"Um insulto ao Parlamento". Deputados iranianos atacam acordo com a AIEA sobre inspeções

por Andreia Martins - RTP
Rafael Grossi, diretor-geral da AIEA [à direita] esteve este mês em Teerão para fechar o acordo que garante inspeções à atividade nuclear do Irão por mais três meses. O MNE Javad Zarif [à esqueda] participou nas negociações em representação do Governo iraniano. Abedin Taherkenareh - EPA

Os deputados iranianos de linha dura, em maioria no Parlamento em Teerão, consideram que o acordo alcançado com a Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) é "ilegal" e exigem que o Governo de Presidente Hassan Rouhani seja punido. O entendimento técnico anunciado no domingo permite à agência internacional uma monitorização e verificação limitada do programa nuclear iraniano por mais três meses.

Horas depois do anúncio de um acordo provisório entre Teerão e a Agência Internacional de Energia Atómica, uma esmagadora maioria de deputados iranianos aprovou esta segunda-feira o envio para a justiça de um relatório da Comissão de Segurança Nacional de Política Externa, onde é denunciado o incumprimento por parte do Governo.

Os legisladores de linha dura dominam o Parlamento iraniano, eleito nas eleições parlamentares de há um ano, em fevereiro de 2020. Como tal, 221 deputados votaram a favor, seis votaram contra e sete abstiveram-se no voto de hoje. 

Os legisladores consideram que o acordo firmado entre a AIEA e a Organização de Energia Atómica do Irão constitui uma “violação clara” de uma lei aprovada em dezembro de 2020 pelo Parlamento que previa limitar o acesso dos inspetores internacionais às infraestruturas do programa nuclear iraniano, impedindo assim a implementação do Protocolo Adicional.

O Protocolo Adicional dava mais poderes à AIEA nas inspeções a atividades nucleares iranianas e permitia, ao abrigo do acordo de 2015, maior monitorização e verificação por parte da agência internacional.

Em comunicado, ainda antes da votação dos legisladores iranianos, a Organização de Energia Atómica do Irão garantia que, não obstante o acordo anunciado no domingo, a implementação do Protocolo Adicional seria “totalmente interrompida” a partir de terça-feira.
Um acordo para salvar o acordo

No domingo, o diretor-geral da AIEA tinha anunciado um acordo com Teerão para continuar a verificação e monitorização das atividades nucleares do país por mais três meses.

Chegámos a um entendimento bilateral técnico temporário através do qual a agência vai continuar a verificação e monitorização por mais três meses”, afirmou Rafael Grossi.

Este entendimento provisório prevê, por exemplo, que o número de inspetores da agência internacional a operar no país não se altere. No entanto, ficam para já impedidos de fazer inspeções surpresa ou aceder a imagens de várias instalações críticas.

Na prática, dizem as autoridades iranianas, a AIEA fica apenas com o acesso previsto pelo Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), sendo que o Irão compromete-se a guardar a informação sobre inspeções aos seus equipamentos por três meses, sem que a AIEA tenha, para já, acesso aos mesmos.

“Se as sanções [internacionais] forem completamente levantadas em três meses, o Irão vai fornecer esta informação à agência. Se isso não acontecer, a informação será apagada para sempre”, esclareceu Kazem Gharibabadi, enviado do Irão à AIEA.

A visão não é partilhada pelos legisladores iranianos - de maioria conservadora e linha dura - que prepararam esta segunda-feira uma moção onde apontam culpas aos responsáveis por este acordo, incluindo o Presidente Hassan Rouhani, considerando que todos devem ser legalmente punidos.

Rouhani é Presidente do Irão desde 2013 e foi reeleito em 2017, tendo supervisionado a assinatura do acordo sobre o programa nuclear iraniano em 2015. Na próxima eleição presidencial, que se realiza em junho de 2021, está impedido de se recandidatar a um terceiro mandato.

Desde a retirada unilateral do entendimento por parte dos Estados Unidos em 2018, por decisão da Administração Trump, as forças reformistas no Irão - que prometiam o crescimento da economia e a abertura do país ao mundo com a assinatura do acordo - têm enfrentado várias dificuldades após o restabelecimento das sanções internacionais.

“O Governo não tem o direito de decidir e agir arbitrariamente. Este entendimento é um insulto ao Parlamento”, considerou Mojtaba Zolnour, chefe do Comité de Segurança Nacional do Parlamento, em reação ao acordo com a Agência Internacional de Energia Atómica.

O Parlamento iraniano tinha definido 23 de fevereiro como a data limite para que os EUA levantassem as sanções impostas por Donald Trump, ou as inspeções por parte da AIEA seriam impedidas.

Na reação ao acordo, o porta-voz do Parlamento, Mohammad Bagher Ghalibaf, disse na segunda-feira que qualquer acesso para além do que o Tratado de Não-Proliferação Nuclear prevê seria “estritamente proibido e ilegal” e que a legislação antecipa a punição judicial de potenciais violações.
Última oportunidade para a diplomacia?

Do lado da AIEA, Rafael Grossi, diretor-geral, reconheceu na segunda-feira que o acordo firmado com Teerão trazia algumas “perdas” em termos de verificação e monitorização, mas sublinhou que o entendimento limitado no tempo e alcance serve apenas para acalmar os ânimos e dar espaço a novas negociações.

A esperança da AIEA tem sido no sentido de estabilizar a situação - que estava muito instável - e penso que este entendimento técnico o faz, para que outras consultas políticas a outros níveis possam ocorrer”, sublinhou.

O acordo bilateral específico entre a AIEA e o Irão pode dar o espaço e o tempo necessários a Estados Unidos e Irão para chegarem a um entendimento ao nível diplomático para o regresso concertado ao Joint Comprehensive Plan of Action (JCPOA), assinado em 2015 que limitava o programa nuclear iraniano em troca do levantamento de sanções internacionais.

É que, mesmo um mês depois da tomada de posse de Joe Biden - ex-vice-presidente da Administração Obama, que negociou com o Irão em 2015 - Teerão e Washington continuam numa situação de impasse.

O Irão tem reduzido gradualmente o cumprimento dos termos e limites estabelecidos pelo JCPOA - nome formal do acordo - desde a retirada unilateral de Trump em 2018 e a reposição de sanções. Os restantes signatários, nomeadamente os parceiros europeus, tentaram ao longo dos últimos anos segurar o acordo, em contracorrente com a diplomacia norte-americana.

Joe Biden já indicou que pretende regressar ao acordo, mas a Administração exige que o Irão dê o primeiro passo e cumpra todas as suas obrigações. Por sua vez, os iranianos exigem aos Estados Unidos o regresso ao acordo e o levantamento de sanções em primeiro lugar, dado que foi aquele país que se retirou unilateralmente há três anos.

No domingo, o Conselheiro de Segurança Nacional, Jake Sullivan, disse que a Administração Biden está “preparada para negociar”, mas que a bola está do lado dos iranianos.

“Agora, é o Irão que está isolado diplomaticamente, não os Estados Unidos”, afirmou numa entrevista à CBS.
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