Venezuela. Washington pressionou Madrid a apoiar Guaidó

por RTP
O filme dos acontecimentos que levaram uma sucessão de países europeus a reconhecer Juan Guaidó no passado fim de semana é esta sexta-feira traçado no jornal espanhol El País Carlos García Rawlins - Reuters

Enquanto a Venezuela se prepara para uma manifestação de apoio ao autoproclamado presidente interino, este sábado, e se aproxima o fim do prazo dado a Nicolás Maduro para convocar eleições, o jornal El País revela que foram os diplomatas norte-americanos a instigar Madrid a apoiar Juan Guaidó, para retirar o poder a Nicolás Maduro. Donald Trump exigiu mesmo à União Europeia que rompesse qualquer diálogo com o Presidente venezuelano.

O secretário de Estado espanhol da Cooperação Internacional e para a Ibero-América foi avisado a 23 de janeiro pela Embaixada dos Estados Unidos em Madrid. “É provável que Guaidó se proclame presidente hoje e nós vamos reconhecê-lo”, sinalizava então a representação diplomática.

O jornal espanhol El País traça esta sexta-feira o filme dos acontecimentos que levaram uma sucessão de países europeus lançar um ultimato, no passado fim de semana, a Nicolás Maduro, dando-lhe oito dias para que convocasse eleições, ou ver, em alternativa, reconhecida a legitimidade do recém-empossado presidente da Assembleia Nacional venezuelana como presidente interino.

Num artigo publicado no Wall Street Journal, a 23 de janeiro, o vice-presidente norte-americano, Mike Pence, anunciava o apoio ao antigo engenheiro de 35 anos, com quem se havia reunido na semana anterior.

A autoproclamação de Juan Guaidó nesse mesmo dia e o reconhecimento por Donald Trump, 15 minutos após o presidente do Parlamento venezuelano “assumir formalmente as competências do Executivo nacional como o presidente encarregado de Venezuela para conseguir o fim da usurpação”, arrastaram mais de 60 países e organizações, entre as quais o Parlamento Europeu.

À mensagem de apoio de Donald Trump seguiram-se 22 Estados-membros do Grupo do Rio - México foi a exceção, não tendo tomado posição.

Perante as dúvidas do ministro espanhol dos Negócios Estrangeiros em apoiar um presidente que não controla o aparelho de Estado e as questões jurídicas envolvidas, o embaixador dos Estados Unidos em Madrid pediu-lhe para reconhecer Juan Guaidó de imediato e não encetar qualquer diálogo com Nicolás Maduro, de modo a isolar o atual Presidente e aumentar a pressão para a sua deposição.

“Os Estados Unidos estão convencidos e fizeram-nos saber que não há lugar para mais mediação, nem mais facilitismos, conversações, nem mais nada", comunicou, quarta-feira, no Congresso, Josep Borrell.

A 25, o espanhol ministro dos Negócios Estrangeiros anunciava a intenção de reconhecer o autoproclamado presidente venezuelano “num prazo relativamente curto”, enquanto em Davos o primeiro-ministro se desdobava em contacto para, no dia seguinte, anunciar um ultimato a Maduro: ou convoca eleições num prazo de oito dias (que termina domingo) ou reconhecerá o líder da oposição como Presidente da Venezuela.

Ao anúncio de Madrid, seguiram-se a França, Alemanha, Reino Unido, Portugal e Holanda.
Portugal e o grupo de contacto
Ainda de acordo com El País, a situação foi acompanhada de perto pelo ministro português dos Negócios Estrangeiros, já que Augusto Santos Silva se encontrou com o homólogo Josep Borrell no próprio do telefonema da Embaixada dos Estados Unidos em Madrid.

Os dois ministros decidiram reagir com cautela ao apelo norte-americano. “Para nós, não basta que os Estados Unidos o reconheçam”, sustentou Santos Silva, citado por El País. “Não vamos fazer seguidismo de ninguém”, comentava Borrell.

O ministro português foi à capital espanhola encontrar-se com o homólogo para falar sobre os motivos que levaram ao atraso da criação do grupo de contacto internacional – ideia aceite pela União Europeia em outubro.

Este grupo seria constituído por representantes de vários países europeus e latino-americanos que teriam por missão restaurar os canais de diálogo entre Maduro e a oposição.

Nota o jornal que Portugal e Espanha são os países europeus com maiores interesses na Venezuela, uma vez que juntos representam metade dos cidadãos europeus a residir no país.

Ainda de acordo com o diário, o embaixador Duke Buchan III terá comunicado ao ministro espanhol Washington considerava Espanha e Portugal capazes de “arrastar o resto da União Europeia”.

Até a criação do grupo de trabalho estava em causa. “Os eventos mudaram as circunstâncias e estamos adaptando nosso desempenho ", afirmava Borrell a 25.

Na quinta-feira, após uma resolução do Parlamento Europeu a reconhecer Juan Guaidó como presidente interino e a instar a Alta Representante da UE para a Política Externa a fazer o mesmo, Federica Mogherini anunciou a constituição de um grupo de contacto internacional para, em 90 dias, conseguir uma saída pacífica e democrática para a crise na Venezuela com a realização de eleições presidenciais.

Em Bucareste, a italiana referiu que o grupo será composto por Estados-membros e países latino-americanos, visando "promover o entendimento e a atuação comum entre atores internacionais".

"O objetivo do grupo de contacto é claro. Trata-se de permitir aos venezuelanos exprimir-se livre e democraticamente através de novas eleições. Não é uma mediação", sublinhou Mogherini.

"Se constatarmos que é impossível lançar uma dinâmica, o grupo pode terminar os seus trabalhos antes. Mas, se ao fim de 90 dias, forem constatados elementos positivos, o grupo pode decidir continuar", explicou.

Esta sexta-feira, o ministro português dos Negócios Estrangeiros reiterava que a transição na Venezuela é "inevitável" e que o que resta saber é se isso conseguirá ser feito sem confrontação interna ou intervenção externa. Augusto Santos Silva reforça que a União Europeia "investe tudo em apoiar os venezuelanos numa transição pacífica" através de novas eleições.

O ministro português revela ainda ainda que o grupo de contacto internacional terá como interlocutor na Venezuela Juan Guaidó, porque é o presidente da Assembleia Nacional, a única entidade neste momento capaz de convocar eleições.

O prazo dado por Portugal e outros cinco países europeus para marcação de eleições presidenciais na Venezuela termina no domingo, pelo que na segunda-feira haverá um “reconhecimento político” individual, mas coordenado, ao opositor Juan Guiadó, disse o Governo português.

Após o fim do prazo de oito dias (a contar desde sábado) dado por Portugal, Espanha, França, Alemanha, Holanda e Reino Unido ao Presidente venezuelano, Nicolás Maduro, “será feito aquilo que o ultimato diz, que é reconhecer a autoridade do presidente da Assembleia Nacional [Juan Guaidó], nos termos da Constituição venezuelana”, disse hoje o ministro dos Negócios Estrangeiros português, Augusto Santos Silva.

A primeira reunião do grupo de contacto acontecerá nos próximos dias, adianta Santos Silva.

Além da União Europeia, constituem o grupo Portugal, Espanha, França, Itália, Alemanha, Reino Unido, Holanda e Suécia e, do lado latino-americano, Bolívia, Costa Rica, Equador e Uruguai. Novos membros deverão ser anunciados nos próximos dias.
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