Veríssimo Seabra, o "computador da guerra" - Perfil
O chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas da Guiné-Bissau, Veríssimo Correia Seabra, hoje morto em Bissau na sequência de uma sublevação militar, era conhecido entre os guineenses como "o computador da guerra".
A alcunha do general de quatro estrelas, que em Setembro do ano passado reivindicou a presidência interina da Guiné-Bissau, depois do golpe que liderou em nome do Comité Militar para a Restituição da Ordem Constitucional e Democrática (CMROCD), que levou à deposição de Kumba Ialá, vem já da extinta Junta Militar de Salvação Nacional, em que foi o comandante das operações militares.
Natural da região de Bissau, 53 anos, Seabra era o "braço direito", em termos estratégicos, do brigadeiro Ansumane Mané, o "homem forte" da Junta Militar que, após 11 meses de conflito, derrubou a 07 de Maio de 1999 o regime do então presidente guineense, João Bernardo "Nino" Vieira.
Era o "cérebro" das operações militares da Junta e, em termos estratégicos, foi Veríssimo Seabra quem idealizou grande parte das acções contra as forças leais a "Nino" Vieira, contando, para tal, com "carta branca" de Ansumane Mané.
Sabia de cor os nomes de todos os militares da Junta, entre oficiais e soldados, e sabia também quais as respectivas aptidões, o que lhe permitia delinear com maior eficácia as operações contra os efectivos fiéis a "Nino" Vieira, entre eles os senegaleses e os guineenses de Conacri que vieram em sua ajuda.
Veríssimo Seabra foi formado em academias militares da Rússia e da China, ainda no tempo da guerra de independência (1963/1974) na então província portuguesa da Guiné.
Já na década de 90, em conjunto com um grupo de jovens oficiais, frequentou uma academia militar dos Estados Unidos.
Ascendeu ao cargo de Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas da Guiné-Bissau logo após a morte de Ansumane Mané (30 de Novembro de 2001), de quem era, aliás, amigo, assumindo o cargo em "respeito" à memória do seu antigo chefe e em nome da pacificação da perturbação política que assolava então a Guiné-Bissau.
De etnia "papel", Veríssimo Seabra sempre teve o sangue frio para intervir no momento exacto, quer para refrear os ânimos mais exaltados de políticos da oposição que pressionavam os meios castrenses para derrubar Kumba Ialá, quer para pôr água na fervura quando o poder o pressionava para manter os militares mais descontentes.
Frequentemente, recorreu a cerimónias militares públicas para avisar os políticos de todos os quadrantes, para não interferirem ou pressionarem os oficiais, lembrando que as Forças Armadas cumpririam o seu papel republicano na Democracia guineense.
Ironicamente, era o único não balanta, uma das principais etnias na Guiné-Bissau, à frente de uma instituição política ou militar, o que lhe provocou alguns dissabores, sobretudo nos momentos de maior tensão.
Mas foi o seu carisma e capacidade de liderança que lhe permitiu superar todos esses dissabores, ao ponto de os principais oficiais do exército, composto maioritariamente por membros da etnia balanta, lhe serem totalmente fiéis.
A "estratégia" funcionou perfeitamente e todos esses mesmos oficiais ficaram com Veríssimo Seabra e participaram activamente no golpe de Estado de Setembro de 2003.
Os descontentes com a sua liderança, por um lado, e os que poderiam levantar maiores objecções a qualquer iniciativa militar para derrubar Kumba Ialá, por outro, foram estrategicamente enviados em missão de paz para a Libéria.