Ucrânia palco de protestos após Zelensky assinar projeto de lei que visa agências anticorrupção

O presidente ucraniano assinou um projeto de lei que, segundo os críticos, retira a independência das agências anticorrupção da Ucrânia, provocando protestos em diversas cidades do país e atraindo críticas internacionais. Volodymyr Zelensky reuniu-se esta quarta-feira com responsáveis do combate a este fenómeno e de segurança e prometeu a criação de um plano conjunto dentro de duas semanas.

Mariana Ribeiro Soares - RTP /
Roman Baluk - Reuters

A nova lei, aprovada por Zelensky na noite de terça-feira, concede ao procurador-geral o controlo do Gabinete Nacional Anticorrupção (NABU) e da Gabinete Especializado Anticorrupção (SAP), o que está a ser visto pelos críticos como um enfraquecimento da autoridade destas agências a favor de um controlo executivo mais apertado.

A rapidez da aprovação levantou suspeitas de uma manobra política para consolidar o controlo do Governo em torno de pessoas leais ao presidente ucraniano.

A votação recebeu duras críticas dos responsáveis de ambas as agências e de um alto funcionário da União Europeia, e provocou protestos em várias cidades ucranianas, como Kiev, Lviv, Odessa e Dnipro. Estas foram as primeiras grandes manifestações anti-governamentais desde o início da invasão da Rússia, há mais de três anos.

Num discurso à nação publicado esta madrugada, Zelensky disse que ambas as agências continuariam a funcionar, “mas sem qualquer influência russa”.

"É claro que a NABU e o SAP vão funcionar. E é importante que o procurador-geral tenha a determinação de garantir que, na Ucrânia, o castigo para aqueles que vão contra a lei seja inevitável", disse Zelensky, criticando a eficiência da infraestrutura anticorrupção.

"Não há explicação racional para que processos criminais avaliados em milhares de milhões de euros estejam 'parados' há anos", disse.

A votação ocorreu um dia depois de a agência de segurança interna de Kiev ter detido dois funcionários do NABU por alegada colaboração com a Rússia e de ter realizado buscas abrangentes aos funcionários da agência por outros motivos.
Zelensky promete plano conjunto para combater corrupção
Esta quarta-feira, o presidente ucraniano reuniu-se com responsáveis anticorrupção e de segurança e prometeu a criação de um plano conjunto para combater a corrupção dentro de duas semanas.

"Todos ouvimos o que a sociedade está a dizer. Vemos o que as pessoas esperam das instituições estatais — justiça garantida e o funcionamento eficaz de cada instituição", disse Zelensky numa publicação na rede social X, após protestos em todo o país sobre os limites à independência dos órgãos anticorrupção.

“Concordamos que, na próxima semana, haverá uma reunião de trabalho aprofundada sobre o plano de ação conjunto. E, dentro de duas semanas, deverá estar pronto um plano conjunto — delineando as medidas necessárias e que serão implementadas para fortalecer a Ucrânia, resolver os problemas existentes, proporcionar maior justiça e proteger verdadeiramente os interesses da sociedade ucraniana”, acrescenta.

Zelensky considera que defender o Estado ucraniano “exige um sistema de aplicação da lei e anticorrupção suficientemente forte” e que os processos criminais “não devem arrastar-se durante anos sem veredictos legais”.

"Todos temos um inimigo comum: os ocupantes russos. E para defender o Estado ucraniano, precisamos de um sistema de aplicação da lei suficientemente robusto, capaz de garantir um genuíno sentido de justiça", disse Zelensky.
União Europeia “seriamente preocupada”
O projeto de lei em causa está a gerar preocupação entre os aliados ocidentais da Ucrânia, nomeadamente entre responsáveis da UE.

"A União Europeia está preocupada com as ações recentes da Ucrânia em relação às suas instituições anticorrupção", disse o porta-voz da Comissão Europeia, Guillaume Mercier.

O sistema anticorrupção independente foi uma pré-condição essencial para a ajuda ocidental à Ucrânia durante a invasão inicial da Rússia, em 2014. O NABU e o SAP foram criados após a revolução de Maidan, em 2014, que derrubou o governo do presidente pró-russo Viktor Yanukovych e colocou Kiev num caminho mais estreito com o ocidente.

Acabar com a corrupção profundamente enraizada é também um requisito fundamental para a candidatura da Ucrânia à UE, bem como para garantir o apoio militar e económico do ocidente.

A comissária para o alargamento do bloco europeu, Marta Kos, criticou a adoção do projeto de lei pela Ucrânia, afirmando estar “seriamente preocupada”.

"O desmantelamento das principais salvaguardas que protegem a independência do NABU é um sério retrocesso", disse, acrescentando que o Estado de direito está "no centro" das negociações de adesão à UE.

O vice-primeiro-ministro da Ucrânia para a integração Europeia e Euro-Atlântica, Taras Kachka, disse que garantiu a Marta Kos que não haveria concessões no combate à corrupção e que "todas as funções principais permaneceriam intactas".

Numa publicação na rede social X, Marta Kos disse ter tido uma “discussão franca” com a primeira-ministra ucraniana, Yulia Svyrydenko, e Kachka e expressou as suas “sérias preocupações” em relação a este projeto de lei.

“Continuaremos a trabalhar com a Ucrânia nas reformas necessárias do Estado de direito e no progresso no seu caminho para a UE”, disse.

c/ agências
PUB