Venezuela. Presidência de Guaidó reconhecida pelo Parlamento Europeu

por Raquel Ramalho Lopes - RTP
Guaidó nota que o mandato de Nicolas Maduro terminou a 10 de janeiro e que “não houve eleições presidenciais em 2018” Carlos Garcia Rawlins - Reuters

O Parlamento Europeu reconheceu esta quinta-feira Juan Guaidó como presidente interino da Venezuela. O autoproclamado chefe de Estado garante que “90 por cento da população quer mudança”. Em entrevista ao jornal espanhol El País, admite o risco de violência, mas afasta o cenário de uma guerra civil ou derramamento de sangue.

Os eurodeputados aprovaram - com 439 votos a favor, 104 contra e 88 abstenções - uma resolução que reconhece Juan Guaidó como o "presidente interino legítimo" da Venezuela e em que se pede à União Europeia e Estados-membros para assumirem uma posição semelhante, enquanto não for possível convocar eleições presidenciais.

Os eurodeputados reiteram o apoio à Assembleia Nacional, “que é o único órgão democrático legítimo da Venezuela e cujos poderes devem ser respeitados”.

“Nicolás Maduro usurpou, de forma ilegítima, o poder presidencial” a 10 de janeiro, lê-se na resolução, referindo que as eleições de 20 de maio foram conduzidas sem respeito pelas normas internacionais mínimas para um processo credível. “A UE não reconheceu essas eleições nem as autoridades instituídas por este processo ilegítimo”, refere a resolução.

O Parlamento Europeu pede ainda à responsável pela política externa da União Europeia que crie um grupo de contacto, junto com os países da região, "que poderia servir de mediador" para a "convocação de eleições presidenciais livres, transparentes e credíveis, com base num calendário acordado, em condições iguais para todos os intervenientes, na transparência e na observação internacional".

O reconhecimento da comunidade internacional tinha sido pedido pelo presidente interino Juan Guaidó tanto em entrevista ao jornal El País como em artigo de opinião no New York Times.

Notando que “o tempo está a esgotar-se” para Nicolás Maduro, o autoproclamado presidente interino da Venezuela admite que para pôr fim ao regime, é necessário “o apoio dos governos pró-democratas, instituições e indivíduos em todo o mundo”.

No artigo publicado esta quinta-feira no jornal americano, Juan Guaidó considera “imperativo que encontremos soluções efetivas para a grave crise humanitária que estamos a viver”. “A nossa força e a da Venezuela está na unidade”, conclui.

Em contraponto com a falta de apoio do povo venezuelano a Nicolás Maduro, Juan Guaidó sublinha o seu reconhecimento por mais de 60 países, entre os quais os Estados Unidos e o consenso entre os 28 Estados-membros da União Europeia.

“Há que reunir a capacidade de provocar o fim da usurpação, mobilizar a cidadania, vemos como a comunidade internacional nos reconhece”, declarou ao El País, esperando que “uma posição firme” permitirá que “nos próximos dias se cumpra o ultimato”.

Os governos de Espanha, França, Alemanha e Reino Unido desencadearam, no sábado, um ultimato concertado a Nicolás Maduro, instando-o a convocar eleições nos próximos oito dias. Se não o fizer, verá reconhecida a legitimidade de Juan Guaidó como presidente interino da Venezuela.
Guaidó culpa Maduro pela violência
Com protestos nas ruas para aumentar a pressão sobre o regime de Nicolás Maduro, Juan Guaidó reconhece que “há uma pequena cúpula ou liderança militar de apoio ao regime”, mas que não vai interferir na situação que se vive no país. A União Europeia exige a libertação imediata de três jornalistas estrangeiros e um condutor, em serviço para a agência espanhola EFE. "Acreditamos firmemente que todos os jornalistas devem poder exercer os seus deveres, responsabilidades e direitos no seu trabalho”, declarou a responsável pela diplomacia europeia, a italiana Federica Mogherini.

