"Vidas negras importam". Jovem de 14 anos é a mais recente vítima da violência policial no Brasil

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Uma rapariga segura um cartaz durante o funeral de João Pedro Ricardo Moraes - Reuters

João Pedro Matos Pinto, de 14 anos, foi morto a tiro a 18 de maio durante uma operação policial contra o tráfico de droga nas favelas brasileiras. A morte do adolescente gerou uma onda de protesto e está a ser comparada ao homicídio de George Floyd, o afro-americano asfixiado por um polícia nos EUA. Os cidadãos brasileiros criticam o facto de se continuarem a realizar operações enquanto o país está de quarentena para combater a pandemia da Covid-19.

Sete dias antes da morte de George Floyd, João Pedro Matos Pinto era morto a tiro na região do Rio de Janeiro. Ambos negros e vítimas de violência policial.

O adolescente foi morto em casa, nas favelas do Complexo do Salgueiro, no município de São Gonçalo. Testemunhas dizem que os agentes invadiram a casa e balearam o jovem brasileiro, mas a versão policial argumenta que o jovem foi vítima do fogo cruzado enquanto os agentes perseguiam traficantes em fuga. João Pedro é a quarta vítima com menos de 15 anos a morrer num contexto de operação policial desde maio de 2019. Milhares de pessoas foram mortas às mãos da polícia no Brasil, das quais 75 por cento eram negras.

“A janela da frente estava cheia de buracos de balas. A televisão estava toda destruída, a sala de estar, o quarto, tudo. Foi horrível. A relva ficou queimada com as granadas que eles lançaram”, relatou a The Guardian Denize Roza Matos Pinto, tia de João Pedro, que estava presente no momento em que a polícia invadiu a sua casa.

“Ele tinha sonhos. Ele queria ser um advogado de destaque”, disse o pai da vítima.
“Genocídio do povo negro”
A morte de João Pedro suscitou comparações com o homicídio de George Floyd – o afro-americano asfixiado por um polícia em Minneapolis, nos Estados Unidos, a 25 de maio – e alimentou uma onda de protestos sobre o aumento da violência policial, mesmo durante a quarentena imposta pelo Governo brasileiro para combater a pandemia da Covid-19. O Brasil é o segundo país do mundo mais afetado pela Covid-19. Nas últimas 24 horas há registo de 1.262 óbitos. No total, mais de 31 mil pessoas morreram no brasil vítimas do novo coronavírus e há mais de 555 mil infetados.

No próximo domingo, os brasileiros vão sair à rua pela segunda vez esta semana para denunciar os ataques policiais às favelas, aquilo a que chamam “genocídio do povo negro”.

“Isto tem de parar. A polícia devia estar a proteger-nos, não a matar-nos”, disse o pai de João Pedro ao jornal britânico.

Os cidadãos criticam o facto de se continuarem a realizar operações policiais durante o período em que o país está em quarentena e os moradores permanecem mais tempo nas favelas, ficando mais vulneráveis aos confrontos entre polícia e gangues.

“Nos primeiros 15 dias de isolamento social houve uma queda acentuada no número de operações e confrontos armados na cidade do Rio de Janeiro, o que foi realmente bem-vindo porque não é momento para isto”, disse Flávia Oliveira, uma jornalista brasileira.

No entanto, em meados de abril, recomeçaram os tiroteios nas favelas. Só no Rio de Janeiro, 177 pessoas foram mortas pela polícia nesse mês, uma pessoa a cada quatro horas. Em maio, quando o número de mortes por Covid-19 no Brasil continuava a multiplicar-se, a violência policial também aumentava, com 13 pessoas mortas numa única operação policial.

A jornalista Flávia Oliveira disse a The Guardian estar chocada com o aumento de “violência gratuita, absurda, excessiva e assimétrica contra um grupo de pessoas que está ainda mais indefeso do que o habitual” no contexto pandémico. A situação epidemiológica é cada vez mais grave nas favelas, onde o desemprego, fome e más condições de vida ajudam ao avanço do novo coronavírus.

"Em vez de enviar médicos e enfermeiros para proteger os moradores da Covid-19, o Governo envia polícias, veículos à prova de balas e helicópteros para nos matar", disse Bruno Itan, fotógrafo residente no Complexo do Alemão, um dos maiores conjuntos de favelas do Rio de Janeiro onde foram mortas dez pessoas durante uma operação policial a 16 de maio.
“Se um negro correr, ele é culpado”
A tia de João Pedro não tem dúvidas de que por trás da morte do seu sobrinho estão intenções racistas. “É suposto sermos todos iguais, mas se estiver no autocarro e a polícia entrar, eles irão revistar primeiro as pessoas de cor. Se um negro correr, ele é culpado. Estamos cansados de ver este tipo de coisas a acontecer”, afirmou Denize Roza Matos Pinto.

“A polícia tem de perceber que as favelas são o lar de boas pessoas. Negros decentes. Mas infelizmente, quando entram numa comunidade, tratam-nos a todos como criminosos. Eles estão enganados”, acrescentou o pai da mais recente vítima adolescente de violência policial no Brasil.

Nos EUA, a morte do afro-americano George Floyd motivou a saída à rua de milhares de pessoas em várias cidades dos EUA. Alguns dos protestos acabaram em confrontos entre a polícia e os manifestantes e já foram feitas milhares de detenções.
Tópicos
pub