-americano declarou na passada semana que “provavelmente” se encontraria com o homólogo ucraniano nos próximos dias, mas excluiu a possibilidade de se deslocar pessoalmente a Kiev.

Os contactos surgem numa altura em que a Rússia está a fazer progressos na região de Donetsk, no leste da Ucrânia, onde tomou várias cidades - a maior parte delas completamente arrasadas por meses de bombardeamentos russos - ao longo do último ano.

No sábado, o New York Post avançou que Trump tinha falado ao telefone com Putin para discutir o fim do conflito na Ucrânia, afirmando que o líder russo lhe tinha dito que “quer que as pessoas deixem de morrer”. No entanto, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, recusou-se a confirmar ou negar o telefonema.

Os organizadores da conferência de segurança de Munique confirmaram na segunda-feira que Zelensky iria participar na cimeira de 14 a 16 de fevereiro.

A delegação dos EUA deverá incluir o Secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, bem como Kellogg e Vance, revelou o presidente da conferência, Christoph Heusgen.

Christoph Heusgen revelou ainda que não estarão presentes representantes do governo russo no encontro que vai decorrer em Munique.
Kiev quer garantias
A poucos dias do terceiro aniversário da invasão russa da Ucrânia, a 24 de fevereiro de 2022, Zelensky apelou na segunda-feira a uma “paz real e a garantias de segurança efetivas” para a Ucrânia.Trump está a pressionar para que o conflito termine rapidamente, enquanto Zelensky está a pedir garantias de Washington como parte de qualquer acordo com a Rússia.

Kiev receia que qualquer acordo que não inclua compromissos militares duros - como a adesão à NATO ou o envio de tropas de manutenção da paz - apenas dê tempo ao Kremlin para se reagrupar e rearmar para um novo ataque.

“A segurança das pessoas, a segurança do nosso Estado, a segurança das relações económicas e, claro, a sustentabilidade dos nossos recursos: não só para a Ucrânia, mas para todo o mundo livre”, afirmou.

“Tudo isto está a ser decidido agora”, acrescentou Zelensky num discurso em vídeo publicado nas redes sociais.

Trump disse que quer negociar o fim da guerra, mas não delineou uma proposta detalhada para levar os dois lados à mesa de negociações.

Durante a campanha eleitoral, Trump prometeu pôr fim ao conflito no prazo de 24 horas, revendo esta promessa para seis meses após a sua tomada de posse, em 20 de janeiro. No entanto, a Rússia e a Ucrânia continuam distantes nas suas posições, embora tenham assumido uma inédita postura de diálogo desde que Trump regressou à Casa Branca.

Volodymyr Zelensky há muito que rejeitava a ideia de negociações, alegando que queria vencer a Rússia no campo de batalha. Mas a Ucrânia está a ter dificuldades em lidar com o exército russo, que está a avançar no leste do seu território. E Kiev teme que a ajuda americana se esgote.

O presidente russo, Vladimir Putin, afirmou em várias ocasiões que está disposto a negociar, desde que a Ucrânia cumpra as suas exigências: ceder quatro regiões do sul e do leste do país, para além da Crimeia anexada em 2014, e renunciar a aderir à NATO. Condições que são inaceitáveis para Kiev.

Tanto Zelensky como o Presidente russo, Vladimir Putin, já excluíram anteriormente a possibilidade de conversações diretas entre si, e parece haver pouco terreno onde os dois possam chegar a um acordo.


Zelensky rejeitou, entretanto, quaisquer concessões territoriais a Moscovo, embora tenha reconhecido que a Ucrânia poderá ter de recorrer a meios diplomáticos para garantir a devolução de algum território.

A Rússia afirma ter anexado cinco regiões da Ucrânia - a Crimeia em 2014 e depois Donetsk, Kherson, Lugansk e Zaporizhia em 2022 - embora não tenha controlo total sobre elas.


A Rússia invadiu a Ucrânia a 24 de fevereiro de 2022, com o argumento de proteger as minorias separatistas pró-russas no leste e “desnazificar” o país vizinho, independente desde 1991 - após o desmoronamento da União Soviética - e que tem vindo a afastar-se da esfera de influência de Moscovo e a aproximar-se da Europa e do Ocidente.

c/ agências
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