“Os únicos que falam de violência e que a exercem através das Forças Especiais da Polícia, através de paramilitares, são Maduro e seu regime. Os que alimentam uma tese como essa alimentam precisamente a violência”, acusou Guaidó, numa entrevista por telefone ao jornal espanhol El País.

O autoproclamado presidente interino da Venezuela, que é também presidente da Assembleia Nacional, sustenta que a “maioria do país quer mudanças, há um Parlamento que exerce as suas funções, há um presidente legitimamente delegado com poderes da Constituição, que procura uma solução política para o conflito”.

No entanto, Juan Guaidó reconhece o aumento da violência na Venezuela, onde em 2017 foram registados mais de 140 assassinatos. “Caracas é a cidade mais violenta do mundo se considerar a taxa de homicídios por 100 mil habitantes”, observa.

Na semana passada, morreram mais de 20 pessoas por alegado uso excessivo da força pelas milícias ou forças de segurança. Mais de 350 pessoas foram detidas desde que Juan Guaidó se declarou presidente interino a 23 de janeiro. A 20 de maio passado foram realizadas eleições presidenciais antecipadas, que ficaram marcadas por uma abstenção superior a 50 por cento e acusações de fraude. Os principais partidos recusaram participar nas eleições, por considerarem não existir garantias democráticas. Nicolás Maduro deverá permanecer no poder até 2025.

Números que suscitam a preocupação da responsável pelos Direitos Humanos nas Nações Unidas. A antiga presidente do Chile Michelle Bachelet pediu uma investigação independente ao alegado uso excessivo da força. “Estou extremamente preocupada que a situação na Venezuela possa sair rapidamente do controlo com consequências catastróficas”, declarava Bachelet, sexta-feira, em Genebra.

Guaidó sublinha que é Nicolás Maduro quem “insiste em usurpar as funções, sequestrar o poder e deixar os venezuelanos em condições muito precárias”. Por isso, argumenta que “é o Presidente responsável”, tendo como objetivo a convocatória de eleições no mais curto prazo possível.

Guaidó nota que o mandato de Nicolas Maduro terminou a 10 de janeiro e que “não houve eleições presidenciais em 2018”.

A ideia de que as eleições de maio foram “ilegítimas” é retomada no artigo de opinião publicado no jornal norte-americano The New York Times.

Nesse texto, Guaidó discorda que seja considerado presidente “auto-proclamado”, uma vez que considera que os seus poderes lhe advêm do artigo 233 da Constituição venezuelana
Encontros clandestinos com militares e processo para eleições livres
Juan Guaidó revelou que está em curso um movimento que reúne os políticos da oposição com vista à realização de eleições livres.

Nesse sentido, está em curso um processo consistindo em três fases: ”o fim da usurpação, porque estamos em ditadura; um Governo de transição que estabeleça e atenda a emergência humanitária, que dê os passos necessários para reinstitucionalizar o país, e outro elemento é o Conselho Nacional Eleitoral, para realizar eleições livres”, detalhou ao El País.

A mesma ideia foi repetida no New York Times, onde revela que durante o período de transição “será necessário o apoio de contingentes militares chave”.

Tivémos encontros clandestinos com membros das forças armadas e com forças de segurança. Oferecemos amnistia a todos aqueles que não forem considerados culpados de crimes contra a humanidade. A retirada do apoio militar a Maduro é crucial para permitir uma mudança de Governo e a maioria daqueles ao serviço concordaram que as mais recentes angústias são insustentáveis”, escreve no jornal americano.

Juan Guaidó acusa ainda o sucessor de Hugo Chávez de ter “sequestradas as armas da República, 27 sargentos torturados no sótão da Direção Geral da Contrainteligência Militar para gerar o medo e perseguição”.

Apelidando Maduro de "ditador" e responsabilizando-o pela "destruição do país" com uma inflação de 2.00.00%, Guaidó afirma que a relação do Estado venezuelano com o seu povo é de "controlo social", numa equação de "medo e susídios. O subsídio cada vez menos, e o terror ou o medo perde-se todos os dias".

"Se nos perguntarmos quais são os elementos para uma transição, parece que teremos todas as variáveis. Há que unificá-las", acrescentou.
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